Quando Voltar a Primavera

CAPÍTULO 15

EM BET NIA, LÁZARO VOLTOU



A urdidura da perversidade se apresentava na imprudência do ódio que espocava nas mentes aturdidas e despeitadas.

A reação psicológica dos que são nobres, apenas na aparência, se expressava na intriga e na inveja, que retratam os painéis ignóbeis da hipocrisia bem vestida e da pequenez moral disfarçada em pureza exterior.

Jesus, sabendo que ainda não era chegada a hora, deixou a Judeia rica de orgulho e pobre de fé, demandando as áridas regiões da Pereia, onde ainda pairavam as últimas modulações de locanaan.

A fortaleza escura de Maqueronte, à borda do deserto, assinalava na distância o marco limítrofe do poder de César, e além eram a Natureza em tons fortes, o solo adusto, desnudo, com as montanhas em pétreo pano de fundo...

No entanto, pelo caminho, a cantilena da mensagem balsamizava os deserdados do mundo, candidatos à vida nova.

Homens e mulheres renovados, modificadas as conjunturas das mazelas de que padeciam, bendiziam-Lhe o nome e louvavam-nO, reconhecidos. Reconhecimento e gratidão, aliás, que seriam de breve duração...

Todavia, na doce e cálida Betânia, nos cerros acima, a poucos quilômetros de Jerusalém, Lázaro enfermara... (João 11:1-46) Provavelmente, era janeiro do ano 30 e a vida messiânica do Rabi marchava para o término...

Um mensageiro dedicado, em nome das irmãs aflitas, deixou a pequenina casa branca entre rosais e demandou as terras distantes, onde o Rabi se fazia o hífen de esperança entre o mundo das dores e as mansões de felicidade.

Após a fatigante jornada, a notícia foi dada com pormenores.

O Mestre, todavia, sempre solícito, pareceu não dar maior importância à preocupação dos amigos queridos, em cujo lar sempre desfrutara de calorosa e terna hospitalidade.

Várias vezes ali estivera e naquele recinto de enobrecimento espalhara o pólen da Boa-nova.

Demorou-se, todavia, na região, por mais dois dias, sem dar mostras de interesse ou zelo pelo amigo, em enfermidade ultriz.

Quando os discípulos já não esperavam qualquer resolução ou informe ao mensageiro, Ele resolveu partir...

Há exclamações e receios nos discípulos. "A Judeia ameaçara lapidá-l0 há pouco, e agora pretende desafiar a força do poder farisaico, volvendo lá e aparecendo na Betânia, um quase arrabalde de Jerusalém? " —, pensam os amigos. "Como retornar àqueles lugares malsinados, onde sofrerá injunções humilhantes? " Ele, porém, pulcro e sereno, acalma os amigos, referindo-se a Lázaro, que "dormia", aguardando Sua presença para que despertasse.

— Se dorme, ficará bom, despertará — redarguiram os amigos, incapazes de penetrar o sentido da palavra.

— Lázaro morreu para o mundo, penetrou os umbrais da sombra e me espera. Folgo por tal ocorrência, de não me achar lá para que creiais: será para maior glória de Deus e para que aqueles que não creem passem a crer...

Entreolham-se os aprendizes da magna Doutrina imortalista em delineamento e apresentação. Curiosos e afetivos, seguem-nO.


Quando o Mestre chega a Betânia dirige-se para o túmulo de Lázaro, enquanto Marta, chorosa, vem saudá-lO:

— Se aqui estivésseis, Senhor, meu irmão, que tanto vos amava, não teria morrido. Eu sei, no entanto, que o que pedirdes a Deus, Ele o concederá.

— Lázaro dorme, há de ressuscitar.

— Eu sei que ele há de ressuscitar no dia da ressurreição - redarguiu a irmã, aflita.

O Mestre pede a presença de Maria, que se detém no lar, atendendo visitantes da capital que trouxeram condolências à família enlutada.

Em copioso pranto, seguida pelas pessoas gradas, esta abraça o Mestre e se lamenta.


A dor a embrulha nos tecidos da angústia e ela se veste de agonia. Arroja-se aos pés do Amigo e exclama:

— Senhor, se tivésseis estado aqui, não teria morrido meu irmão!

Ante a comoção geral, que decorre do quanto o homem simples e bom se fizera amar, Jesus chorou...


Os presentes estranham e murmuram:

— Vede como o amava!

O amor é como suave perfume que todos pressentem, embora quem o gera se acostume a essa essência divina.

No momento de expectativas e ansiedades, o Senhor pede que a pedra sepulcral de entrada seja removida.


Marta, exclama:

— Há quatro dias intimado, cheira mal, já em decomposição.

— Não te disse, que se creres verás a glória de Deus?

O Senhor penetra-se da presença do Pai e exora ajuda.

Sua oração é um poema de exaltação, uma ode que se converte em súplica de humildade e confiança absoluta.

No silêncio que se faz espontâneo ante o espetáculo da tarde formosa, esta é a tela em branco onde Ele grafará a epopeia de eternidade.

— Pai, graças te dou por me ouvires. Eu sabia que sempre me ouves, mas assim falei, por causa desta multidão que me cerca, a fim de creem que me enviaste.

Há uma eloquente expectativa.

— Lázaro! - A voz timbra profunda e poderosa. - Sai para fora.

Levanta e anda!

O cataléptico despertou do letargo, movimentou-se e aproximou-se.

O estupor, as lágrimas de comoção e surpresa explodiram.

O morto acordava e, envolto pelo sudário, com as ataduras que lhe cingiam as antigas úlceras, desataviou-se e sorriu...

— Eu sou a ressurreição e a vida — dissera há pouco aos atônitos assistentes. - Aquele que crê em mim, mesmo que esteja morto, viverá e todo o que vive e crê em mim jamais morrerá...

Há os vivos no gozo, no poder, nas artes da aquisição da fortuna, dos interesses mesquinhos, que transitam nos sólios e tronos do mundo, no entanto, cadaverizados, mortos que respiram e jazem em trevas, sob as claridades do Mundo Espiritual.

Existem os que mergulham no torpor mortal das enfermidades de longo porte, que se anestesiam e se amolentam, sem acordarem, para a saúde do Espírito imortal.

Movimentam-se mortos para o bem, muitos corifeus da negação e da perversidade.

Lázaro se encontrava na anestesia da morte aparente do corpo, vitimado pelo profundo sono da catalepsia...

E há os vivos que, embora sem o corpo, atuam e vivem no esplendor da consciência livre; os que se movimentam na esfera espiritual em comunhão com a incessante beleza da Vida.

Transitam os vivos para as realizações nobilitantes que, inobstante o corpo, são livres, sem algemas nem amarras com o passado, perfeitamente comprometidos e conscientizados com os altos ideais do Mundo Verdadeiro.

Mortos-vivos em construção da vida e vivos-mortos na elaboração dos abismos em sombra onde tombarão.

Lázaro saía da morte aparente ao apelo de Jesus para a ação na vida temporária, prelúdio da vida sem sombra nem morte, que viria depois.


* * *

Em Betânia, entre os amigos, o Evangelho atestou a excelência do amor e o amor ressuscitou da noite a madrugada...

Lázaro vem d´Aquele que dá a vida, mas, também, que é o Senhor da morte...


* * *

Os presentes exultaram... todavia, alguns acorreram precipites a Jerusalém e deram conta aos jactanciosos defuntos ornados das prerrogativas mentirosas da Terra, em intriga contra Aquele que, somente quando "erguido um dia, atrairia todos a Ele", por fim.