Notícias da guerra
O governo permitiu que os jornais
apolíticos dessem notícias da guerra. Como, porém, são abundantes os
relatos sob todas as formas, seria inútil repeti-los aqui. A maior
novidade para os nossos leitores é uma história vinda do outro mundo.
Embora
não seja extraída da fonte oficial do Moniteur, nem por isso oferece
menos interesse do ponto de vista dos nossos estudos. Assim, pensamos
interrogar algumas das gloriosas vítimas da vitória, presumindo que daí
pudéssemos extrair alguma instrução útil. Semelhantes temas de estudo, e
principalmente de atualidade, não se apresentam a cada passo. Não
conhecendo pessoalmente nenhum dos participantes da última batalha,
rogamos aos Espíritos que nos assistem que nos enviassem alguém.
Chegamos a pensar que a presença de um estranho seria preferível à de
amigos ou de parentes dominados pela emoção. Dada uma resposta
afirmativa, obtivemos as seguintes comunicações.
O zuavo de Magenta
1. ─ Rogamos a Deus Todo Poderoso permita ao Espírito de um militar morto na batalha de Magenta vir comunicar-se conosco.
─ Que quereis saber?
2. ─ Onde vos encontráveis quando vos chamamos?
─ Não saberia dizer.
3. ─ Quem vos preveniu que desejávamos conversar convosco?
─ Alguém mais sagaz do que eu.
4. ─ Quando em vida duvidáveis que os mortos pudessem vir conversar com os vivos?
─ Oh! Isso não.
5. ─ Que sensação experimentais por estardes aqui?
─ Isto me causa prazer. Segundo me dizem, tendes grandes coisas a fazer.
6. ─ A que corpo do exército pertencíeis? (Alguém diz a meia-voz: Pela linguagem parece um zuzu27.)
─ Ah! Bem o dizes!
7. ─ Qual era o vosso posto?
─ O de todo o mundo.
8. ─ Como vos chamáveis?
─ Joseph Midard.
9. ─ Como morrestes?
─ Quereis saber tudo sem pagar nada?
10. ─ Ainda bem que não perdestes a jovialidade. Dizei, dizei; nós pagaremos depois. Como morrestes?
─ De uma ameixa que recebi28.
11. ─ Ficastes contrariado com a morte?
─ Palavra que não! Estou bem aqui.
12. ─ No momento da morte percebestes o que houve?
─ Não. Eu estava tão atordoado que não podia acreditar.
NOTA:
Isto está de acordo com o que temos observado nos casos de morte
violenta. Não se dando conta imediatamente da sua situação, o Espírito
não se julga morto. Este fenômeno se explica muito facilmente. É análogo
ao dos sonâmbulos, que não acreditam que estejam dormindo. Realmente,
para o sonâmbulo, a ideia de sono é sinônima de suspensão das faculdades
intelectuais. Ora, como ele pensa, não acredita que dorme. Só mais
tarde se convence, quando familiarizado com o sentido ligado a esse
vocábulo.
Dá-se o mesmo com um Espírito surpreendido por uma morte
súbita, quando nada está preparado para a separação do corpo. Para ele, a
morte é sinônimo de destruição, de aniquilamento. Ora, desde que ele
vive, sente e pensa, entende que não está morto. É preciso algum tempo
para reconhecer-se.
13. ─ No momento de vossa morte, a batalha não havia terminado. Seguistes as suas peripécias?
─ Sim, pois como vos disse, não me julgava morto. Eu queria continuar batendo nos outros cães29.
14. ─ Que sensação experimentastes então?
─ Eu estava encantado, pois me sentia muito leve.
15. ─ Víeis os Espíritos dos vossos camaradas deixando os corpos?
─ Eu nem pensava nisso, pois não me acreditava morto.
16. ─ Em que se transformava, nesse momento, a multidão de Espíritos que perdia a vida no tumulto da batalha?
─ Creio que faziam o mesmo que eu.
17.
─ Encontrando-se reunidos nesse mundo dos Espíritos, que pensavam
aqueles que se batiam mais encarniçadamente? Ainda se atiravam uns
contra os outros?
─ Sim. Durante algum tempo, e conforme o seu caráter.
18. ─ Reconhecei-vos melhor agora?
─ Sem isto não me teriam mandado aqui.
19.
