Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1860

Capítulo IV

Janeiro - Conselho de família

Janeiro

Por certo, nossos leitores se lembram do artigo publicado em setembro último, sob o título de Uma Família Espírita. As comunicações seguintes são muito parecidas com aquela. Com efeito, são conselhos ditados numa reunião íntima, por um Espírito eminentemente superior e bondoso. Distinguem-se pelo encanto e pela doçura do estilo, pela profundeza dos pensamentos e, além disso, por nuanças de extrema delicadeza, apropriadas à idade e ao caráter das pessoas a quem eram dirigidas. O Sr. Rabache, negociante de Bordéus, que serviu de intermediário, teve a bondade de autorizar a sua publicação. Só podemos felicitar os médiuns que recebem coisas semelhantes. É uma prova de que têm simpatias felizes no mundo invisível.

Castelo de Pechbusque, novembro de 1859.

PRIMEIRA SESSÃO

Foi perguntado ao Espírito protetor da família, se podia dar alguns conselhos aos membros presentes. Ele respondeu:

Sim, que eles tenham confiança em Deus e busquem instruir-se nas verdades eternas e imutáveis que lhes ensina o livro divino da Natureza. Ele contém toda a lei de Deus, e os que sabem ler e compreender, seguem apenas o caminho verdadeiro da sabedoria. Que nada do que verão seja desprezado, pois cada coisa traz em si um ensinamento e deve, pelo uso do raciocínio, elevar a alma para Deus e dele aproximá-la. Em tudo quanto ferir a inteligência, procurem sempre distinguir o bem do mal: o primeiro, para praticá-lo; o segundo, para evitá-lo. Que antes de formular um julgamento, voltem sempre o pensamento para o ETERNO, que os guiará apenas ao bem, E NÃO OS ENGANARÁ JAMAIS.

SEGUNDA SESSÃO

Boa noite, meus filhos. Se me amais, procurai instruir-vos. Reuni-vos muitas vezes com esse pensamento, e ponde vossas ideias em comunhão. É um excelente meio, pois em geral só intercambiamos as coisas que julgamos boas. A gente se envergonha das más, assim, são guardadas em segredo ou só são comunicadas aos que queremos tornar cúmplices. Distinguem-se os bons dos maus pensamentos, porque os primeiros podem, sem receio, ser transmitidos a todo mundo, ao passo que os últimos não poderiam, sem perigo, ser comunicados senão a alguns. Quando vos vier um pensamento, para julgar de seu valor, perguntai-vos se podeis torná-lo público sem inconvenientes e se não produzirá nenhum mal. Se vossa consciência vo-lo autorizar, não temais, pois vosso pensamento é bom. Dai-vos bons conselhos mutuamente, e nisto só tendo em vista o bem daquele a quem os dais, e não o vosso. Vossa recompensa estará no prazer que experimentais em serdes úteis. A união dos corações é a mais fecunda fonte de felicidades. Se muitos homens são infelizes, é porque só procuram a felicidade para si mesmos. Ela lhes escapa precisamente porque julgam encontrá-la apenas no egoísmo. Digo a felicidade, e não a fortuna, porque, até aqui, esta última só tem servido como sustentáculo à injustiça, e o objetivo da existência é a justiça. Ora, se a justiça fosse praticada entre os homens, o mais afortunado seria aquele que realizasse maior número de boas obras. Se, pois, quiserdes tornar-vos ricos, meus filhos, praticai muitas ações boas. Pouco importa os bens do mundo. Não é a satisfação da carne que se deve buscar, mas a da alma. Aquela é efêmera; esta, eterna.

Chega por hoje. Meditai sobre estes conselhos e procurai pô-los em prática. Eis o caminho da salvação.

