Benvenuto Cellini
1. ─ (Evocação).
─ Interrogai. Estou pronto. Podeis demorar-vos como quiserdes, pois tenho tempo para vos dar.
2. ─ Lembrai-vos da existência que passastes na Terra, no século XVI, entre 1500 e 1570?
─ Sim, sim.
3. ─ Atualmente, qual a vossa situação como Espírito?
─ Vivi em vários outros mundos e estou muito satisfeito com a posição que hoje ocupo. Não é um cimo, mas estou progredindo.
4. ─ Tivestes outras existências corporais na Terra, depois daquela que conhecemos?
─ Corporais, sim. Na Terra, não.
5. ─ Quanto tempo ficastes errante?
─ Não posso calcular. Alguns anos.
6. ─ Quais as vossas ocupações nesse estado errante?
─ Trabalhava pelo meu aperfeiçoamento.
7. ─ Voltais eventualmente à Terra?
─ Poucas vezes.
8─ Assististes ao drama em que sois representado? Que pensais dele?
─ Fui vê-lo várias vezes. Fiquei satisfeito como Cellini, mas pouco como Espírito que havia progredido.
9. ─ Antes da existência pela qual vos conhecemos, tivestes outras na Terra?
─ Não, nenhuma.
10. ─ Poderíeis dizer o que éreis em vossa precedente existência?
─ Minhas ocupações eram muito diferentes da que tive na Terra.
11. ─ Que mundo habitais?
─ Não o conheceis e não o vedes.
12. ─ Poderíeis dar-nos a sua descrição do ponto de vista físico e do moral?
─
Sim, facilmente. Do ponto de vista físico, meus caros amigos,
satisfez-me a sua beleza plástica. Ali nada choca a vista; todas as
linhas se harmonizam perfeitamente; a mímica é meio de expressão
permanente; os perfumes nos rodeiam e não temos nada a desejar para o
nosso bem-estar físico, porque as necessidades pouco numerosas a que
estamos sujeitos logo são satisfeitas.
Do ponto de vista moral, a
perfeição é menor, pois ali ainda podem ver-se consciências perturbadas e
Espíritos dedicados ao mal. Não é a perfeição, longe disso, mas, como
já disse, é o seu caminho, e todos esperamos um dia alcançá-la.
13. ─ Quais as vossas ocupações no mundo que habitais?
─ Trabalhamos as artes. Sou artista.
14.
─ Em vossas memórias contais uma cena de feitiçaria e de
endemoninhamento que se teria passado no Coliseu, em Roma, e na qual
teríeis tomado parte, recordai-vos?
─ Sem muita clareza.
15. ─ Se a lêssemos, a leitura avivaria a vossa lembrança?
─ Sim. Dar-me-ia a noção.
Fez-se então a leitura do seguinte trecho de suas memórias:
“Em
meio a essa vida estranha, eu me liguei a um sacerdote siciliano, de
espírito muito fino e profundamente versado nas letras gregas e latinas.
Um dia nossa conversa caiu sobre necromancia e eu lhe disse que durante
toda a minha vida tinha desejado ardentemente ver e aprender algo dessa
arte. Para abordar semelhante empresa é necessário ter una alma firme e
intrépida, respondeu o sacerdote.
“Uma noite, entretanto, o padre
fez os seus preparativos e me disse que procurasse um ou dois
companheiros. Convidou um homem de Pistoia, que também se ocupava de
necromancia e dirigimo-nos ao Coliseu. Aí o padre vestiu-se à maneira
dos necromantes, depois começou a riscar círculos no chão, acompanhando
isto com as mais belas cerimônias que se possam imaginar.
Havia
trazido perfumes preciosos, drogas fétidas e fogo. Quando tudo estavaem
ordem ele fez uma abertura no círculo e ali nos introduziu, um a um,
levando-nos pela mão. Depois distribuiu os papéis. Pôs o talismã nas
mãos de seu amigo necromante; encarregou os outros da vigilância do fogo
e dos perfumes, depois do que começou as conjurações. Essa cerimônia
durou mais de hora e meia. O Coliseu encheu-se de legiões de Espíritos
infernais. Quando o padre viu que eram bastante numerosos, voltou-se
para mim, que cuidava dos perfumes, e disse:
“─ Benvenuto, pede-lhes alguma coisa.
