Estelle Riquier
O tédio, a mágoa, o desespero me devoram. Esposa culpada, mãe
desnaturada, abandonei as santas alegrias da família, o domicílio
conjugal embelezado pela presença de dois anjinhos descidos do Céu.
Arrastada pelas veredas do vício, por um egoísmo, um orgulho e uma
vaidade desenfreados, mulher sem coração, conspirei contra o santo amor
daquele que Deus e os homens me haviam dado por sustentáculo e
companheiro na vida. Ele buscou na morte um refúgio contra o desespero
que lhe haviam causado o meu covarde abandono e a sua desonra.
O Cristo perdoou à mulher adúltera e a Madalena arrependida. A mulher
adúltera tinha amado e Madalena se tinha arrependido. Mas, eu!
Miserável, vendi a preço de ouro um falso amor que jamais senti. Semeei o
prazer a mancheias e não colhi senão o desprezo. A miséria horrível e a
fome cruel vieram pôr termo a uma vida que me era odiosa... e eu não me
arrependi! E eu, miserável e infame, oh! quantas vezes empreguei, com
fatal sucesso, minha influência como Espírito, para levar ao vício
pobres mulheres que eu via virtuosas e gozando da felicidade que eu
havia calcado aos pés. Deus jamais me perdoará? Talvez, se o desprezo
que ela vos inspira não vos impedir de orar pela infeliz Estelle
Riquier.
OBSERVAÇÃO: Tendo-se comunicado espontaneamente,
sem ser chamado e sem ser conhecido dos assistentes, as seguintes
perguntas foram dirigidas a esse Espírito.
1. ─ Em que época morrestes? ─ Há cinquenta anos.
2. ─
Onde moráveis?
─ Em Paris.
3. ─
A que classe social pertencia vosso marido? ─ À classe média.
4. ─
Com que idade morrestes?
─ Aos 32 anos.
5. ─
Por que motivo viestes espontaneamente comunicar-se conosco? ─ Foi-me
permitido, para vossa instrução e para servir de exemplo.
6. ─
Tínheis recebido certa educação?
─ Sim.
7. ─
Esperamos que Deus leve em consideração a franqueza de vossa confissão e de
vosso arrependimento. Pedimos que estenda sua misericórdia sobre vós, e que
envie bons Espíritos para vos esclarecer sobre os meios de reparar vosso
passado. ─ Oh! Obrigada, obrigada! Que Deus vos ouça!
OBSERVAÇÃO:
Várias pessoas nos informaram que consideraram um dever orar pelos
Espíritos sofredores que assinalamos, e que pedem assistência. Fazemos
votos para que tal pensamento caridoso se generalize entre os nossos
leitores. Alguns receberam a visita espontânea dos Espíritos pelos quais
se haviam interessado, e que lhes vieram agradecer
O tempo presente
Sois guiados pelo verdadeiro Gênio do Cristianismo, disse-vos eu. É que o
próprio Cristo preside aos trabalhos de toda natureza que estão em vias
de realização, para abrir-se a era de renovação e de aperfeiçoamento
que predizem vossos guias espirituais. Com efeito, se, fora das
manifestações espíritas, lançardes os olhos sobre os acontecimentos
contemporâneos, reconhecereis sem hesitação os sinais precursores que,
de maneira irrefragável, vos provarão que os tempos preditos são
chegados. As comunicações se estabelecem entre todos os povos e as
barreiras materiais são derrubadas. Os obstáculos morais que se opõem à
sua união; os preconceitos políticos e religiosos, apagar-se-ão
rapidamente, e o reino da fraternidade estabelecer-se-á, enfim, de
maneira sólida e durável. Observai, desde agora, os próprios soberanos,
impulsionados por mão invisível, tomarem ─ coisa incrível para vós ─ a
iniciativa das reformas; e as reformas que espontaneamente partem de
cima, são bem mais rápidas e mais duráveis que as que vêm de baixo e são
arrancadas à força. Malgrado os preconceitos da infância e da educação e
o culto do passado, eu pressenti a época atual. Estou feliz por isto e
mais feliz ainda por vir dizer-vos: Irmãos, coragem! Trabalhai para vós e
pelo futuro dos vossos. Trabalhai sobretudo por vosso melhoramento
pessoal, e gozareis na vossa próxima existência de uma felicidade que
vos é tão difícil imaginar, quanto a mim vo-la dar a compreender.
CHATEAUBRIAND
Os sinos
Podes dizer-me por que sempre gostei de ouvir o som dos sinos? É que a
alma do homem, que pensa ou que sofre, busca sempre desprender-se,
quando experimenta essa felicidade muda, que desperta em nós vagas
lembranças de uma vida passada. É que tal som é uma tradução da palavra
do Cristo, que vibra no ar há dezoito séculos. É a voz da esperança.
Quantos corações consolou! Quanta força deu à Humanidade crente! Essa
voz divina apavorou os grandes da época. Eles a temeram, porque a
verdade que haviam abafado fê-los tremer. O Cristo a mostrava a todos.
