A semana transcorria febril. A agitação substituíra a calma habitual naqueles convidados para a Nova Era. Haviam deixado os seus haveres e interesses, abraçando as perspectivas e ambições diferentes, que lhes acenara, quase sem palavras, o estranho e poderoso Rabi.
O Seu olhar, ao alcançar-lhes a intimidade das almas, fizera que um incêndio interior lhes devorasse as pequenezes anteriores a que se aferravam.
Parecia que O aguardavam, fazia muito, e que já O conheciam desde antes, num remoto passado de que a memória não lograva recordar.
O primeiro encontro fora-lhes definitivo. Em vão revolveram os refolhos da alma, procurando identificá-lO. Esforçaram-se mesmo por arrancar-lhe a presença, terna e mágica, das suas vidas.
Queriam-nO e não O queriam, numa ambiguidade perturbadora de sentimentos.
Aquele amor os fascinava e atormentava.
Prometia-lhes em silêncio uma extremada ventura que os encantava e, ao mesmo tempo, fazia-os temer.
O certo é que não estavam acostumados ao amor, nem àquele suave e poderoso convívio com Jesus.
Ele os dulcificava e lhes preenchia os imensos abismos do coração.
Reconheciam as fraquezas próprias e desejavam fugir d’Ele, como se algo os ameaçasse ou conspirasse para que não fossem felizes ao Seu lado.
Não obstante, ficaram e procuravam ser-Lhe fiéis.
Já se acostumavam com as Suas profundas exortações, enquanto se fascinavam com as Suas interferências nas vidas, restaurando a saúde física e mental em todos aqueles que Lhe buscavam o socorro.
Por isso, estavam um tanto inquietos, eufóricos.
Por fim, haviam sido lançadas as bases do Reino a que Ele se referira por várias vezes.
Jesus lhes falara da grande construção, da renovação da Terra, que se modificaria e do homem novo do amanhã.
Foi nesse clima de exaltação emocional que, ao término da semana de contentamento, aproveitando a magia da noite constelada num céu de turquesa escura, Tiago, habitualmente reflexivo e reticencioso, procurou o Mestre acompanhado por três personalidades, apresentando-as ao Construtor Divino.
Não era aquele um fato inusitado.
Com certa frequência, amigo e discípulos traziam interessados, que Ele ouvia com ternura e bondade.
Podia-se notar pela suas vestes caras e adereços raros a posição social que desfrutavam.
— Ouvindo-Te as instruções acerca da Idade Nova que já inauguras e em torno do programa de edificações em pauta, consegui interessados para contribuírem contigo, em favor do novo Reino, na Casa de Israel.
— Este é Sadock ben Eliazar, famoso construtor, admirado e por todos buscado, graças à segurança e majestade que dá às suas obras. Ele deseja participar do empreendimento no qual nos encontramos engajados.
— (...) Todavia desejo o anonimato. Tenho família honrada e distinta, um nome a zelar... Tal realização, parece-me, é revolucionária e os riscos, inevitavelmente, são grandes. Roma nos esmaga, e o Sumo Sacerdote nos vigia. Qualquer deslize ou descuido pode arruinar o programa. Eu não tenho o direito de pôr em risco desnecessário aqueles que confiam em mim.
Sorriu, algo constrangido, e afastou-se com elegância.
O apóstolo, contente, apresentou o outro amigo, de meia-idade, robusto, retratando a boa nutrição e cuidados de que desfrutava.
— Aqui temos Melquíades Bar Josafá, homem dos mais estimados de nossa geração. Rico, é possuidor de largos tratos de terra e senhor de muitos trabalhadores. Justo e bom, sentiu-se atraído, graças às informações que lhe dei, a cooperar com a tarefa que se delineia.
