Os mensageiros

Capítulo LI

Nas despedidas



Depois de outras atividades espirituais numerosas, findou a semana de serviço a que Aniceto nos admitira em sua companhia.

Seguíramos o nobre instrutor, através de tarefas variadas e complexas. Sediados no templo acolhedor de Isabel, atendêramos a considerável número de doentes, bem como a irmãos outros perturbados, abatidos, transviados e moribundos. Nosso orientador tinha, para todos os casos, maravilhosos recursos de improvisação, sempre atencioso e otimista.

Aqueles poucos dias de trabalho novo encheram-me o cérebro de raciocínios novos e o coração de sentimentos que até então desconhecera.

Ao contato das revelações de Aniceto, nos domínios da eletricidade e do magnetismo, reformara todos os meus antigos conhecimentos de medicina. A ascendência mental no equilíbrio orgânico, as forças radioativas, o campo das bactérias, a visão mais ampla da matéria organizada, compeliam-me a nova conceituação científica na arte de curar os corpos enfermos.

Alargara-se, sobretudo, em minhalma, o entendimento acerca do Médico Divino que restabelece a saúde do Espírito imortal. A claridade extensa, que me felicitava agora o espírito, fornecia mais largo conhecimento de Jesus. Compreendi, então, que a fé não constitui uma afirmativa de lábios, nem uma adesão de ordem estatística. Procurá-la-ia, em vão, na esfera sectária, nas disputas vulgares, nos cultos exteriores alteráveis todos os dias. Era, sim, uma fonte d’água viva, nascendo espontaneamente em minha alma. Traduzia-se em reverência profunda, aliada ao mais alto conceito de serviço e responsabilidade, diante das sublimes concessões do Eterno Pai. Encontrara um tesouro inacessível à destruição e um bem intransferível, por nascido e consolidado em mim mesmo.

Quando o instrutor nos convidou a regressar, sentia-me positivamente outro. Guardava a impressão de haver encontrado as notícias diretas do Senhor Jesus, na descoberta do meu próprio mundo interior.

Como poderia pagar ao prestimoso Aniceto semelhante capitalização de bens imortais?

Havia terminado o serviço de orações, na última reunião semanal da residência de Isidoro e Isabel.

Os trabalhos, sempre ativos, haviam representado esfera de observações e experiências sempre novas.

Grande número de amigos de Aniceto acercaram-se do instrutor, ansiosos por partilharem a luz da conversação de despedidas.

O devotado orientador oferecia a todos a sua palavra de bom ânimo, otimismo, alegria e confiança no Senhor, como um príncipe de legenda, cuja boca fosse fonte inesgotável de ouro espiritual.

Vicente e eu tínhamos os olhos úmidos, desejosos de externar-lhe verbalmente nosso reconhecimento pelas bênçãos recolhidas; mas, ao nos aproximarmos, o abnegado orientador sorriu e antecipou:

— Agradeçam a Jesus pelo muito que nos tem dado.


E tomando a Bíblia, como interessado em fixar o assunto geral no amor às coisas santificadas, leu em voz alta, no capítulo segundo dos Provérbios de Salomão: (Pv 2:1)

— “Filho meu, se aceitares as minhas palavras e guardares contigo os meus mandamentos, para fazeres atento à sabedoria o teu ouvido e para inclinares o teu coração ao entendimento; e se clamares por entendimento, e por inteligência alçares a tua voz, se como a prata a buscares e como a tesouros ocultos a procurares, então entenderás o temor do Senhor, e acharás o conhecimento de Deus.”

Deixou em seguida o livro sagrado sobre a mesa, e sentenciou:

— Lembremo-nos do Senhor em nossas despedidas. Ratifiquemos, irmãos, nossos compromissos de trabalho e testemunho. Em tão pequeno trecho dos Provérbios encontramos muitos verbos que interessam os espíritos cristãos. Aceitar os mandamentos divinos e guardá-los, tornar o ouvido atento e o coração esclarecido, pedir entendimento e inteligência alçando a voz acima dos objetivos inferiores, buscar os tesouros do Cristo e procurar-lhe o programa de serviços, representa o esforço nobre daquele que, de fato, deseja a Divina Sabedoria. Não esqueçamos esses deveres.