“Respondi que desejava que eles me reunissem à minha siciliana Angélica.
“Não obstante nenhuma resposta tivéssemos naquela noite, fiquei encantado com o que tinha visto.
“O
necromante me disse que era necessário voltar uma segunda vez e que eu
obteria tudo quanto quisesse, desde que trouxesse um rapazinho ainda
virgem.
“Escolhi um dos meus aprendizes e trouxe mais dois amigos meus.
“Ele
pôs-me nas mãos o talismã, mandando que o voltasse para a direção que
me fosse indicada. Meu aprendiz ficou colocado debaixo do talismã. O
necromante começou suas terríveis evocações. Chamou pelo nome uma porção
de chefes de legiões infernais e lhes deu ordens em hebraico, em grego e
em latim, em nome do Deus incriado, vivo e eterno. Em breve o Coliseu
encheu-se de uma quantidade de demônios cem vezes maior que da primeira
vez. A conselho do necromante, pedi novamente para me encontrar com
Angélica. Ele voltou-se para mim e me disse:
“Não os ouviste anunciar
que em um mês estarias com ela?” E pediu-me que tivesse firmeza, porque
havia ainda mil legiões que não tinham sido chamadas, acrescentando que
essas eram mais perigosas e que, de vez que haviam respondido ao meu
pedido, era necessário tratá-las com brandura e despedi-las
tranquilamente.
Por outro lado o menino exclamava com espanto que
percebia milhares de homens terríveis que nos ameaçavam, e quatro
enormes gigantes, armados dos pés à cabeça, que pareciam querer penetrar
em nosso círculo. Entrementes, a tremer de medo, o necromante tentava
conjurá-los, ensaiando a mais doce entonação de voz. O menino mergulhava
a cabeça entre os joelhos e gritava:
─ “Eu quero morrer assim! Estamos mortos!
“Então eu lhe disse:
“─ Estas criaturas estão todas abaixo de nós. Aquilo que vês não passa de fumaça e sombra. Levanta, pois, os teus olhos.”
“Apenas me havia obedecido, exclamou:
“─ Todo o Coliseu está em chamas e o fogo vem sobre nós.”
“O necromante mandou que fosse queimada assa-fétida. Agnolo, encarregado dos perfumes, estava semimorto de pavor.
“O
ruído e o mau cheiro fizeram o menino levantar a cabeça. Ouvindo o meu
riso, animou-se um pouco e disse que os demônios começavam a retirada.
Ficamos assim até o momento em que soaram as matinas. Disse-nos o menino
que apenas avistava alguns demônios a grande distância. Por fim, quando
o necromante concluiu o cerimonial e tirou os paramentos, saímos do
círculo.
“Enquanto voltávamos para casa, pela Via dei Banchi, ele
garantia que dois demônios faziam piruetas à nossa frente, ora correndo
sobre os telhados, ora pelo chão.
“O necromante jurava que desde que havia posto o pé num círculo mágico, jamais
lhe havia acontecido algo tão extraordinário. Depois tentou
convencer-me a me dedicar com ele a um livro que nos deveria
proporcionar riquezas incalculáveis e nos dar os meios de obrigar os
demônios a indicar-nos os lugares onde estão ocultos os tesouros que a
terra guarda em seu seio...
“Depois de diferentes relatos mais ou
menos ligados ao que precede, conta Benvenuto como, ao cabo de trinta
dias, ou seja, no prazo fixado pelos demônios, ele encontrou sua
Angélica.”
16. ─ Poderíeis dizer-nos o que existe de verídico nesta cena?
─ O necromante era um charlatão; eu era um romancista e Angélica era a minha amante.