─ Poderíeis dizer-nos se entre os Espíritos de soldados mortos há muito
tempo ainda se encontravam alguns interessados no resultado da batalha?
(Rogamos a São Luís que o ajudasse nas respostas, a fim de que, para
nossa instrução, fossem tão explícitas quanto possível).
─ Em grande
quantidade. É bom que saibais que esses combates e suas consequências
são preparados com muita antecedência e que os nossos adversários não se
envolveriam em crimes, como fizeram, se a isto não tivessem sido
compelidos em razão das consequências futuras, que não tardareis a
conhecer.
20. ─ Deveria haver ali Espíritos que se interessavam no
sucesso dos austríacos. Haveria então dois campos de batalha entre eles?
─ Evidentemente.
OBSERVAÇÃO:
Não parece que estamos vendo aqui os deuses de Homero tomando partido,
uns pelos Gregos, outros pelos Troianos? Na verdade, quem eram esses
deuses do paganismo, senão os Espíritos que os Antigos haviam
transformado em divindade? Não temos razão quando dizemos que o
Espiritismo é uma luz que esclarecerá diversos mistérios, a chave de
numerosos problemas?
21. ─ Eles exerciam alguma influência sobre os combatentes?
─ Muito considerável.
22. ─ Podeis descrever-nos de que maneira eles exerciam tal influência?
─ Da mesma maneira que todas as influências dos Espíritos se exercem sobre os homens.
23. ─ Que esperais fazer agora?
─ Estudar mais do que o fiz em minha última etapa.
24. ─ Ides voltar como espectador aos combates que ainda serão travados?
─
Ainda não sei. Tenho afeições que me prendem no momento. Contudo,
espero de vez em quando dar uma fugida, para me divertir com as surras
subsequentes.
25. ─ Que gênero de afeição vos retém ainda?
─ Uma velha mãe doente e sofredora, que chora por mim.
26. ─ Peço que me desculpeis o mau pensamento que me atravessou o espírito, relativamente à afeição que o retém.
─
Não tem importância. Digo bobagens para vos fazer rir um pouco. É
natural que não me tomeis por grande coisa, tendo em vista o regimento
medíocre a que pertenci. Ficai tranquilos, eu só me engajei por causa
dessa pobre mãe. Mereço um pouco que me tenham mandado a vós.
27. ─ Quando vos encontráveis entre os Espíritos, ouvíeis o rumor da batalha? Víeis as coisas tão claramente como em vida?
─ A princípio eu a perdi de vista, mas depois de algum tempo via muito melhor, porque percebia todas as artimanhas.
28. ─ Pergunto se escutáveis o troar do canhão.
─ Sim.
29. ─ No momento da ação, pensáveis na morte e naquilo em que vos tornaríeis, caso fosseis morto?
─ Eu pensava no que seria de minha mãe.
30. ─ Era a primeira vez que entráveis em fogo?
─ Não, não. E a África?
31. ─ Vistes a entrada dos franceses em Milão?
─ Não.
32. ─ Aqui sois o único dos que morreram na 1tália?
─ Sim.
33. ─ Pensais que a guerra durará muito tempo?
─ Não. É fácil e por isso mesmo pouco meritório fazer tal predição.
34. ─ Quando vedes, entre os Espíritos, um dos vossos chefes, ainda o reconheceis como vosso superior?
─ Se ele o for, sim; se não, não.
OBSERVAÇÃO:
Na sua simplicidade e no seu laconismo, esta resposta é eminentemente
profunda e filosófica. No mundo espírita, a superioridade moral é a
única reconhecida. Quem não a teve na Terra, fosse qual fosse a sua
posição, não tem, de fato, superioridade nenhuma. Lá o chefe pode estar
abaixo do soldado e o patrão abaixo do servidor. Que lição para o nosso
orgulho!
35. ─ Pensais na justiça de Deus e vos inquietais por isso?
─
Quem não pensaria nisso? Felizmente não tenho muito o que temer. Eu
resgatei, por algumas ações que Deus considerou boas, as poucas
leviandades que cometi como zuzu, como dizeis.
36. ─ Assistindo a um combate, poderíeis proteger um de vossos companheiros e desviar dele um golpe fatal?