TERCEIRA SESSÃO Sim, meus filhos, eis-me aqui. Tende confiança em Deus, que jamais abandona os que fazem o bem. Aquilo que julgais um mal, com frequência só o é em relação às vossas concepções. Também, às vezes, o mal real vem apenas de um desânimo ocasionado por uma dificuldade, que a calma de espírito e a reflexão teriam evitado. Assim, refleti sempre e, como já vos disse, reportai tudo a Deus. Quando experimentais qualquer pesar, longe de vos abandonardes à tristeza, ao contrário, resisti e fazei todo esforço para triunfar, pensando que nada se obtém sem trabalho, e que muitas vezes o sucesso é acompanhado por dificuldades. Invocai o auxílio dos Espíritos benevolentes. Eles não podem, como vos ensinam, fazer boas obras em vosso lugar, nem obter algo de Deus para vós, pois é preciso que cada um conquiste, por si mesmo, a perfeição a que todos estamos destinados, mas podem inspirar-vos o bem, sugerir-vos conduta conveniente e ajudar-vos com seu concurso. Eles não se manifestam ostensivamente, mas no recolhimento. Escutai a voz da vossa consciência, lembrando-vos de meus conselhos precedentes. Confiança em Deus, calma e coragem.

QUARTA SESSÃO

Boa noite, meus filhos. Sim, é preciso continuar as sessões, até que um médium se manifeste, para substituir o que vai deixar-vos. Está cumprido o seu papel de iniciador entre vós. Continuai o que começastes, porque vós também servireis um dia à propagação da verdade que neste momento é proclamada no mundo inteiro pelas manifestações ditas dos Espíritos. Persuadi-vos, meus filhos, de que, em geral, o que se entende na Terra por Espírito, só é Espírito para vós. Depois que esse Espírito, ou alma, se separa da matéria grosseira que o envolve, para vós não tem mais corpo, porque vossos olhos materiais não mais o veem, mas continua sendo matéria para os mais elevados que ele. Para vós, minhas crianças, vou fazer uma comparação muito imperfeita, mas que, entretanto, vos poderá dar uma ideia da transformação a que impropriamente chamais morte. Imaginai uma lagarta, que vedes diariamente. Esgotado o tempo de sua existência nesse estado, ela se transforma em crisálida; passa algum tempo nesse estado e depois, chegado o momento, se despoja de seu envoltório e dá origem a uma borboleta, que voa. Ora, a lagarta, ao deixar sua natureza grosseira, representa o homem que morre. A borboleta representa a alma que se eleva. A lagarta arrasta-se no chão. A borboleta voa para o céu. Mudou de matéria, mas ainda é material. Se a lagarta raciocinasse, não veria a borboleta que, entretanto, teria saído da carapaça apodrecida da crisálida. Assim, o corpo não pode ver a alma, mas a alma, envolta em matéria, tem consciência de sua existência e o próprio materialista por vezes a sente interiormente. Então, seu orgulho o impede de concordar e ele fica com sua ciência sem crença, sem se elevar, até que, enfim, lhe chegue a dúvida. Então, nem tudo está acabado, porque nele a luta é maior, mas é apenas uma questão de tempo, porque, meus amigos, não vos esqueçais, todos os filhos de Deus foram criados para a perfeição. Felizes os que não perdem tempo pelo caminho. A eternidade é feita de dois períodos: o das provas, que poderia chamar-se de incubação, e o da eclosão, ou da entrada na vida verdadeira, que chamais de felicidade dos eleitos.

