Os mensageiros

Capítulo XX

Defesa contra o mal



Descemos as escadarias e, em frente dos muros altos, pude observar a extensão das defesas do soberbo edifício. Aquela construção grandiosa era muito mais importante que a de qualquer castelo antigo, transformado em fortaleza.

Novamente no exterior, podia detalhar a visão panorâmica com mais exatidão. Reconhecia, agora, que entráramos por um baluarte avançado, identificando a imponência da construção majestosa. Apresentavam-se-me as linhas gerais com nitidez.

Impressionavam-me, sobretudo, as fortificações. Via a torre de mensagem, consagrada, por certo, ao serviço de resistência; o baluarte agudo, elevando-se acima dos fossos que deixavam transbordar a água corrente; a torre de vigia, esbelta e alterosa. Observei o caminho da ronda, a cisterna, as seteiras e, em seguida, as paliçadas e barbacãs, refletindo na complexidade de todo aquele aparelhamento defensivo. E as armas? Identificava-lhes a presença na maquinaria instalada ao longo dos muros, copiando os pequenos canhões conhecidos na Terra. Entretanto, vi com emoção, no cume da torre de vigia, a enorme bandeira de paz, muito alva, tremulando ao vento como largo penacho de neve…


O administrador percebeu a estranheza que se apossara de Vicente e de mim.

— Já sei a impressão que a nossa defesa lhes causa, — disse Alfredo, detendo-se para explicar.

Fixando-nos com o olhar muito lúcido, continuou:

— Naturalmente, não imaginavam necessárias tantas fortificações. Conforme veem, nossa bandeira é de concórdia e harmonia; no entanto, é imprescindível considerar que estamos em serviço que precisaremos defender, em qualquer circunstância. Enquanto não imperar a lei universal do amor, é indispensável persevere o reinado da justiça. Nosso Posto está colocado, aqui, igualmente, como “ovelha em meio de lobos”, e, embora não nos caiba efetuar o extermínio das feras, necessitamos defender a obra do bem contra os assaltos indébitos. As organizações dos nossos irmãos consagrados ao mal são vastíssimas. Não admitam a hipótese de serem, todos eles, ignorantes ou inconscientes. A maioria se constitui de perversos e criminosos. São entidades verdadeiramente diabólicas. Não tenham disso qualquer dúvida.

— Deus meu! — Exclamou Vicente, admirado, — mas porque se organizam deliberadamente para o mal? Não sabem, porventura, que todos os patrimônios universais pertencem à Majestade Divina? Não reconhecem o Soberano Poder?

— Ah! Meu amigo, — falou Alfredo em tom grave, — fiz as mesmas perguntas quando aqui cheguei pela primeira vez. As respostas que tive foram incisivas e concludentes. Poderíamos 5icente, formular na Crosta as mesmas interrogações. Os criminosos que fazem as vítimas da guerra, os exploradores da economia popular, os avarentos misérrimos, os sedentos de injustificado predomínio e os vaidosos cheios de fatuidade sabem, tão bem quanto os nossos adversários daqui, que tudo pertence a Deus, que o homem é simples usufrutuário dos divinos bens. Não ignoram que os antepassados foram chamados à verdade e a contas pela morte, e que eles seguirão os mesmos caminhos; entretanto, atormentam-se na Crosta como verdadeiros loucos, amontoando possibilidades para a ruína e abusando das oportunidades mais santas. Aqui se verifica a mesma coisa. Querem dominar antes de se dominarem, exigem antes de dar e entram em perene conflito com o espírito divino da lei. Estabelecido o duelo entre a fantasia deles e a verdade do Pai, resistem às corrigendas do Senhor e transformam-se, esses desventurados, em verdadeiros gênios da sombra, até que, um dia, se decidam a novos rumos.

Intrigado com as profundas observações, perguntei:

— Mas, como explicar as bases de semelhante atitude? Na Terra, compreendemos certos enganos, mas aqui…

O generoso interlocutor não me deixou terminar e prosseguiu:

— Na Crosta, nossos irmãos menos felizes lutam pela dominação econômica, pelas paixões desordenadas, pela hegemonia de falsos princípios. Nestas zonas imediatas à mente terrestre, temos tudo isso em identidade de condições. Entre as entidades perversas e ignorantes, há cooperativas para o mal, sistemas econômicos de natureza feudalista, baixa exploração de certas forças da Natureza, vaidades tirânicas, difusão de mentiras, escravização dos que se enfraquecem pela invigilância, doloroso cativeiro dos Espíritos falidos e imprevidentes, paixões talvez mais desordenadas que as da Terra, inquietações sentimentais, terríveis desequilíbrios da mente, angustiosos desvios do sentimento. Em todo o lugar, meu amigo, as quedas espirituais, perante o Senhor, são sempre as mesmas, embora variem de intensidade e coloração.