17. ─ Revistes o vosso protetor Francisco I?
─ Certamente. Ele reviu muitos outros que não foram seus protegidos.
18. ─ Como o julgáveis em vida e como o julgais agora?
─ Direi como o julgava: como um príncipe e, como tal, enceguecido por sua educação e pelos que o cercavam.
19. ─ E agora, que dizeis dele?
─ Ele progrediu.
20. ─ Ele protegia os artistas por um sincero amor às artes?
─ Sim, mas também por prazer e por vaidade.
21. ─ Onde se acha ele atualmente?
─ Está vivo.
22. ─ Na Terra?
─ Não.
23. ─ Se o evocássemos agora, ele poderia vir e conversar conosco?
─
Sim. Mas não forceis os Espíritos dessa maneira. Vossas evocações devem
ser preparadas com muita antecedência, e então, pouco tereis a
perguntar ao Espírito.
Desse modo vos arriscareis muito menos a serdes enganados, pois às vezes isso se dá. (São Luís).
24. ─ (A São Luís): Poderíeis fazer com que dois Espíritos viessem conversar um com o outro?
─ Sim.
─ Nesse caso seria útil ter dois médiuns?
─ Sim, é necessário.
NOTA: O diálogo em questão ocorreu em outra sessão. Publicá-lo-emos no próximo número.
25. (A Cellini): ─ Qual a origem da vossa vocação para a arte? Seria devido a um especial desenvolvimento anterior?
─
Sim. Durante muito tempo fui atraído pela poesia e pela beleza da
linguagem. Na Terra prendi-me à beleza como reprodução. Hoje me ocupo da
beleza como invenção.
26. ─ Tínheis também habilidade militar, pois o
Papa Clemente VII vos confiou a defesa do Castelo de Santo Ângelo.
Entretanto, o vosso talento de artista não vos devia dar muita aptidão
para a guerra.
─ Tinha talento e sabia aplicá-lo. Em tudo é necessário discernimento, sobretudo na arte militar de então.
27. ─ Poderíeis dar alguns conselhos aos artistas que buscam seguir as vossas pegadas?
─
Sim. Dir-lhes-ei apenas que mais do que fazem e mais do que fiz,
busquem a pureza e a verdadeira beleza. Eles me compreenderão.
28. ─ A
beleza não é relativa e convencional? O europeu julga-se mais belo que o
negro, e o negro mais belo que o branco. Se há uma beleza absoluta,
qual o padrão? Podeis dar a vossa opinião a respeito?
─ Com prazer.
Não quis aludir a uma beleza convencional. Pelo contrário, a beleza está
em toda parte, como um reflexo do Espírito sobre o corpo e não apenas
como forma corpórea. Como dissestes, um negro pode ser belo, de uma
beleza apreciada apenas por seus semelhantes, é verdade. Do mesmo modo
vossa beleza terrena é deformidade para o Céu, assim como para vós,
brancos, o belo negro quase que se vos afigura disforme. Para o artista,
o belo é a vida, o sentimento que sabe dar à obra. Com isso dará beleza
às coisas mais vulgares.
29. ─ Poderíeis guiar um médium na execução de modelagens, assim como Bernard de Palissy em relação aos desenhos?
─ Sim.
30. ─ Poderíeis levar o médium de quem vos servis no momento a produzir alguma coisa?
─ Como os outros, mas preferiria um artista, que conhecesse os truques da arte.
OBSERVAÇÃO:
Prova a experiência que a aptidão de um médium para tal ou qual gênero
de produção depende da flexibilidade que apresenta ao Espírito,
abstração feita do seu talento. O conhecimento do ofício e os meios
materiais de execução não constituem o talento, mas é compreensível que,
dirigindo o médium, nele encontre o Espírito menos dificuldade mecânica
a vencer. Entretanto, veem-se médiuns que fazem coisas admiráveis,
embora lhes faltem as primeiras noções, como no caso dos desenhos, da
poesia, das gravuras, da música, etc., mas então é que existe neles uma
aptidão inata, sem dúvida devida a um desenvolvimento anterior, do qual
apenas conservaram a intuição.
