As luzes da prece inundaram o vasto recinto. Palpitava em tudo, agora, uma claridade serena, doce, irradiante, muito diversa da luminosidade artificial. Os flocos radiosos que partiam de nós multiplicavam-se no ar, como se obedecessem a misterioso processo de segmentação, e caíam sempre sobre os corpos inanimados e enrijecidos, dando a impressão de lhes penetrarem as células mais íntimas.
Eu estava boquiaberto. Não me fora permitido contemplar fenômenos dessa natureza em “Nosso Lar”. Aliás, concluía, ainda não recebera auxílio magnético às percepções, senão poucas horas antes da viagem.
A claridade crescia e estendia-se em espetáculo prodigioso.
Agora, porém, abandonáramos a atitude de recolhimento destinada à concentração de nossas próprias forças e emissão de energias vibratórias. Nossos corpos, todavia, continuavam envolvidos em vasto círculo irradiante. Prosseguindo, porém, o grande silêncio, notei que a luz da oração se fazia mais clara, mais penetrante. Comecei a ver, como no caso de Ana, que todos aqueles esqueletos misérrimos apresentavam núcleos de sombra, além das máscaras mortuárias, núcleos que se mostravam dentro de formas variadíssimas.
As bolhas luminosas caíam incessantemente, mas agora, como se fossem dirigidas por uma vontade inteligente, concentravam-se quase todas sobre as frontes imóveis. Então, pude observar o inaudito e inconcebível para mim.
As múmias, porque não posso dar outro nome aos irmãos que dormem, começaram a dar sinais de vida. Alguns daqueles infelizes deixavam escapar gemidos angustiosos, outros falavam em voz alta, dando conta dos pesadelos que os atormentavam, como sonâmbulos prestes a despertar. Muitos moviam os pés e as mãos, como a se esforçarem por fugir ao sono doloroso.
Eminentemente surpreendido, reparei que dois se levantaram, distante de nós. Recordei que ambos faziam parte daqueles que haviam recebido toda espécie de assistência, inclusive o sopro curativo. Olharam-nos de longe, como loucos que acordassem de súbito, e dispararam a correr, espavoridos, não obstante a impressão de cadáveres ambulantes, que nos causavam.
Admirado, verifiquei que ninguém esboçou a menor disposição de segui-los. E quando me propunha, instintivamente, a faze-lo, Alfredo deteve-me, exclamando:
— Não se preocupe. Eles seriam amargamente surpreendidos, se fossem notificados agora de sua permanência longa entre verdadeiras múmias. Acreditam sonhar e é melhor assim. Não poderão fugir às nossas fortificações e voltarão a pedir socorro noutras dependências, a que serão recolhidos para adequado tratamento.
Continuamos silenciosos mais alguns minutos, e notei que as luzes se foram apagando gradativamente, ao passo que os cadáveres retomavam a imobilidade anterior.
Ismália declarou terminadas as nossas atividades da oração e o administrador, após o sinal luminoso, que notificava aos operários o término das obrigações, adiantou-se para nós, exclamando:
— Gratíssimo pelo concurso fraternal. Realizamos belo serviço intercessório. Desde alguns dias, ninguém se levantava.
Aniceto, percebendo-nos a perplexidade, falou a Vicente e a mim, de maneira significativa:
— Conforme viram, o trabalho da prece é mais importante do que se pode imaginar no Círculo dos encarnados. Não há prece sem resposta. E a oração, filha do amor, não é apenas súplica. É comunhão entre o Criador e a criatura, constituindo, assim, o mais poderoso influxo magnético que conhecemos. Acresce notar, porém, já que comentamos o assunto, que a rogativa maléfica conta, igualmente, com enorme potencial de influenciação. Toda vez que o Espírito se coloca nessa atitude mental, estabelece um laço de correspondência entre ele e o Além. Se a oração traduz atividade no bem divino, venha donde vier, encaminhar-se-á para o Além em sentido vertical, buscando as bênçãos da vida superior, cumprindo-nos advertir que os maus respondem aos maus nos Planos inferiores, entrelaçando-se mentalmente uns com os outros. É razoável, porém, destacar que toda prece impessoal dirigida às Forças Supremas do Bem, delas recebe resposta imediata, em nome de Deus. Sobre os que oram nessas tarefas benditas, fluem, das Esferas mais altas, os elementos-força que vitalizam nosso mundo interior, edificando-nos as esperanças divinas e se exteriorizam, em seguida, contagiados de nosso magnetismo pessoal, no intenso desejo de servir com o Senhor.
E, procurando materializar o pensamento, para facilitar-nos a compreensão, acentuou:
— Viram, vocês, cair sobre nós os elementos a que me refiro, e observaram a sua exteriorização com as luzes de cada um de nós, em benefício dos irmãos que dormem e sofrem. Concedeu-nos o Altíssimo a força de auxiliar, em porções iguais para todos, mas nós a espalhamos de acordo com a nossa possibilidade e coloração individuais. Ismália, cujos sentimentos são mais amplos e universalistas que os nossos, pôde receber com mais clareza o auxílio divino e distribuí-lo com mais abundância e eficiência. Temos, aqui, uma profunda lição. Como já disse, o Pai visita os filhos necessitados, através dos filhos que procuram compreende-Lo. Não poderíamos abusar do Senhor, como abusamos no Círculo terrestre dos nossos pais humanos. Não vive Ele ao sabor de nossos caprichos pessoais. Nunca poderia vir, em pessoa, enxugar o pranto do necessitado que chora, em consequência, aliás, do olvido das Divinas Leis. Compete ao necessitado caminhar ao reencontro d’Ele. O Senhor, todavia, atende sempre a todos os homens de boa vontade, por intermédio dos homens bons, que se edificam na casa divina. Todos os nossos desejos e impulsos razoáveis são atendidos pelas bênçãos paternais do Eterno. Ainda que nos demoremos nas lágrimas e nas aflições, jamais permanecemos ao desamparo. Apenas devemos salientar que as respostas de Deus vão sendo maiores e mais diretas, à medida que se intensifique o nosso merecimento, competindo-nos reconhecer que, para semelhantes respostas, são utilizados todos quantos trazem consigo a luz da bondade, ou já possuem mérito e confiança para auxiliar em nome de Deus.
As explicações de Aniceto abriam-me novos campos de meditação. O esclarecido instrutor, contudo, não dera por finda a lição e, depois de longa pausa, concluiu:
— Já que vocês se encontram comigo num curso de serviço auxiliador, espero aproveitem o máximo ensinamento desta hora. Reparem que, nestes pavilhões, temos mil e novecentos e oitenta abrigados que dormem. Todos recebem diariamente alimento e medicação comuns, mas só quatrocentos são atendidos com alimento e medicação especializados, por se mostrarem mais suscetíveis de justa melhora. Desses quatrocentos, apenas dois terços se revelaram aptos à recepção de passes magnéticos. Muitos não podem receber, por enquanto, a água efluviada. Poucos foram contemplados com o sopro curativo e somente dois se levantaram, ainda assim, profundamente perturbados. Já que iniciam um trabalho de cooperação fraternal, não esqueçam esta lição. Façamos todos o bem, sem qualquer ansiedade. Semeemo-lo sempre e em toda a parte, mas não estacionemos na exigência de resultados. O lavrador pode espalhar as sementes à vontade e onde quer que esteja, mas precisa reconhecer que a germinação, o crescimento e o resultado pertencem a Deus.