─
Não. Não podemos fazer isso. A hora da morte é marcada por Deus. Se tem
que acontecer, nada o impedirá, do mesmo modo ninguém poderá atingi-la
se sua hora não tiver soado.
37. ─ Vedes o General Espinasse?
─ Não o vi ainda. Mas espero vê-lo em breve.
SEGUNDA CONVERSA(17 DE JUNHO DE 1859)
38. (Evocação).
─ Presente! Firme! Em frente!
39. ─ Lembrai-vos de ter vindo aqui há oito dias?
─ Como não?!
40.
─ Disseste-nos que ainda não tínheis visto o General Espinasse. Como
poderíeis reconhecê-lo, já que ele não levou consigo seu uniforme de
general?
─ Não, mas eu o conheço de vista. Ademais, não temos uma
porção de amigos junto a nós, prontos a nos revelar a senha? Aqui não é
como no quartel. A gente não tem medo de dar um encontrão com alguém, e
eu vos garanto que só os velhacos ficam sozinhos.
41. ─ Sob que aparência aqui vos encontrais?
─ Zuavo.
42. ─ Se vos pudéssemos ver, como o veríamos?
─ De turbante e culote.
43.
─ Pois bem! Suponhamos que nos aparecêsseis de turbante e culote. Onde
teríeis arranjado essas roupas, desde que deixastes as vossas no campo
de batalha?
─ Ora, ora! Não sei como é isto mas lenho um alfaiate que mas arranja.
44. ─ De que são feitos o turbante e o culote que usais? Não tendes ideia?
─ Não. Isto é lá com o trapeiro.
OBSERVAÇÃO:
Esta questão da vestimenta dos Espíritos, como várias outras não menos
interessantes, ligadas ao mesmo princípio, foram completamente
elucidadas por novas observações feitas no seio da Sociedade. Daremos
notícias disso no próximo número. Nosso bom zuavo não é suficientemente
adiantado para resolver sozinho. Foi-nos preciso, para isso, o concurso
de circunstâncias que se apresentaram fortuitamente e que nos puseram no
caminho certo.
45. ─ Sabeis a razão pela qual nos vedes, ao passo que nós não vos podemos ver?
─ Acredito que vossos óculos estão muito fracos.
46. ─ Não seria por essa mesma razão que não vedes o general em seu uniforme?
─ Sim, mas ele não o veste todos os dias.
47. ─ Em que dias o veste?
─ Ora essa! Quando o chamam ao palácio.
48. ─ Por que estais aqui vestido de zuavo se não vos podemos ver?
─
Simplesmente porque ainda sou zuavo, mesmo depois de cerca de oito
anos, e porque entre os Espíritos conservamos essa forma durante muito
tempo. Mas isso apenas entre nós. Compreendeis que quando vamos a um
mundo muito diferente, como a Lua ou Júpiter, não nos damos ao trabalho
de fazer essa toalete toda.
49. ─ Falais da Lua e de Júpiter. Porventura já lá estivestes depois de morto?
─
Não. Não estais me entendendo. Depois da morte nos informamos de muitas
coisas. Não nos explicaram uma porção de problemas da nossa Terra? Não
conhecemos Deus e os outros seres muito melhor do que há quinze dias?
Com a morte, o Espírito sofre uma metamorfose que não podeis
compreender.
50. ─ Revistes o corpo deixado no campo de batalha?
─ Sim. Ele não está bonito.
51. ─ Que impressão vos deixou essa vista?
─ De tristeza.
52. ─ Tendes conhecimento de vossa existência anterior?
─ Sim, mas não é suficientemente gloriosa para que possa me pavonear.
53. ─ Dizei-nos apenas o gênero de vida que tínheis.
─ Simples mercador de peles de animais selvagens.
54. ─ Nós vos agradecemos a bondade de ter vindo pela segunda vez.
─ Até breve. Isto me diverte e me instrui. Já que sou bem tolerado aqui, voltarei de boa vontade.
Um oficial superior morto em Magenta
1. ─ (Evocação).
─ Eis-me aqui.
2. ─ Poderíeis dizer como atendestes tão prontamente ao nosso apelo?
─ Eu estava prevenido do vosso desejo.
3. ─ Por quem fostes prevenido?
─ Por um emissário de Luís.
4. ─ Tínheis conhecimento da existência de nossa sociedade?
─ Vós o sabeis.
