Quando Voltar a Primavera

CAPÍTULO 12

O MILAGRE NÃO SOLICITADO



Estabelecia-se o clima da contradição humana...

As notícias que chegavam de Cafarnaum pareciam a impossível confirmação da chegada do Messias. Dizia-se abertamente que os tempos eram aqueles, pois que os sinais prenunciadores surgiam poderosos. Que Ele, porém, fosse o Esperado, duvidavam os seus, aqueles que constituíam o clã dos seus ascendentes, os que O conheciam desde a infância.

No íntimo de cada um se conflitavam as paixões. Anelava-se que ele fosse o Embaixador e receavam que fosse. Gostariam de fruir benefícios, retirar as largas fatias dos jogos humanos e dos humanos triunfos. A inveja, abraçada ao despeito, no entanto, negava-lhe a possibilidade.

Anunciada a chegada à cidade que lhe propiciara berço, Nazaré se emocionou.

No sábado, a Sinagoga estava repleta, mais do que costumeiramente.

Quando Ele se adentrou, os familiares lá se encontravam, indecifráveis...

Os compatriotas, aqueles que O conheceram no dia a dia dos tempos, recusavam aceitar a autoridade que se exteriorizava da sua presença majestosa.

O rabino dispôs os rolos sagrados e deu início ao ofício.

Após a oração coletiva, seguiu-se a bênção. O presidente leu o texto da lei referente ao dia. Passou-se ao exame dos profetas. Foi franqueada a palavra a qualquer um dos presentes.

Inicia-se a haftarah. (Haftarah - Surpresa) Os olhares incidiram sobre Ele, impondo-lhe a definição...

Jesus se levantou, tomou o rolo venerando dos profetas e leu um versículo apenas, em tom solene e calmo. O escrito precioso informava das características do Rei Divino. Textualmente dizia: "O Espírito do Senhor está sobre mim, pois que me ungiu para anunciar boas novas aos pobres. Enviou-me para proclamar a libertação aos cativos, restaurar a vista aos cegos, para por em liberdade os oprimidos e anunciar o ano da graça do Senhor". (Lucas 4:16-30 Marcos 6:1-6 Mateus 13:54-57) Houve um silêncio incômodo de expectação, quase estupor!

Escutavam-se as ansiedades e estrugiam os conflitos íntimos.

— Hoje se cumpriu esta Escritura aos vossos ouvidos, em mim, o anunciado. Eu sou aquele que se esperava.

Suas palavras ascendem em comentários brilhantes, produzem maravilhas, anunciam o mundo porvindouro.


Interrogam-se os presentes:

— Não é este o filho de José?

Inicia-se uma reação de despeito.

Trovejam os impropérios, os gritos se fazem ensurdecedores.

— Blasfemo! —, vociferam os mais exaltados.

— Faze um milagre — trovejam os céticos. - Repete diante de nós, teus compatriotas, as façanhas que ouvimos falar de ti, realizadas entre os ignorantes de Cafarnaum.

As gargalhadas se fazem perturbadoras.

Ele permanece em serenidade, inatingível.

Sempre estará assim. Nada O abalará, força alguma O demoverá da sublime fatalidade do amor.

O rabino repõe a Sinagoga em ordem.

Os ódios espumam nos corações invejosos, irados.

Os homens sempre se deixarão tombar com facilidade dos cimos em quedas espetaculares aos abismos...

As emoções superiores sobrepõem-se às paixões servis.

— Médico - assevera, conciso -, cura-te a ti mesmo... Ninguém é profeta em sua terra.


‘‘Todavia, assevero-vos, quando grassava a fome em Israel e as viúvas padeciam por três anos, foi a uma fenícia, Sarepta, de Sídon, que Isaías socorreu; e quando Eliseu saiu a ajudar, o primeiro leproso a quem curou foi Naaman, o sírio... Não são os eleitos os únicos... " Não pôde prosseguir. O alarido assenhoreou-se da assembleia agitada, os punhos se fecharam e as deficiências morais em exacerbação sugeriram:

— Justicemos o atrevido. "Esse carpinteiro audacioso desmoraliza a Casa do Senhor. "

— Conspurca as tradições do povo — acrescentou outra voz.

— E blasfemo, e traidor — completou mais alguém. - Certamente nega nossa primazia, nossa eleição.

— Rápido, façamos justiça - explodiam vários — a fim de servir de escarmento para outros, os que desejam desonrar as tradições da raça abençoada.

Os homens de pequena estatura moral nunca se permitirão compreender os seus superiores, jamais perdoarão a verdade, os que se comprazem na mentira.

O orgulho é um bafio morbífico, que aniquila quem o exterioriza.

Inimigo do homem é o aliciador da desdita e do crime, emulando aqueles que o agasalham à agressão, à perfídia...

A suave e bela Nazaré estava aturdida e penetrada pelas trevas...

Jesus reservara à sua terra a honra de desvendar-se, de anunciar a primeira notícia do seu divino ministério.


* * *

As recordações lhe perpassam pela alma... Os anos juvenis, as paisagens ricas de tons verdes e escarlates, as noites salpicadas de estrelas, os entardeceres de ouro, ao longe, além da planície do Esdrelon por detrás do monte Carmelo...

Perpassa o olhar pela massa iracunda e encontra os olhos súplices de sua mãe, ansiosa, experimentando a agonia que não cessará por muito tempo...

Naquele átimo de minuto Sua voz luariza-lhe a alma sem palavras, num acalanto que vibra no doce e amoroso coração.

Sim, ela compreende o filho e n’Ele confiaria.

As altercações aumentam, os agressores O seguram, agarram-nO e, subitamente, O têm ao sudoeste da cidade, no acume da montanha, na parte em que o granito se rasga abruptamente...

— Atiremo-lo ao abismo... Nenhuma delonga. Eia, agora, já...

À tarde, em fogo ardente, esmaece na distância.

O Mestre, compungido, detém-se na massa agitada, fixa o penetrante olhar e domina a exaltação da covardia, açodada pelos famanazes da balbúrdia, que vagueiam nas terríveis trevas da consciência espiritual, no além-túmulo...

Os membros se inteiriçam, as mãos se afrouxam, os olhares se esgazeiam dominados pelo magnetismo que se espraia.

Ele corrige as vestes, estoico e pulcro atravessa a multidão agora inerme e desce, buscando as planuras verde-azuis de Cafarnaum emoldurada pelas águas quedas do lago transparente.

Nazaré não tinha entendimento para O compreender.

Recusara-O, porque vencida pela doença do despeito, pela alucinação da má vontade.

A verdade fora apresentada.

Nazaré queria um milagre.

Ele se libertou das mãos dos algozes, dos corifeus da loucura sem um gesto sequer - um milagre!

A sua, a hora de "ser erguido" ainda não soara...

Agora, porém, enquanto os ódios fazem as suas primeiras sortidas, a mensagem se espraia feita de sacrifícios e silêncios, de devotamentos e renúncias, de perene ternura, mesmo para aqueles que se negam a ser amados.

Nunca mais se extinguirá o seu conteúdo.

O mundo inteiro é o campo para a semente do seu incomensurável, incontido amor.

Ninguém deterá o crescimento da árvore da vida ou fará que seque a fonte inexaurível de água viva.

Nunca mais!

Não O receberam os conhecidos, os seus, porque Ele viera para todos, não pertencer a ninguém e ser de todos.

Ainda hoje é assim, e por muito tempo se demorará assim.

Nazaré desejava um milagre e não entendeu o milagre não solicitado...