QUINTA SESSÃO

Meus caros filhos, vejo com satisfação que começais a refletir nos avisos e conselhos que vos dou. Sei que para o atual desenvolvimento de vossa inteligência há, simultaneamente, muito assunto para reflexão. Devo, porém, aproveitar a ocasião que se apresenta, pois em poucos dias esse meio não mais estará à minha disposição, e era necessário ferir a vossa imaginação, de maneira a vos sugerir o desejo de continuar as vossas sessões, até que algum de vós possa substituir o médium atual. Espero que estas poucas sessões, sobre as quais vos incito a meditar demoradamente, tenham sido suficientes para despertar vossa atenção e o desejo de aprofundar mais esse vasto assunto de investigações. Tomai como regra jamais procurar satisfazer uma vã curiosidade, mas vos instruirdes e vos aperfeiçoardes. É inútil vos preocupardes com a diferença que possa existir entre o que vos ensinarei e o que sabeis ou julgais saber. Cada vez que vos for dada uma instrução, perguntaivos se é justa e se corresponde às exigências da consciência e da equidade. Quando a resposta for afirmativa, não vos inquieteis em saber se está de acordo com o que vos tiver sido dito. Que vos importa isto! O importante é o justo, o consciencioso e o equitativo. Tudo quanto reúne estas condições é de Deus. Obedecer a uma boa consciência; só fazer coisas úteis; evitar tudo quanto, sem ser mau, não tem utilidade, eis o essencial, pois fazer algo de inútil já é fazer o mal. Evitai escandalizar, mesmo pelo vosso aperfeiçoamento. Circunstâncias há em que a simples visão de vossa mudança pode produzir um efeito pernicioso. Assim, por exemplo, a luz do dia não poderia, sem perigo, atingir de súbito os olhos de um homem encerrado num calabouço escuro. Então, que o vosso progresso não seja entregue à investigação, senão conforme vos aconselhar a sabedoria. Aperfeiçoaivos continuamente: somente no devido tempo permitireis que isto seja visto. Aqueles para quem escrevo este conselho o compreendem, sem que eu tenha de ser mais explícito. Sua consciência lhes dirá.

Coragem, pois, e perseverança! Estas são as únicas leis do sucesso.

OBSERVAVAÇÃO: O último conselho não poderia ter aplicação geral. É evidente que o Espírito teve um objetivo especial, como ele próprio disse. Do contrário, poderíamo-nos enganar quanto ao sentido e o alcance de suas palavras.


Novembro Conversas familiares de além-túmulo

Novembro


1. — Numa reunião espírita particular apresentou-se espontaneamente um Espírito, sob o nome de Baltazar, e ditou a seguinte frase por meio de batidas:

“Gosto da boa mesa e das mulheres; viva o melão e a lagosta, o café e o licor!”

Pareceu-nos que tais disposições de um habitante do mundo invisível poderiam dar lugar a um estudo sério, do qual poderíamos tirar um ensinamento instrutivo sobre as faculdades e as sensações de certos Espíritos. A nosso ver, era um interessante assunto de observação que se apresentava por si, ou, melhor ainda, que talvez tivesse sido enviado pelos Espíritos elevados, desejosos de nos fornecer meios para nos instruirmos; seríamos culpados se não o aproveitássemos. É evidente que essa frase burlesca revela, da parte do Espírito, uma natureza toda especial, cujo estudo pode lançar nova luz sobre o que podemos chamar a fisiologia do mundo espírita.

Eis por que a Sociedade julgou por bem evocá-lo, não por um motivo fútil, mas na esperança de encontrar um novo tema para instrução.

Certas pessoas creem que só se pode aprender com o Espírito dos grandes homens: é um erro. Sem dúvida, só os Espíritos de escol nos dão lições de alta filosofia teórica; mas o que não importa menos é o conhecimento do estado real do mundo invisível. Pelo estudo de certos Espíritos tomamos, de certo modo, a natureza sobre o fato; é vendo as chagas que podemos encontrar o meio de curá-las. Como nos daríamos conta das penas e sofrimentos da vida futura se não tivéssemos visto Espíritos infelizes? Por eles compreendemos que se pode sofrer muito sem estar no fogo e nas torturas materiais do inferno, e essa convicção, dada pela escória da vida espírita, não é uma das causas que têm contribuído menos para atrair partidários à doutrina.


2. [Primeira conversa com Balthazar.]


1. Evocação.

Resposta. – Meus amigos, eis-me ante uma grande mesa, mas, infelizmente, vazia!


