A tarde caía debruada em violeta.
Os montes, recobertos de vegetação verde-pálido, traduziam a adustez da terra difícil de ser trabalhada, quase reflexo do solo dos corações que iriam receber a semente de luz e vida em prol de uma época nova e feliz.
Aqueles dias haviam sido repletados de júbilos e expectativas que bailavam em musicalidade festiva na lira dos espíritos.
Jamais ocorreram fenômenos que tais e nunca voltariam a suceder.
Aqueles homens humildes e desataviados, que jamais saíram dos seus sítios, pareciam embriagados de felicidade ante as circunstâncias dos sucessos recentes.
As aragens das bênçãos de que se faziam portadores percorriam a paisagem em todas as direções.
Jesus viera ter com eles e lhes modificara os destinos. A Sua voz penetrara-os e modificara completamente as estruturas em que se firmavam.
Desse modo, seguiram-nO entre deslumbrados e curiosos.
Indecifrável para eles, o Rabi era, todavia, fascinante. Sábio sem ser solerte e nobre sem qualquer excentricidade, Sua palavra impregnava de uma singular magia que modificava os conceitos antigos e reformulava os hábitos ante a fulgência das luzes do Reino de Deus, de que se fazia embaixador, ao mesmo tempo, Rei...
Seguiam-nO docemente, sem se darem conta das fu-turas tarefas que lhes estavam reservadas. Não tinham ideia das excelentes e indimensionais proporções dos cometimen- tos que os convidariam à gigantesca realização.
Tudo eram júbilos e incertezas.
Nada inquiriam, de nada sabiam, porém confiavam.
Cobriam-lhe as pegadas maquinalmente, seduzidos pelo seu estranho fascínio.
Amavam-nO, sim, e deixar-se-iam amar se lhes fosse necessário, já que fora Ele a amá-los primeiro, por asseverar que os conhecia desde antes...
E certo que O não conheciam anteriormente,-por tal razão não entenderam aquele conceito: desde antes...
Isto não importava. O essencial era a necessidade da nutrição do amor que os sustentaria por todo o sempre.
O Senhor reuniu os doze (Mateus
Nem os atemorizar nem os iludir, revelar-lhes o que deveriam ou não fazer.
Prognosticou-lhes a finalidade do Evangelho, as responsabilidades que lhes caberia desenvolver, os compromissos a assumir e concretizar.
A palavra gentil, repassada de doçura, abria-lhes a visão anterior para os labores que deveriam modificar as estruturas sociológicas da Terra e das criaturas.
— Ide às ovelhas perdidas da casa de Israel. "Pregai que está próximo o Reino de Deus. "Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, limpai os leprosos, expeli os demônios. "De graça recebestes, de graça dai. "Não vos provereis de ouro nem de prata, nem cobre nas vossas bolsas, nem de alforjes para o caminho. "Nem de duas túnicas, nem de calçado, nem de bordão... "Digno é o trabalhador do seu salário... " Já não são antífonas as preparatórias.
E a forte canção entoando deveres.
Entreolham-se atônitos os ouvintes em silêncio.
— Em qualquer aldeia ou cidade em que entrardes, indagai quem nela é digno (da mensagem) e aí ficai até vos retirardes. "Ao entrardes na casa, saudai-a. Se ela for digna, desça sobre ela a vossa paz. "Se alguém não vos receber, nem ouvir as vossas palavras, ao sairdes daquela cidade ou daquela casa, sacudi o pó dos vossos pés. " A antevisão do futuro brilha agora nos olhos desmesuradamente abertos dos discípulos atentos, ouvintes, ansiosos...
Logo depois, a apoteose de esperança faz-se uma balada de admoestação e o Senhor se reporta aos problemas a enfrentar e às dificuldades a superar.
— Eu vos envio como ovelhas ao meio de lobos. "Sede, pois, prudentes como as serpentes e simples como as pombas. "Guardai-vos, porém, dos homens; porque vos entregarão aos tribunais, e vos açoitarão nas suas sinagogas. "Por minha causa sereis levados à presença dos governadores e dos reis, para servir de testemunhos a eles e aos gentios. "Quando vos entregarem, não cuideis como ou o que haveis de falar; porque naquela hora vos será dado o que haveis de dizer. "Não sereis vós quem falais e sim o Espírito do vosso Pai a falar por vós. " Há uma pausa de alta solenidade.
A noite confunde a tarde em despedida.
— Irmãos entregarão à morte seus irmãos, e pais os seus filhos... "Filhos se levantarão contra pais e os farão morrer... "Sereis odiados de todos por causa do meu nome; mas quem perseverar até o fim, esse será salvo. "Quando, porém, vos perseguirem numa cidade, fugi para outra, porque em verdade vos digo que não acabareis de percorrer as cidades de Israel, antes que venha o Filho do Homem... " Há um choque.
Os discípulos se descobrem surpresos.
— Muitas serão as dores por amor de mim!