Como a pausa se fizesse mais longa, um irmão rogou ao querido amigo prosseguisse na interpretação do texto, mas Aniceto replicou em tom fraternal:

— Por agora, meu irmão, não é mais possível. Outras obrigações nos chamam de longe.


E, dirigindo-se particularmente a Vicente e a mim, acentuou:

— Já que voltaremos pela estrada comum, poderemos esperar por nossa amiga Isabel, para apresentar-lhe nossos agradecimentos e despedidas.

Daí a momentos, a nobre companheira de Isidoro, abandonando o corpo ao repouso do sono, veio até nós, junto do esposo espiritual, atendendo ao convite mental do nosso dedicado orientador. Aniceto exprimiu-lhe profundo reconhecimento, falou-lhe da nossa alegria, das oportunidades santas do serviço que a bondade divina nos havia proporcionado.

Dona 1sabel agradeceu, comovidamente, deixando transparecer as lágrimas da gratidão que lhe dominava o espírito.

— Nobre Aniceto, — disse enxugando os olhos, — se for possível, voltai sempre ao nosso modesto lar. Ensinai-me a paciência e a coragem, generoso amigo! Quando puderdes, não me deixeis transviar nos deveres de mãe, tão difíceis de cumprir na carne, onde os interesses menos dignos se entrechocam com violência. Amparai-me as obrigações de serva do Evangelho de nosso Senhor! Por vezes, profundas saudades da família espiritual me dilaceram o coração… desejaria arrebatar meus filhos à Esfera superior, incliná-los ao bem, para que a nossa união divina não tarde nos Planos mais altos da vida. E essas saudades de “Nosso Lar” me pungem a alma, ameaçando, por vezes, minha tarefa humilde na Terra. Nobre Aniceto, não vos esqueçais desta amiga pobre e imperfeita. Sei que Isidoro me segue passo a passo, mas ele e eu precisamos de amigos fortes na fé, como vós, que nos reavivem o bom ânimo na jornada dos deveres cristãos!…

A irmã Isabel não pôde continuar, porque o pranto lhe embargara a voz. Aniceto, de olhos brilhantes e serenos, enlaçou-a como pai e falou, brandamente:

— Isabel, segue em teus testemunhos e não temas. Estaremos contigo, agora e sempre. Muitas criaturas admiráveis tiveram a tarefa, mas não esqueçamos, filha, que Jesus teve a tarefa e o sacrifício no mundo. Não nos faltará no caminho redentor o terno cuidado do Guia Vigilante. Tem bom ânimo e caminha!


Em seguida, olhando-nos a todos, de frente, o nobre amigo exclamou:

— Agora, irmãos, auxiliem-me a orar!

E conservando Isabel e Isidoro, unidos ao seu coração, Aniceto fixou os olhos no alto e falou com sublime beleza:

“Senhor, ensina-nos a receber as bênçãos do serviço! Ainda não sabemos, Amado Jesus, compreender a extensão do trabalho que nos confiaste! Permite, Senhor, possamos formar em nossa alma a convicção de que a Obra do Mundo te pertence, a fim de que a vaidade não se insinue em nossos corações com as aparências do bem!

Dá-nos, Mestre, o espírito de consagração aos nossos deveres e desapego aos resultados que pertencem ao teu amor!

Ensina-nos a agir sem as algemas das paixões, para que reconheçamos os teus santos objetivos!

Senhor Amorável, ajuda-nos a ser teus leais servidores,

Mestre Amoroso, concede-nos, ainda, as tuas lições,

Juiz Reto, conduze-nos aos caminhos direitos,

Médico Sublime, restaura-nos a saúde,

Pastor Compassivo, guia-nos à frente das águas vivas,

Engenheiro Sábio, dá-nos teu roteiro,

Administrador Generoso, inspira-nos a tarefa,

Semeador do Bem, ensina-nos a cultivar o campo de nossas almas,

Carpinteiro Divino, auxilia-nos a construir nossa casa eterna,

Oleiro Cuidadoso, corrige-nos o vaso do coração,

Amigo Desvelado, sê indulgente, ainda, para com as nossas fraquezas,

Príncipe da Paz, compadece-te de nosso espírito frágil, abre nossos olhos e mostra-nos a estrada de teu Reino!”

Aniceto calou-se comovido, e, de olhos úmidos, contendo a custo as lágrimas do meu reconhecimento, incorporei-me à nobre caravana que seguiria conosco de regresso a “Nosso Lar”.