2. Esta mesa está vazia, é verdade; mas quereis dizer-nos de que vos serviria se estivesse repleta de alimentos; o que você faria?

Resposta. – Sentiria o seu aroma, como outrora lhes saboreava o gosto.


Observação. – Esta resposta encerra todo um ensinamento. Sabemos que os Espíritos têm as nossas sensações e percebem os odores tão bem quanto os sons. Não podendo comer, um Espírito material e sensual se repasta da emanação dos alimentos; saboreia-os pelo olfato, como em vida o fazia pelo paladar. Há, pois, algo de verdadeiramente material em seu prazer; porém, como há, na verdade, mais desejo do que realidade, este mesmo prazer, aguilhoando os desejos, torna-se um suplício para os Espíritos inferiores que ainda conservam as paixões humanas.


3. Falemos muito seriamente, peço-vos. Nosso propósito não é brincar, mas instruir-nos. Quereis, pois, responder com seriedade às nossas perguntas e, se for necessário, fazei-vos assistir por um Espírito mais esclarecido.

Tendes um corpo fluídico, nós o sabemos; mas dizei se, nesse corpo, há um estômago?

Resposta. – Estômago fluídico também, onde só os aromas podem passar.


4. Quando vedes um prato apetitoso, sentis vontade de comer?

Resposta. – Ah! Comer! Não o posso mais; para mim essas iguarias são o que representam as flores para vós: cheirais, mas não comeis. Isto vos contenta. Pois bem! fico contente também.


5. Sentis prazer vendo os outros a comer?

Resposta. – Muito, quando estou perto.


6. Sentis necessidade de comer e beber? Notai que dizemos necessidade; há pouco tínhamos dito desejo, o que não é exatamente a mesma coisa.

Resposta. – Necessidade, não; mas desejo, sim. Sempre.


7. Esse desejo fica plenamente satisfeito pelo aroma que aspirais? É, para vós, como se realmente comêsseis?

Resposta. – É como se vos perguntasse se a visão de um objeto, que desejais ardentemente, substitui a posse desse objeto.


8. Pareceria, conforme isso, que o desejo que experimentais deve ser um verdadeiro suplício, pois não há prazer real.

Resposta. – Suplício bem maior do que imaginais; mas eu procuro atordoar-me, criando-me a ilusão.


9. Vosso estado nos parece bastante material. Dizei-nos: dormis algumas vezes?

Resposta. – Não; adoro caminhar sem destino por toda parte.


10. O tempo vos parece longo? Por vezes vos aborreceis?

Resposta. – Não; percorro as feiras e os mercados; vou ver a chegada da pescaria, com o que me ocupo bastante.


11. Que fazíeis quando estáveis na Terra?


Nota. – Alguém diz: sem dúvida era cozinheiro.


Resposta. – Eu era apreciador da boa mesa, não glutão; advogado, filho de gastrônomo; neto de gastrônomo. Meus pais eram fermiers généraux.

Respondendo em seguida à reflexão precedente, o Espírito acrescenta: Bem vês que eu não era cozinheiro. Jamais te convidaria para os meus almoços, pois não sabes comer nem beber.


12. Há muito tempo que morrestes?

Resposta. – Há cerca de trinta anos, com oitenta anos de idade.


[Obs. Além das informações genealógicas da resposta precedente, a data aproximada da desencarnação e sua idade, vem confirmar a identidade do Espírito comunicante revelada na 5ª questão da 2ª conversa.]


13. Vedes outros Espíritos mais felizes do que vós?

Resposta. – Sim; vejo alguns cuja felicidade consiste em louvar a Deus; ainda não conheço isto: meus pensamentos continuam vinculados à Terra.


14.Compreendeis as causas que os tornam mais felizes do que vós?

