Os mensageiros

Capítulo XI

Belarmino, o doutrinador



As lições eram eminentemente proveitosas. Traziam-me novos conhecimentos e, sobretudo, com elas, admirava, cada vez mais, a bondade de Deus, que nos permitia a todos a restauração do aprendizado para serviços do futuro. Muitos de nós havíamos atravessado zonas purgatoriais de sombra e tormento íntimo. Uns mais, outros menos. Bastara, contudo, o reconhecimento de nossa pequenez, a compreensão do nosso imenso débito e ali estávamos, todos, reunidos em “Nosso Lar”, reanimando energias desfalecidas e reconstituindo programas de trabalho. Eu via em todos os companheiros presentes o reflorescimento da esperança. Ninguém se sentia ao desamparo. Observando que numerosos médiuns prosseguiam, em valiosa permuta de ideias, referentemente ao quadro de suas realizações, e ouvindo tantas observações sobre doutrinadores, perguntei a Vicente, em tom discreto:

— Não seria possível, para minha edificação, consultar a experiência de algum doutrinador em trânsito por aqui? Recolhendo notícias de tantos médiuns, com enorme proveito, creio não deva perder esta oportunidade.

Vicente refletiu um minuto e respondeu:

— Procuremos Belarmino Ferreira. É meu amigo há alguns meses.

Segui o companheiro, através de grupos diversos. Belarmino lá estava a um canto, em palestra com um amigo. Fisionomia grave, gestos lentos, deixava transparecer grande tristeza no olhar humilde.

Vicente apresentou-me, afetuoso, dando início à conversação edificante. Após a troca de alguns conceitos, Belarmino falou, comovido:

— Com que, então, meu amigo deseja conhecer as amarguras de um doutrinador falido?

— Não digo isso, — obtemperei a sorrir, — desejaria conhecer sua experiência, ganhar também de sua palavra educativa.

Ferreira esboçou sorriso forçado, que expressava todo o absinto que ainda lhe requeimava a alma, e falou:

— A missão do doutrinador é muitíssimo grave para qualquer homem. Não é sem razão que se atribui a Nosso Senhor Jesus o título de Mestre. Somente aqui, vim ponderar bastante esta profunda verdade. Meditei muitíssimo, refleti intensamente e concluí que, para atingirmos uma ressurreição gloriosa, não há por enquanto, outro caminho além daquele palmilhado pelo Doutrinador Divino. É digna de menção a atitude d’Ele, abstendo-se de qualquer escravização aos bens terrestres. Não vemos passar o Senhor, em todo o Evangelho, senão fazendo o bem, ensinando o amor, acendendo a luz, disseminando a verdade. Nunca pensou nisso? Depois de longas meditações, cheguei ao conhecimento de que na vida humana, junto aos que administram e aos que obedecem, há os que ensinam. Chego, pois, a pensar que nas Esferas da Crosta há mordomos, cooperadores e servos. Muito especialmente, os que ensinam devem ser dos últimos. Entende o meu irmão?

Ah! Sim, havia compreendido perfeitamente. A conceituação de Belarmino era profunda, irrefutável. Aliás, nunca ouvira tão belas apreciações, relativamente à missão educativa.


Após ligeiro intervalo, continuou sempre grave:

— Há de estranhar, certamente, tenha eu fracassado, sabendo tanto. Minha tragédia angustiosa, porém, é a de todos os que conhecem o bem, esquecendo-lhe a prática.

Calou-se de novo, pensou, pensou, e prosseguiu:

— Faz muitos anos, saí de “Nosso Lar” com tarefa de doutrinação no campo do Espiritismo evangélico. Minhas promessas, aqui, foram enormes. Minha abnegada Elisa dispôs-se a acompanhar-me no serviço laborioso. Ser-me-ia companheira desvelada, abençoada amiga de sempre. Minha tarefa constaria de trabalho assíduo no Evangelho do Senhor, de modo a doutrinar, primeiramente com o exemplo, e, em seguida, com a palavra.

Duas colônias importantes, que nos convizinham, enviaram muitos servos para a mediunidade e pediram ao nosso Governador cooperasse com a remessa de missionários competentes para o ensino e a orientação.