31. ─ Poderíeis dirigir a senhora G. S., aqui presente, que é artista, mas que jamais conseguiu produzir algo como médium?
─ Se ela tiver vontade, experimentarei.
32. (A Sra. G. S.): ─ Quando queres começar?
─ Quando quiseres, a partir de amanhã.
33. ─ Como, porém, saberei que a inspiração virá de ti?
─ A convicção vem com as provas. Deixai que venha lentamente.
34. ─ Por que não tive êxito até este momento?
─ Pouca persistência e falta de boa vontade por parte do Espírito a quem solicitas.
35. ─ Agradeço-te pela assistência que me prometes.
─ Adeus. Até a vista, companheira de trabalho.
NOTA: A Sra. G. S. pôs-se à obra, mas ainda ignoramos quais os resultados.
Girard de Codember
Ex-aluno da Escola Politécnica, membro de várias associações
científicas, autor de um livro intitulado: Le Monde spirituel, ou
science chrétienne de communiquer intimement avec les puissances
célestes et les âmes heureuses. Falecido em novembro de 1858, foi
evocado na Sociedade a 14 de janeiro seguinte.
1. ─ (Evocação).
─ Aqui me acho. Que querem?
2. ─ Atendeis ao nosso chamado de boa vontade?
─ Sim.
3. ─ Quereis dizer-nos o que pensais atualmente do livro que publicastes?
─ Cometi alguns erros, mas ali há coisas aproveitáveis. Creio que, sem autoelogio, vós mesmos concordareis com o que disse.
4. ─ Dizeis principalmente que tivestes comunicações com a mãe do Cristo. Vedes agora se era realmente ela?
─ Não. Não era ela, mas um Espírito que lhe tomava o nome.
5. ─ Com que fim esse Espírito lhe tomava o nome?
─
Ele me via seguir por um caminho errado e aproveitava para me empurrar
ainda mais. Era um Espírito perturbador, um ser leviano, mais inclinado
ao mal do que ao bem. Sentia-se feliz por ver a minha falsa alegria. Eu
era o seu joguete, como muitas vezes vós homens o sois dos próprios
semelhantes.
6. ─ Como é que vós, dotado de uma inteligência superior, não percebestes o ridículo de certas comunicações?
─ Eu estava fascinado e tomava por bom tudo quanto me diziam
7.
─ Não julgais que essa obra possa fazer mal, no sentido de prestar-se
ao ridículo, relativamente às comunicações de além-túmulo?
─ Nesse
sentido, sim. Mas eu disse também que havia coisas aproveitáveis, como
também verdadeiras e que, sob um outro ponto de vista, impressionam as
massas. Naquilo que nos parece mau, por vezes encontramos uma boa
semente.
8. ─ Sois agora mais feliz do que quando vivo?
─ Sim. Mas
tenho muita necessidade de esclarecer-me, pois ainda me acho nas brumas
que se seguem à morte. Estou como o aluno que começa a soletrar.
9. ─ Quando vivo conhecestes O Livro dos Espíritos?
─
Nunca lhe havia prestado atenção. Tinha ideias preconcebidas. Nisto eu
pecava, pois nunca é demais aprofundar-se e estudar todas as coisas. Mas
o orgulho está sempre presente, criando-nos ilusões. Isto é próprio dos
ignorantes em geral, que não estudam senão aquilo que preferem e não
ouvem senão aqueles que os elogiam.
10. ─ Mas não éreis um ignorante. Vossos títulos bem o provam.
─
Que é o sábio da Terra ante a Ciência do céu? Aliás, sempre há a
influência de certos Espíritos, interessados em afastar-nos da luz.
OBSERVAÇÃO:
Isto corrobora o que já foi dito, que certos Espíritos inspiram o
afastamento das pessoas que poderiam dar conselhos úteis e frustrar os
seus planos. Essa influência jamais seria a de um bom Espírito.