— Os meus bens procedem de ancestrais veneráveis de nossa raça, a que tenho a honra de pertencer. Pressinto que o revolucionário esperado já chegou, e que és Tu... Assim, predisponho-me a ajudar-Te, oferecendo-Te dinheiro e tudo quanto necessitas para a vitória. Entretanto, não me posso apresentar pessoalmente para as operações que serão desencadeadas. No momento, encontro-me sob pesados compromissos que me exigem a presença a fim de lograr as soluções exitosas. Cumpre-me preservar os deveres abraçados, enquanto estabeleço compromissos novos para amanhã.
— Este é Benjamim, que vem da casa de Judá, e é especialista em estratégia militar. Nestes dias, consultado por patriotas insatisfeitos com os romanos e também açudados por alguns sacerdotes mais ortodoxos, aconselhou-os a esperar, por não ser este o momento hábil para abater a águia devoradora que consome as carnes do nosso povo enfraquecido.
Hábil e profundo conhecedor das manobras militares, apesar da sua juventude, fez-se conselheiro de experimentados chefes de guerra...
Ouviu-me falar de Ti e candidata-se...
— E verdade, Senhor. Desde o primeiro momento em que tomei conhecimento da Vossa tarefa, que percebi ser ela a portadora da vitória.
Um homem que enternece pela palavra e que cativa pelo coração, arrasta as multidões e comove os soldados. Líder natural, faz-se símbolo do povo e agita as massas. Vosso verbo incendeia e o Vosso comando supremo arrebata. Assim, coloco-me às Vossas ordens para o combate. Servirei sob 5osso comando e estou disposto a ofertar-Vos as minhas habilidades. Sou moço e sonhador, Nada temo. Apesar disso, gostaria de governar Jerusalém, após as refregas, quando a vitória nos der a palavra da glória...
Havia emoção e alegria no jovem.
Jesus, porém, agradeceu gentilmente a oferta dos três nobres candidatos e pediu licença para retirar-se da sala.
— Não Te entendo! Programas uma obra, um Reino novo e uma revolução libertadora, todavia, quando Te trago o que há de melhor, não tens sequer uma palavra de consideração, entusiasmo ou estímulo para com eles ou para comigo. Que pretendes afinal?!
— Venho fundar o Reino de Deus nas almas, sem aparências exteriores. Os do mundo são transitórios, por mais opulentos se apresentem. Erigidos com mão escrava e argamassados com sangue, carne e lágrimas, ocultam por detrás das fortes paredes as misérias dilaceradoras que não conseguem modificar. O meu Reino é estruturado com o amor e a renúncia, objetivando a libertação das consciências e dos sentimentos. Programado para a vida eterna, exige dos que se candidatam à sua edificação o sacrifício, a abnegação e o espírito de serviço.
— Mas, Senhor — interrompeu-O o companheiro, desiludido —, trata-se de excelentes cooperadores, que poderias utilizar, apressando a obra.
— Sem dúvida, Tiago - ripostou-lhe —, são pessoas distintas e poderosas. Convém, porém, recordar, que o primeiro ambiciona manter as comodidades e a projeção, distância e discrição, não se submetendo a riscos nem a sacrifícios pessoais. O segundo, montado em valores que passaram por várias gerações, pretende permanecer guindado na posição que desfruta, e o último, embora sonhador e jovem, é carniceiro presunçoso, exigindo uma governança faustosa para a vaidade que o asfixia na ambição desmedida. Contudo, respeitando-lhes a visão da vida e os interesses a que se apegam, os meus planos divergem inteiramente dos seus interesses atuais. Talvez, a minha edificação, em face da sua própria estrutura de valor íntimo e eterno, demore de ser lograda, mas será conseguida um dia. Enquanto isso, eles passarão deixando os valores que retêm momentaneamente para outras mãos, as honrarias para outros equivocados e os tronos para diversos lutadores desassisados. Eu, porém, que os antecipei, estarei acima deles, reunindo os que têm fome e sede íntimas de justiça e paz, anelando pelo Reino do Céu, destituído de aparências externas a eternizar-se no coração.
Um grande silêncio se abateu no ambiente, apenas quebrado, de quando em quando, pela voz do vento nas ramagens do arvoredo.