Resposta. – Não as estimo ainda, como aquele que, desconhecendo um prato requintado, não o sabe apreciar. Talvez um dia chegue a compreender. Adeus; vou à procura de um jantarzinho muito delicado e muito suculento.


Baltazar.


Observação. – Este Espírito é bem singular; faz parte dessa classe numerosa de seres invisíveis que não se elevaram em coisa alguma acima da condição de humanidade; só têm de menos o corpo material, mas as ideias são exatamente as mesmas. Este não é um mau Espírito; não tem contra si senão a sensualidade, que é, ao mesmo tempo, para ele, um suplício e um gozo. Como Espírito não é, pois, muito infeliz; é até feliz a seu modo. Mas sabe Deus o que o espera numa nova existência! Um triste retorno poderá fazê-lo refletir e desenvolver o senso moral, ainda abafado pela preponderância dos sentidos.


3. BALTAZAR, O ESPÍRITO GASTRÔNOMO. — 2ª CONVERSA.

[Revista de dezembro de 1860.]

Um dos nossos assinantes, ao ler na Revista Espírita do mês de novembro a evocação do Espírito que se deu a conhecer pelo nome de Baltazar, julgou reconhecer um homem que havia conhecido pessoalmente, cuja vida e caráter coincidiam perfeitamente com todos os detalhes relatados. Não duvidava que fosse o mesmo que se tinha manifestado sob um nome de fantasia e pediu-nos que nos certificássemos em nova evocação. Segundo ele, Baltazar não era outro senão o Sr. G… de la R…, conhecido por suas excentricidades, sua fortuna e seu pendor gastronômico.


1. Evocação.

Resposta. – Ah! eis-me aqui; mas nunca tendes algo a me oferecer. Decididamente não sois amáveis.


2. Quereis dizer o que vos poderíamos oferecer para vos ser agradáveis?

Resposta. – Oh! pouca coisa: um chazinho; um jantarzinho muito fino, eu gostaria mais disso; e essas senhoras, sem contar os senhores aqui presentes, não o poriam de lado, haveis de concordar.


3. Conhecestes um certo Sr. G… de la R…?

Resposta. – Creio que sois curioso.


4. Não; não se trata de curiosidade; dizei, por obséquio, se o conhecestes.

Resposta. – Então quereis descobrir o meu incógnito.


5. Portanto, sois o Sr. G… de la R…? [Antes de acessar a biografia do Espírito comunicante na Wikipédia, confira as informações contidas na resposta à questão 12 do 1º diálogo.]

Resposta. – Ai! sim; e sem almoço.


6. Não fomos nós que descobrimos vosso incógnito, foi um dos vossos amigos aqui presente que vos reconheceu.

Resposta. – É um falador; deveria ter ficado calado.


7. Em que isto vos pode aborrecer?

Resposta. – Em nada; mas eu preferia não ter sido reconhecido imediatamente. Tanto faz, não esconderei meus gostos por isto. Se conhecêsseis os jantares que eu dava, convirias francamente que eram bons e tinham um valor que hoje não mais se aprecia.


8. Não; não os conhecia. Mas falemos mais seriamente, por favor, pondo de lado os jantares e ceias, que nada nos ensinam. Nosso objetivo é de nos instruirmos, razão por que vos pedimos dizer qual o sentimento que vos levou, no dia de vossa festa de formatura como advogado, a fazer jantar vossos confrades numa sala decorada em câmara mortuária?

Resposta. – Não desvendais, no meio de todas as minhas excentricidades de caráter, um fundo de tristeza causado pelos erros da sociedade, sobretudo pelo orgulho daquela que eu frequentava e da qual fazia parte pelo nascimento e pela fortuna? Eu buscava atordoar o coração por meio de todas as loucuras imagináveis e, por isso, me chamavam louco, extravagante. Pouco importava. Saindo desses jantares tão elogiados por sua originalidade, eu me apressava a praticar uma boa ação que ignoravam; mas para mim era indiferente: meu coração ficava satisfeito e os homens também. Eles riam de mim enquanto eu me divertia com eles. Que não direis dessa ceia, em que cada conviva tinha seu caixão atrás de si! Seus tristes semblantes me divertiam muito. Como vedes, era a loucura aparente unida à tristeza do coração.