11. ─ E agora, que pensais desse livro?
─ Eu não poderia dizê-lo sem elogios, e nós não elogiamos. Deveis compreender-me.
12. ─ Modificou-se a vossa opinião relativamente às penas futuras?
─ Sim. Eu acreditava nas penas materiais. Agora creio nas penas morais.
13. ─ Podemos fazer algo que vos seja agradável?
─ Sempre. Que cada um faça, à noite, uma prece em minha intenção. Serei reconhecido. Principalmente não me esqueçais.
OBSERVAÇÃO:
O livro do Sr. de Codemberg causou alguma sensação e, digamos mesmo,
uma penosa sensação entre os esclarecidos partidários do Espiritismo, em
consequência da extravagância de certas comunicações que se prestam ao
ridículo. Sua intenção era louvável, pois era um homem sincero, mas é um
exemplo do domínio que certos Espíritos podem exercer, adulando e
exagerando ideias e preconceitos daqueles que não ponderam com muita
severidade os prós e os contras das comunicações espíritas. Ele nos
mostra principalmente o perigo de divulgá-los muito levianamente para o
público, porque podem tornar-se motivo de repulsa, fortalecendo certas
pessoas na incredulidade e, assim, fazendo maior mal do que bem, porque
dão armas aos inimigos da causa. Nunca seríamos demasiadamente
cautelosos a este respeito.
Poitevin, o aeronauta
1. ─ (Evocação).
─ Eis-me aqui. Falai.
2. ─ Tendes saudades da vida terrena?
─ Não.
3. ─ Sois mais feliz agora do que quando vivo?
─ Muito.
4. ─ Qual o motivo que vos levou a experiências aeronáuticas?
─ A necessidade.
5. ─ Tínheis ideia de servir à Ciência?
─ De modo algum.
6. ─ Vedes agora a ciência aeronáutica de um ponto de vista diverso do que tínheis quando vivo?
─
Não. Eu a via como a vejo agora, pois a via bem. Via muitos
aperfeiçoamentos a introduzir, mas não podia fazê-los por falta de
conhecimento. Mas esperai. Virão homens que hão de dar-lhe a importância
que ela merece e que merecerá um dia.
7. ─ Credes que a aeronáutica venha a tornar-se um dia de utilidade pública?
─ Sim, certamente.
8. ─ A grande preocupação dos que se dedicam a essa ciência é a busca da dirigibilidade dos balões. Pensais que o conseguirão?
─ Sim, com certeza.
9. ─ Na vossa opinião, qual a maior dificuldade para a dirigibilidade dos balões?
─ O vento e as tempestades.
10. ─ Então não é a dificuldade de encontrar um ponto de apoio?
─ Se dirigíssemos os ventos, dirigiríamos os balões.
11. ─ Poderíeis assinalar o ponto para o qual deveriam ser dirigidas as pesquisas a esse respeito?
─ Deixemos como está.
12. ─ Estudastes em vida os vários sistemas propostos?
─ Não.
13. ─ Poderíeis dar conselhos aos que se ocupam de tais pesquisas?
─ Pensais que os vossos conselhos seriam seguidos?
14. ─ Não seriam os nossos, mas os vossos.
─ Quereis um tratado? Eu mandarei fazê-lo.
15. ─ Por quem?
─ Pelos amigos que me guiaram.
16.
─ Aqui estão dois inventores distintos em matéria de aerostação, os
senhores Sanson e Ducroz, que tiveram menções científicas muito
honrosas. Tendes ideia de seus sistemas?
─ Não. Muito há que dizer. Eu não os conheço.
17.
─ Admitindo estar resolvido o problema da dirigibilidade, credes na
possibilidade de uma navegação aérea em grande escala como sobre o mar?
─ Não, nunca como pelo telégrafo.
18.
─ Não falo da rapidez das comunicações, que jamais podem ser comparadas
à do telégrafo, mas do transporte de um grande número de pessoas e de
objetos materiais. Que resultado podemos esperar neste sentido?