As interrogações se fazem abafadas sem coragem de explodirem palavras nítidas. Como entender-se a significação de tão ingente batalha?
— Separar a família, dividir os irmãos, seria isso o que o Mestre desejou expressar? —, pensaram todos.
— Não me compreenderão os homens, nem aqueles a quem amo... Isto porque, para estar comigo se faz imperioso aborrecer o mundo e suas questiúnculas, suas paixões absorventes...
Imprescindível resolver em definitivo o rumo a tomar. Eu sou o caminho difícil, a porta estreita...
Já não havia dúvida. O seu era um ministério áspero: aplainar as veredas, reverdecer os campos e dourar a terra com o trigo bom em fartura de misericórdia...
Somente os que se encorajassem a um esforço sacrificial conseguiriam lograr atingir o clímax dos relevantes deveres.
Jesus espraiou os olhos, e o casario à distância, representado pelas chamas bruxuleantes através das janelas abertas, nas vasilhas de barro vermelho e nos veladores em lamparinas débeis, revelou a proximidade da aldeia.
Os longes dos tempos acercavam-se. O infinito das horas se tornava finito. O espaço diminuía e uma epopeia de momento eterno estrugiu, subitamente.
— Não é o discípulo mais que o seu mestre, nem o servo mais que o seu senhor. "Basta ao discípulo ser como seu mestre, e ao servo como o seu senhor. "Se chamaram ao dono da casa Belzebu, quanto mais aos seus domésticos! "Portanto, não os temais; pois nada há encoberto que se não venha a descobrir. "O que vos digo às escuras, dizei-o às claras, e o que se vos diz ao ouvido, proclamai-o aos eirados. "Não temais aos que matam o corpo, mas não podem matar a alma... " Uma nova pausa se faz espontânea.
O Rabi faculta que os ditos penetrem em essência a alma dos companheiros.
— Todo aquele que me confessar diante dos homens, também eu o confessarei diante de meu Pai que está nos Céus. "Aquele, porém, que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante de meu Pai que está nos Céus. " Os olhos, agora, se nublam de emoções superiores.
Aqueles homens da terra, simples e ignorantes, se destinavam a reformar a Terra, a reestruturar o mundo.
Mais poderosos do que os fortes em trânsito para o fracasso... "Os Espíritos se lhes submeteriam, pisariam em serpentes sem perigo e prosseguiriam... " Fermento de luz converteria a sombra das dores humanas em Via Láctea de esperanças, deixando um rastro de prata a indicar os sublimes rumos...
Não terminou ainda a mensagem, que não voltará a ser repetida, sem embargo deverá ser vivida a partir dali.
— Não vim trazer paz à Terra, porém a espada! ... — exclama com rigor. "Quem ama seu pai ou sua mãe, seu filho ou sua filha mais do que a mim, não é digno de mim... "Aquele que não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim... "O que acha a sua vida, perdê-la-á; mas o que a perder por minha causa, achá-la-á... " Foi anunciada a estratégia.
Nem tudo, porém, serão dores.
— Aquele que vos recebe a mim me recebe; e quem me recebe, recebe aquele que me enviou... "Quem recebe um profeta ou um justo, por ser profeta ou justo, receberá a recompensa reservada ao profeta ou ao justo...
Aquele que der de beber, ainda que seja um copo de água fria a um destes pequeninos, por ser meu discípulo, em verdade vos digo que de modo algum perderá a sua recompensa. " O Rabi sorri tranquilo.
Há uma doce quietação em a Natureza.
... E assim tem sido.
Sucedem-se os tempos e os seareiros, não obstante poucos, surgem e renascem, multiplicam-se e se desdobram em todas as direções, clareando de madrugadas as espessas meias-noites da desesperação.
O silêncio dos que se fazem mártires prepara a sinfonia das orquestrações que se levantarão esfuziantes.
Transitam uns anônimos, outros invejados, diversos incompreendidos, malsinados outros mais, nas áreas difíceis da Ciência, da Cultura, da Arte, da Política nobre, da Civilização, construindo o porvir que já se fixa em alicerces de atualidade.
Passaram os primeiros chamados, e todos, à exceção de João, provaram o testemunho áspero do sacrifício da vida no martírio...
Vieram outros que adubaram as arenas odientas da governança transitória, com o sangue da própria vida ou iluminaram as noites, transformados em archotes vivos, eles que eram estrelas luminescentes...
Através dos tempos, Jesus lhes há constituído o zênite e o nadir da vida, modelo e guia, a estimulá-los e vitalizá-los sem cessar.
Ainda hoje e até agora prossegue sendo assim. Todavia, neste crepúsculo de civilização, Jesus reúne os seus discípulos enquanto a tarde cai em debruns violáceos e fala-lhes do amanhã ditoso, rogando-lhes, em definitivo, que se estabeleça na Terra o primado da fraternidade como pórtico feliz do excelso Reino da ventura plena...
Entardecia...
Entardece...
No crepúsculo - Jesus!