9. Qual a vossa opinião atual sobre a Divindade?

Resposta. – Não esperei perder o corpo para acreditar em Deus. Ocorre apenas que esse corpo, que tanto amei, materializou meu Espírito a tal ponto, que lhe será preciso bastante tempo para quebrar todos os laços terrenos das paixões que o prendiam à Terra.


Observação. – Vê-se que podemos tirar, de um assunto aparentemente frívolo, muitos ensinamentos úteis. Não haverá algo de eminentemente instrutivo nesse Espírito que, conservando no além-túmulo os instintos corporais, reconhece que o abuso das paixões de certo modo materializou o seu Espírito?





Janeiro 2 CONSELHOS DE FAMÍLIA

Janeiro

1. — Certamente nossos leitores se lembram do artigo que publicamos no mês de setembro último, sob o título de Uma Família Espírita. As comunicações seguintes são muito semelhantes. Com efeito, são conselhos ditados numa reunião íntima, por um Espírito eminentemente superior e benevolente. Distinguem-se pelo encanto e pela doçura do estilo, a profundeza dos pensamentos e, além disso, por matizes de extrema delicadeza, apropriados à idade e ao caráter das pessoas a quem eram dirigidas. O Sr. Rabache, negociante de Bordeaux, que serviu de intermediário, houve por bem autorizar a sua publicação. Só podemos felicitar os médiuns que obtêm coisas semelhantes. É uma prova de que têm simpatias felizes no mundo invisível.


Castelo de Pechbusque, novembro de 1859.


(Primeira sessão.)

Foi perguntado ao Espírito protetor da família se ele podia dar alguns conselhos aos membros presentes; ele respondeu:

Sim. Tenham confiança em Deus e procurem instruir-se nas verdades imutáveis e eternas que lhes ensina o livro divino da Natureza. Ele contém toda a lei de Deus, e os que sabem ler e o compreendem são os únicos a seguirem o verdadeiro caminho da sabedoria. Que nada do que vejam seja negligenciado, porquanto cada coisa traz em si um ensinamento e deve, pelo uso do raciocínio, elevar a alma para Deus e dele aproximá-la. Em tudo quanto ferir a inteligência, procurem sempre distinguir o bem do mal: o primeiro, para o praticar; o segundo, para o evitar. Antes de formular um julgamento, voltem sempre o pensamento para o ETERNO, que os guiará ao bem, E NÃO OS ENGANARÁ JAMAIS.


(Segunda sessão.)

Boa-noite, meus filhos. Se me amais, procurai instruir-vos; reuni-vos muitas vezes com este pensamento. Ponde vossas ideias em comum: é um excelente meio, pois em geral não comunicamos senão as coisas que julgamos boas; temos vergonha das más. Assim, são guardadas em segredo ou só são comunicadas aos que queremos tornar cúmplices. Distinguem-se os bons dos maus pensamentos, porque os primeiros podem, sem nenhum receio, ser transmitidos a todo o mundo, ao passo que os últimos não poderiam, sem perigo, ser comunicados senão a alguns. Quando vos vier um pensamento, para julgar de seu valor perguntai-vos se podeis torná-lo público sem inconveniente e se não fará mal: se vossa consciência vo-lo autorizar, não temais, vosso pensamento é bom. Dai-vos mutuamente bons conselhos, tendo em vista somente o bem daquele a quem os dais, e não o vosso. Vossa recompensa estará no prazer que experimentareis por terdes sido úteis. A união dos corações é a mais fecunda fonte de felicidades; e, se muitos homens são infelizes, é que só procuram a felicidade para si mesmos. Ela lhes escapa precisamente porque julgam encontrá-la somente no egoísmo. Digo a felicidade e não a fortuna, porquanto esta última só tem servido como sustentáculo à injustiça, e o objetivo da existência é a justiça. Se a justiça fosse praticada entre os homens, o mais afortunado seria aquele que realizasse maior soma de boas obras. Se, pois, quiserdes tornar-vos ricos, meus filhos, praticai muitas ações boas. Pouco importam os bens do mundo; não é a satisfação da carne que se deve buscar, mas a da alma. Aquela é efêmera; esta é eterna.