─ Pouca presteza.
19. ─ Quando em perigo iminente, pensastes no que seríeis depois da morte?
─ Não. Estava inteiramente absorvido nas manobras.
20. ─ Que impressão vos causava o perigo que corríeis?
─ O hábito tinha diminuído o medo.
21. ─ Que sensação tínheis quando estáveis perdido no espaço?
─
Perturbação, mas felicidade. Parece que meu Espírito fugia do vosso
mundo. Entretanto, a necessidade de manobrar trazia-me à realidade e
fazia-me cair na fria e perigosa posição em que me achava.
22. ─ Vedes com prazer a vossa esposa seguir a mesma carreira aventurosa?
─ Não.
23. ─ Qual a vossa situação como Espírito?
─ Vivo como vós, isto é, posso prover à minha vida espiritual como vós à vossa material.
OBSERVAÇÃO:
As curiosas experiências do Sr. Poitevin, sua intrepidez, sua notável
habilidade na manobra dos balões, faziam-nos esperar dele maior elevação
e grandeza de ideias. O resultado não correspondeu à nossa expectativa.
Como vimos, a aerostação não era para ele senão uma indústria, um modo
de viver, um gênero especial de espetáculo. Todas as suas faculdades
estavam concentradas nos meios de satisfazer à curiosidade pública.
Assim é que, nestas conversas de além-túmulo as previsões são muitas
vezes incertas: ora são ultrapassadas, ora ficam aquém do que se
esperava, o que é prova evidente da independência das comunicações.
Numa
sessão particular, através do mesmo médium, Poitevin ditou os conselhos
que se seguem, para cumprir a promessa que acabara de fazer. Cada um
poderá medir-lhes o valor, pois os damos como objeto de estudo sobre a
natureza dos Espíritos e não por seu mérito científico, mais que
contestável.
“Para dirigir um balão cheio de gás, encontrareis sempre
as maiores dificuldades: a imensa superfície que ele oferece exposta
aos ventos; a insignificância do peso que o gás pode transportar; a
fragilidade do envoltório, exigida por esse ar sutil. Todas estas causas
jamais permitirão dar ao sistema aerostático a grande extensão que
desejaríeis vê-lo tomar. Para que o aeróstato tenha uma utilidade real, é
preciso que seja um sistema de comunicação poderoso e dotado de uma
certa presteza, sobretudo poderoso. Dissemos que representaria um meio
termo entre a eletricidade e o vapor. Sim, sob dois pontos de vista:
1.º ─ Deve transportar passageiros com mais rapidez que as ferrovias e mensagens com menos rapidez que o telégrafos;
2.º
─ Não se coloca como meio termo entre os dois sistemas, porque
participa, ao mesmo tempo, do ar e da terra, ambos lhe servindo de
caminho. Está entre o céu e o mundo.
“Não me perguntastes se por este
meio chegaríeis a visitar outros planetas. Entretanto, tal pensamento
inquietou muitas cabeças e a sua solução encheria o vosso mundo de
espanto. Não. Não o conseguireis. Pensai que para atravessar os espaços
inimagináveis, de milhões e milhões de léguas, a luz leva anos. Vede,
pois, quanto tempo seria necessário para atingi-los, mesmo levados pelo
vapor e pelo vento.
“Para voltar ao tema principal, eu vos dizia, de
começo, que se não deveria esperar muito do vosso sistema atual, mas que
obteríeis muito mais agindo sobre o ar por compressão forte e extensa. O
ponto de apoio que buscais está à vossa frente e vos cerca por todos os
lados. Com ele vos chocais em cada um dos vossos movimentos;
diariamente ele entrava a vossa rota e influi sobre tudo quanto tocais.
Pensai muito nisto e tirai desta revelação tudo quanto for possível.