OBSERVAÇÃO: O oficial em questão tinha realmente ajudado a sociedade a ser registrada.
5. ─ Sob que ponto de vista consideráveis a nossa sociedade, quando ajudastes na sua formação?
─
Eu não estava ainda inteiramente decidido, mas me inclinava muito a
crer. Sem os acontecimentos que sobrevieram, certamente teria ido
instruir-me no vosso círculo.
6. ─ Há muitas grandes notabilidades
que comungam as ideias espíritas, mas não o confessam de público. Seria
desejável que pessoas influentes arvorassem abertamente essa bandeira?
─ Paciência. Deus o quer, e desta vez a expressão corresponde à verdade.
7. ─ De que classe influente da sociedade pensais que deverá partir o exemplo?
─ De todas as classes. Inicialmente de algumas, depois de todas.
8.
─ Do ponto de vista do estudo, poderíeis dizer-nos, embora morto mais
ou menos na mesma época em que foi morto o zuavo que há pouco aqui
esteve, se vossas ideias são mais lúcidas do que as dele?
─ Muito.
Aquilo que ele vos pôde dizer testemunhando uma certa elevação foilhe
soprado. Ele é muito bom, mas muito ignorante, e um pouco leviano.
9. Ainda vos interessais pelo sucesso das nossas armas?
─ Muito mais do que nunca, pois hoje conheço o objetivo.
10.
─ Podeis definir o vosso pensamento? O objetivo sempre foi confessado
publicamente e, sobretudo em vossa posição, deveríeis conhecê-lo?
─ O objetivo estabelecido por Deus, vós o conheceis?
OBSERVAÇÃO:
Ninguém ignorará a gravidade e a profundidade desta resposta. Quando
vivo, ele conhecia o objetivo dos homens, Como Espírito, vê o que há de
providencial nos acontecimentos.
11. ─ De um modo geral, que pensais da guerra?
─ Meu desejo é que progridais rapidamente, para que ela se torne tão impossível quanto inútil.
12. ─ Credes que chegará o dia em que ela será impossível e inútil?
─
Penso que sim, e não duvido. Posso dizer-vos que esse momento não está
tão longe quanto pensais, embora não vos dê a esperança de que o vejais.
13. ─ No momento da morte vos reconhecestes imediatamente?
─ Reconheci-me quase que imediatamente, graças às vagas noções que tinha do Espiritismo.
14. ─ Podeis dizer algo a respeito do Sr... também morto na última batalha?
─
Ele ainda está nas redes da matéria. Tem mais trabalho em se
desvencilhar. Seus pensamentos não se tinham voltado para este lado.
OBSERVAÇÃO:
Assim, o conhecimento do Espiritismo auxilia no desprendimento da alma
após a morte e abrevia o período de perturbação que acompanha a
separação. Isto é compreensível, pois o Espírito conhecia
antecipadamente o mundo em que se encontra.
15. ─ Assististes à entrada de nossas tropas em Milão?
─
Sim, e com alegria. Fiquei encantado com a ovação que acolheu as nossas
tropas, a princípio por patriotismo, depois, pelo futuro que as
aguarda.
16. ─ Como Espírito podeis exercer alguma influência sobre os planos estratégicos?
─ Credes que isto não tenha sido feito desde o princípio e tendes dificuldades de imaginar por quem?
17. ─ Como foi que os austríacos abandonaram tão rapidamente uma praça forte como Pavia?
─ Por medo.
18. ─ Então estão desmoralizados?
─
Completamente. Ademais, se agimos sobre os nossos num sentido, deveis
pensar que sobre eles age uma influência de outra natureza.
OBSERVAÇÃO:
Aqui a intervenção dos Espíritos nos acontecimentos é inequívoca. Eles
preparam as vias para a realização dos desígnios da Providência. Os
Antigos teriam dito que era obra dos Deuses. Nós dizemos que é obra dos
Espíritos, por ordem de Deus.
19. ─ Podeis dar a vossa opinião sobre o General Giulay como militar, pondo de lado qualquer sentimento nacionalista?
─ Pobre, pobre general!
20. ─ Voltaríeis com prazer se vos pedíssemos?
─
Estou à vossa disposição e prometo vir, mesmo sem o vosso chamado.
Deveis acreditar que a simpatia que tinha por vós não pode senão
aumentar. Adeus.