Não obstante meu passado culposo, candidatei-me ao serviço com endosso do Ministro Gedeão, que não vacilou em auxiliar-me. Deveria desempenhar atividades concernentes ao meu resgate pessoal e atender à tarefa honrosa, veiculando luzes a irmãos nossos nos Planos visível e invisível. Impunha-se-me, sobretudo, o dever de amparar as organizações mediúnicas, estimulando companheiros de luta, postos na Terra a serviço da ideia imortalista. Entretanto, meu amigo, não consegui escapar à rede envolvente das tentações. Desde criança, meus pais socorreram-me com as noções consoladoras e edificantes do Espiritismo cristão. Circunstâncias várias, que me pareceram casuais, situaram-me o esforço na presidência de um grande grupo espiritista. Os serviços eram promissores, as atividades nobres e construtivas, mas enchi-me de exigências, levado pelo excessivo apego à posição de comando do barco doutrinário. Oito médiuns, extremamente dedicados ao esforço evangélico, ofereciam-me colaboração ativa; contudo, procurei colocar acima de tudo o preceito científico das provas insofismáveis. Cerrei os olhos à lei do merecimento individual, olvidei os imperativos do esforço próprio e, envaidecido com os meus conhecimentos do assunto, comecei por atrair amigos de mentalidade inferior ao nosso círculo, tão somente em virtude da falsa posição que usufruíam na cultura filosófica e na pesquisa científica. Insensivelmente, vicejaram-me na personalidade estranhos propósitos egoísticos. Meus novos amigos queriam demonstrações de toda a sorte e, ansioso por colher colaboradores na esfera da autoridade científica, eu exigia dos pobres médiuns longas e porfiadas perquirições nos Planos invisíveis. O resultado era sempre negativo, porque cada homem receberá, agora e no futuro, de acordo com as próprias obras. (Sl 62:12) Isso me irritava. Instalou-se a dúvida em meu coração, devagarinho. Perdi a serenidade doutro tempo. Comecei a ver nos médiuns, que se retraíam aos meus caprichos, companheiros de má vontade e má fé. Prosseguiam nossas reuniões, mas da dúvida passei à descrença destruidora.

Não estávamos num grupo de intercâmbio entre o visível e o invisível? Não eram os médiuns simples aparelhos dos defuntos comunicantes? Porque não viriam aqueles que pudessem atender aos nossos interesses materiais, imediatos? Não seria melhor estabelecer um processo mecânico e rápido para as comunicações? Porque a negação do invisível aos meus propósitos de demonstrar positivamente o valor da nova doutrina?

Debalde, Elisa me chamava para a esfera religiosa e edificante, onde poderia aliviar o espírito atormentado.

O Evangelho, todavia, é livro divino e, enquanto permanecemos na cegueira da vaidade e da ignorância, não nos expõe seus tesouros sagrados. Por isso mesmo, tachava-o de velharia. E, de desastre a desastre, antes que me firmasse na missão de ensinar, os amigos brilhantes do campo de cogitações inferiores da Terra arrastaram-me ao negativismo completo. Do nosso agrupamento cristão, onde poderia edificar construções eternas, transferi-me para o movimento, não da política que eleva, mas da politicalha inferior, que impede o progresso comum e estabelece a confusão nos Espíritos encarnados. Por aí, estacionei muito tempo, desviado dos meus objetivos fundamentais, porque a escravidão ao dinheiro me transformara os sentimentos.

E assim foi, até que acabei meus dias com uma bela situação financeira no mundo e… um corpo crivado de enfermidades; com um palácio confortável de pedra e um deserto no coração. A revivescência da minha inferioridade antiga religou-me a companheiros menos dignos no Plano dos encarnados e desencarnados, e o resto o meu amigo poderá avaliar: tormentos, remorsos, expiações…

Concluindo, asseverou:

— Mas, como não ser assim? Como aprender sem a escola, sem retomar o bem e corrigir o mal?

— Sim, Belarmino, — disse, abraçando-o, — você tem razão. Tenho a certeza de que não vim tão só ao Centro de Mensageiros, mas também ao centro de grandes lições.




[Os capítulos do n.° 5 ao 12, dizem respeito às observações e estudos efetuados por André Luiz em uma reunião no Centro de Mensageiros.]