Suas consequências são enormes. Não podemos tomar-vos a mão e levar-vos a
forjar os utensílios necessários a esse trabalho. Não vos podemos dar
uma indução, palavra por palavra. É preciso que o vosso espírito
trabalhe e amadureça os seus projetos, sem o que não compreenderíeis
aquilo que fizésseis e não saberíeis manejar os instrumentos. Seríamos
nós obrigados a torcer e abrir os vossos êmbolos; então as
circunstâncias imprevistas que, um dia ou outro, viessem atrapalhar os
vossos esforços, lançar-vos-iam em vossa primitiva ignorância.
“Trabalhai,
pois, e encontrareis aquilo que tiverdes procurado. Conduzi o vosso
Espírito na direção que vos indicamos e aprendei, pela experiência, que
não vos induzimos em erro.”
OBSERVAÇÃO: Embora encerrando verdades
incontestes, nem por isto estes conselhos deixam de revelar um Espírito
pouco esclarecido, sob certos pontos de vista, pois parece ignorar a
verdadeira causa da impossibilidade de atingir outros planetas. É uma
prova a mais da diversidade de aptidões e de luzes encontradas, como na
Terra, no mundo dos Espíritos. É pela multiplicidade das observações que
chegaremos a conhecê-lo, compreendê-lo e julgá-lo. Eis por que damos
modelos de comunicações de todo gênero, tomando, porém, o cuidado de
ressaltar o forte e o fraco. Esta de Poitevin termina por uma
consideração muito justa, que nos parece ter sido suscitada por um
Espírito mais filosófico que o seu. Aliás, ele havia dito que tais
conselhos seriam redigidos por seus amigos que, definitivamente, nada
ensinam.
Nisto encontramos ainda nova prova de que os homens que na
Terra tiveram uma especialidade nem sempre são os mais adequados ao
nosso esclarecimento como Espíritos, principalmente se não forem
bastante elevados e desprendidos da vida terrena.
É lamentável que,
para o progresso da aeronáutica, a maioria desses homens intrépidos não
possam colocar a sua experiência a serviço da Ciência, enquanto os
teóricos são alheios à prática, como marinheiros que jamais tivessem
visto o mar. Incontestavelmente, um dia haverá engenheiros aeronautas,
como há engenheiros navais, mas só quando eles tiverem, eles próprios,
visto e sondado as profundezas do oceano aéreo. Quantas ideias não lhes
seriam dadas pelo contato real dos elementos, ideias que escapam à gente
do ofício, porque, seja qual for o seu saber, não podem eles, do fundo
de seu gabinete, perceber todos os escolhos. Entretanto, se um dia essa
ciência deve tornar-se realidade, só o será por intermédio deles. Aos
olhos de muita gente isto ainda é uma quimera, por isso os inventores,
que em geral não são capitalistas, não encontram nem o apoio nem o
encorajamento necessários. Quando a aerostação produzir dividendos,
mesmo que em esperança, e puder ser avaliada financeiramente, não lhe
faltará o capital. Até lá é necessário contar com a dedicação daqueles
que colocam o progresso acima da especulação. Enquanto houver carência
de recursos para execução, haverá derrotas, pela impossibilidade de
fazer experiências em escala suficientemente vasta ou em condições
convenientes. Se somos obrigados a fazer acanhadamente, fazemos mal
feito, nisto como em todas as coisas. Não haverá sucesso senão ao preço
de sacrifícios suficientes para entrar decisivamente na vida prática.
Quem diz sacrifício quer dizer exclusão de qualquer ideia de lucro.
Esperemos que a ideia de dotar o mundo com a solução de um grande
problema, quando mais não seja do ponto de vista da Ciência, inspire um
generoso desinteresse. Mas a primeira coisa a fazer seria dotar os
teóricos dos meios necessários à aquisição de experiência no ar, mesmo
que fosse através dos meios imperfeitos que possuímos. Se Poitevin
tivesse sido um homem de saber e tivesse inventado um sistema de
locomoção aérea, sem dúvida teria inspirado mais confiança àqueles que
jamais deixaram a terra e provavelmente teria encontrado os recursos que
aos outros são recusados.