A multidão! Sempre o Senhor esteve visitado pela multidão.
A multidão, porém, são as chagas sociais, as dores superlativas, as agonias e decepções, as lutas e angústias, as dificuldades.
Em toda parte o Mestre esteve sempre cercado pela multidão.
Através das Suas mãos perpassavam as misericórdias, as blandícias, manifestava-se o amor...
O Seu dúlcido e suave olhar penetrava a massa amorfa sob a dor repleta de aflitos e ansiosos, lenindo as desesperações e angústias que penetram as almas como punhais afiados e doridos.
A multidão são o imenso vale de mil nonadas e muitas necessidades humanas mesquinhas, onde fermentam os ódios, e os miasmas da morte semeiam luto e disseminam a peste em avalanche desesperadora num contágio de longo porte...
Ele viera para a multidão, que somos todos nós, os sedentos de paz, os esfaimados de justiça, os atormentados pelo pão do corpo e da alma...
Todos os grandes missionários desceram das altas planuras para as multidões que são o nadir da Humanidade.
Por isso sempre encontraremos Jesus cercado pela multidão.
Ele é paz.
Sua presença acalma, diminuindo o fragor da batalha, amainando guerras de fora quanto os conflitos de dentro.
Ele é amor.
O penetrar do Seu magnetismo dulcifica, fazendo que os valores negativos se convertam em posições refletidas, em aquisições de bênçãos.
Quando Ele passa, asserenam-se as ansiedades.
Rei Solar, onde esteja, haverá sempre a claridade de um perene amanhecer.
Ele tomara a barca com os amigos do ministério e vencera o mar na serenidade do dia.
As águas tépidas, aos ósculos do Astro-rei, refletem o céu azul de nuvens brancas e garças...
Há salmodias que cantam no ar, expectativas que dormem e despertam nos Espíritos...
Chegando às praias de Genesaré, a notícia voa nos pés alígeros da ansiedade e a multidão se adensa...
As informações se alargam pelas aldeias vizinhas, pelos povoados ribeirinhos...
Todos trazem os seus... Os seus pacientes, familiares e conhecidos, problemas e querelas...
Exibem chagas purulentas, paralisias, dificuldades morais, misérias e tormentos de toda espécie.
Obsessos ululam e leprosos choram, cegos clamam e surdos-mudos atordoam-se.
A atroada dos atropelos que o egoísmo desatrelado produz, a inquietação individual, o medo de perder-se a oportunidade tumultuam todos, os semblantes se angustiam, os ruídos se fazem perturbadores, enquanto Ele, impávido, sereno, acerca-se e toca, deixando-se tocar...
Transfiguram-se as faces, sorriem os rostos antes deformados, movimentam-se os membros hirtos, e os sorrisos, em lírios brancos engastados nas molduras dos lábios arroxeados, abrem-se, exaltam o Rabi, cantam aleluias.
A música da saúde substitui a patética da enfermidade, a paz adorna a fronte fatigada dos guerreiros inglórios.
Partem os que louvam, chegam os que rogam...
Há silêncios que se quebram em ribombar de solicitações contínuas. Há vozes que emudecem na asfixia das lágrimas.
Das fímbrias das Suas vestes, que brilham em claridade desconhecida, desprendem-se as virtudes e estas curam, libertam, asserenam, felicitam...
Genesaré encontra o seu apogeu, encanta-se com o Profeta...
O Rabi, o Aguardado, reveste-se de misericórdia e todos exultam.
Narram os evangelistas que naquela visita à cidade formosa e humilde ocorreram todos os milagres que o amor produz.
No entanto, por cima de tais expectativas e conquistas transitórias, Jesus alonga o olhar para o futuro e descortina, além dos painéis porvindouros, a Nova Humanidade destituída das cangas atribulatórias, constringentes e justiçadoras com que o homem se libera, marchando na direção do Pai.
Até este momento, o Senhor sabe que os homens ainda são as suas necessidades imediatas e tormentosas em cantochões de agonia lenta...
Por muitos séculos soarão as vozes das multidões necessitadas e torpes, no festival demorado das lágrimas.
Mesmo hoje, evocando os acontecimentos de Genesaré, defrontam-se as multidões, buscando as soluções imediatas para o corpo, no pressuposto de que estão tentando atender o Espírito, exculpando-se das paixões, aparentando manter os compromissos com Jesus mediante um comércio infeliz para com as informações e conquistas imperecíveis...
Cristianismo, todavia, é Jesus em nós, insculpido no santuário dos sentimentos, esflorando esperança e fé.
Atendamos à enfermidade, à viuvez, ao abandono, à solidão e à fome sem nos esquecermos de que, revivendo o Mestre Insuperável, os 1mortais que ora retornam, buscam, essencialmente, libertar o homem de si mesmo, arrebentando os elos escravocratas que o fixam às mansardas soezes do primitivismo espiritual de cada um, a fim de alçá-lo à luz perene e conduzi-lo às praias da nova Genesaré do amor, onde Ele, até hoje, espera por todos nós, a aturdida multidão de todos os tempos. (Mateus