Eles mataram o Cristo, mas não a ideia. Sua palavra sagrada tinha sido
compreendida. Ela era imortal e, contudo, quantas vezes a dúvida se
introduziu em vossos corações! Quantas vezes o homem acusou a Deus de
ser injusto! Ele exclamava: Meu Deus, que fiz eu? Marcou-me a desgraça
no berço? Então estou destinado a seguir esta via que me dilacera o
coração? Parece que uma fatalidade se liga a meus passos. Sinto que as
forças me abandonam. Vou arrebentar nesta vida.
Nesse momento,
Deus faz penetrar em vosso coração um raio de esperança. Mão amiga vos
tira a venda do materialismo, que vos tapa os olhos, e uma voz do Céu
vos diz: Olha no horizonte aquele foco luminoso. É um fogo sagrado que
emana de Deus. Essa chama deve iluminar o mundo e purificá-lo. Deve
fazer sua luz penetrar no coração do homem e dali espancar as trevas que
lhe obscurecem os olhos. Alguns homens pretenderam trazer-vos a luz,
mas só produziram um nevoeiro que fez com que perdêsseis o reto caminho.
Não sejais cegos, vós a quem Deus mostra a luz. É o
Espiritismo que vos permite levantar a ponta do véu que cobria o vosso
passado. Olhai agora aquilo que fostes e julgai. Curvai a cabeça ante a
justiça do Criador. Rendei-lhe graças por vos dar coragem para
persistirdes na prova que escolhestes. Disse o Cristo: Aquele que usar a
espada, pela espada morrerá. Tal pensamento, absolutamente espírita,
encerra o mistério dos vossos sofrimentos. Que a esperança na bondade de
Deus vos dê coragem e fé. Escutai sempre essa voz que vibra em vossos
corações. Cabe-vos compreender, estudar com sabedoria e elevar vossa
alma em pensamentos fraternos. Que o rico estenda a mão ao que sofre,
pois a riqueza não lhe foi dada para os prazeres pessoais, mas para que
seja o seu despenseiro, e Deus lhe pedirá contas do uso que dela tiver
feito. Vossas virtudes são a única riqueza que Deus reconhece; a única
que levareis, ao deixar este mundo. Deixai falar os falsos sábios, que
vos chamam de loucos. Talvez amanhã vos peçam para orar por eles, pois
Deus os julgará.
Tua filha, que te ama e que ora por ti.
Conselho de família
Meus caros filhos, em minhas instruções precedentes aconselhei-vos a
calma e a coragem; contudo, nem todos as mostrais tanto quanto
deveríeis. Pensai que o lamento não acalma a dor. Ao contrário, ele
tende a aumentá-la. Um bom conselho, uma boa palavra, um sorriso, um
simples gesto, dão força e coragem. Uma lágrima amolece o coração, em
vez de endurecê-lo. Chorai, se o coração a isto vos impele, mas que seja
nos momentos de solidão, e não em presença dos que necessitam de toda a
sua força ou energia que uma lágrima ou um suspiro podem diminuir e
enfraquecer. Todos necessitamos de encorajamento, e nada mais próprio a
nos encorajar do que uma voz amiga, um olhar benevolente, uma palavra
vinda do coração. Quando vos aconselhei a vos reunirdes, não foi para
que reunísseis vossas lágrimas e amarguras; não foi para vos incitar à
prece, que apenas prova uma boa intenção, mas foi sim para que unísseis
os vossos pensamentos, vossos esforços
mútuos e coletivos; para que mutuamente vos désseis bons conselhos e
para que em comum procurásseis, não o meio de vos entristecerdes, mas o
caminho a seguir para vencerdes os obstáculos que se vos apresentam. Em
vão um infeliz que não tem pão se prostrará para rogar a Deus a
subsistência que não cairá do céu. Que ele trabalhe e, por pouco que
obtenha, isto lhe valerá mais do que todas as suas preces. A prece mais
agradável a Deus é o trabalho útil, seja qual for. Eu o repito: a prece
apenas prova uma boa intenção, um bom sentimento, mas só produz um
efeito moral, porque é toda moral. A prece é excelente como um consolo
da alma, porque a alma que ora sinceramente nela encontra alívio para as
dores morais.
Fora destes efeitos e dos que decorrem da
prece, como vos expliquei em outras instruções, nada espereis, pois
sereis iludidos em vossa esperança.
Segui pois exatamente os
meus conselhos. Não vos contenteis em pedir a Deus que vos ajude.
Ajudai-vos vós mesmos, pois assim provareis a sinceridade de vossa
prece. Seria muito cômodo, na verdade, que bastasse pedir uma coisa nas
preces para que ela vos fosse concedida. Seria o maior incentivo à
preguiça e à negligência das boas ações. A respeito, eu poderia
estender-me ainda mais, mas seria muito para vós. Vosso estado de
adiantamento ainda não o comporta. Meditai sobre esta instrução, como
sobre as precedentes, pois são de natureza a ocupar longamente os vossos
espíritos. Elas contêm em germe tudo quanto vos será desvendado no
futuro. Segui meus conselhos anteriores.
ALLAN KARDEC