— Mas… e as armas? — Perguntei, — acaso são utilizadas?

— Como não? — Disse Alfredo, pressuroso, — não temos balas de aço, mas temos projéteis elétricos. Naturalmente, a ninguém atacaremos. Nossa tarefa é de socorro e não de extermínio.

— No entanto, — aduzi, sob forte impressão, — qual o efeito desses projéteis?

— Assustam terrivelmente, — respondeu ele, sorrindo, — e, sobretudo, demonstram as possibilidades de uma defesa que ultrapassa a ofensiva.

— Mas apenas assustam? — Tornei a interrogar.

Alfredo sorriu mais significativamente e acrescentou:

— Poderiam causar a impressão de morte.

— Que diz! — Exclamei com insofreável espanto.

O administrador meditou alguns instantes, e, ponderando, talvez, a gravidade dos esclarecimentos, obtemperou:

— Meu amigo! Meu amigo! Se já não estamos na carne, busquemos desencarnar também os nossos pensamentos. As criaturas que se agarram, aqui, às impressões físicas, estão sempre criando densidade para os seus veículos de manifestação, da mesma forma que os Espíritos dedicados à região superior estão sempre purificando e elevando esses mesmos veículos. Nossos projéteis, portanto, expulsam os inimigos do bem através de vibrações do medo, mas poderiam causar a ilusão da morte, atuando sobre o corpo denso dos nossos semelhantes menos adiantados no caminho da vida. A morte física, na Terra, não é igualmente pura impressão? Ninguém desaparece. O fenômeno é apenas de invisibilidade ou, por vezes, de ausência. Quanto à responsabilidade dos que matam, isto é outra coisa. E além desta observação, que é da alçada da Justiça Divina, temos a considerar, igualmente, que, nesta Esfera, o corpo denso modificado pode ressurgir todos os dias, pela matéria mental destinada à produção dele, enquanto que, para obter o corpo físico, almas há que trabalham, por vezes, durante séculos…

Vicente e eu caláramos, estupefatos.


Alfredo sorriu serenamente e perguntou, bem humorado:

— Vocês conhecem a lenda hindu da serpente e do santo?

Ante a nossa expressão negativa, o administrador continuou:

— Contam as tradições populares da Índia que existia uma serpente venenosa em certo campo. Ninguém se aventurava a passar por lá, receando-lhe o assalto. Mas um santo homem, a serviço de Deus, buscou a região, mais confiado no Senhor que em si mesmo. A serpente o atacou, desrespeitosa. Ele dominou-a, porém, com o olhar sereno, e falou: — Minha irmã, é da lei que não façamos mal a ninguém. A víbora recolheu-se, envergonhada. Continuou o sábio o seu caminho e a serpente modificou-se completamente. Procurou os lugares habitados pelo homem, como desejosa de reparar os antigos crimes. Mostrou-se integralmente pacífica, mas, desde então, começaram a abusar dela. Quando lhe identificaram a submissão absoluta, homens, mulheres e crianças davam-lhe pedradas. A infeliz recolheu-se à toca, desalentada. Vivia aflita, medrosa, desanimada. Eis, porém, que o santo voltou pelo mesmo caminho e deliberou visitá-la. Espantou-se, observando tamanha ruína. A serpente contou-lhe, então, a história amargurada. Desejava ser boa, afável e carinhosa, mas as criaturas perseguiam-na e apedrejavam-na. O sábio pensou, pensou e respondeu após ouvi-la: — Mas, minha irmã, houve engano de tua parte. Aconselhei-te a não morderes ninguém, a não praticares o assassínio e a perseguição, mas não te disse que evitasses de assustar os maus. Não ataques as criaturas de Deus, nossas irmãs no mesmo caminho da vida, mas defende a tua cooperação na obra do Senhor. Não mordas, nem firas, mas é preciso manter o perverso a distância, mostrando-lhe os teus dentes e emitindo os teus silvos.

Nesse momento, Aniceto sorriu de maneira expressiva.

O administrador fez longa pausa e concluiu:

— Creio que a fábula dispensa comentário.