Por hoje é bastante. Meditai estes conselhos e esforçai-vos para pô-los em prática: aí se encontra o caminho da salvação.


(Terceira sessão.)

Sim, meus filhos, eis-me aqui. Tende confiança em Deus, que jamais abandona os que fazem o bem. Aquilo que julgais um mal, por vezes só o é em relação às vossas concepções. Muitas vezes, também, o mal real vem apenas de um desânimo ocasionado por uma dificuldade, que a calma de espírito e a reflexão teriam evitado. Assim, refleti sempre e, como já vos disse, reportai tudo a Deus. Quando experimentardes qualquer pesar, longe de vos abandonar à tristeza, ao contrário, resisti e fazei todo esforço para triunfar, pensando que nada se obtém sem trabalho, e que algumas vezes o sucesso faz-se acompanhar de dificuldades. Invocai em vosso auxílio os Espíritos benevolentes. Eles não podem, como vos ensinam, fazer boas obras em vosso lugar, nem obter coisa alguma de Deus para vós, pois é preciso que cada um ganhe, por si mesmo, a perfeição a que todos estamos destinados; mas podem inspirar-vos o bem, sugerir-vos conduta conveniente e ajudar-vos com o seu concurso. Não se manifestam ostensivamente, mas no recolhimento. Escutai a voz da vossa consciência, lembrando-vos de meus conselhos precedentes. Confiança em Deus, calma e coragem.


(Quarta sessão.)

Boa-noite, meus filhos. Sim, é preciso continuar as sessões, até que um médium se manifeste, para substituir o que deve deixar-vos. O seu papel de iniciador entre vós está cumprido: continuai o que começastes, porque também servireis um dia à propagação da verdade que, neste momento, é proclamada no mundo inteiro pelas manifestações espíritas. Persuadi-vos, meus filhos, de que, em geral, o que se entende na Terra por Espírito, não é Espírito senão para vós. Depois que esse Espírito, ou alma, separa-se da matéria grosseira que o envolve, para vós não tem mais corpo, porque vossos olhos materiais não mais o veem. Mas é sempre matéria, relativamente aos que são mais elevados que ele. Para vós, crianças, vou fazer uma comparação muito imperfeita, mas que, no entanto, poderá dar-vos uma ideia da transformação a que chamais, impropriamente, de morte. Imaginai uma lagarta, que vedes diariamente. Quando se esgota o tempo de sua existência nesse estado ela se transforma em crisálida; passa ainda algum tempo como tal e depois, chegado o momento, despoja-se de seu invólucro grosseiro e dá origem a uma borboleta, que voa. Ora, a lagarta, ao deixar sua natureza inferior, representa o homem que morre; a borboleta simboliza a alma que se eleva. A lagarta arrasta-se no chão, a borboleta voa para o céu; mudou de matéria, mas ainda é material. Se a lagarta raciocinasse não veria a borboleta que, entretanto, teria saído da carapaça apodrecida da crisálida. Portanto, o corpo não pode ver a alma, mas a alma, envolvida pela matéria, tem consciência de sua existência e o próprio materialista por vezes o sente interiormente. Então seu orgulho o impede de concordar e fica com sua ciência sem crença, sem se elevar, até que finalmente lhe chegue a dúvida. Nem tudo, porém, está acabado, porque nele a luta é maior. Será apenas uma questão de tempo, porque, meus amigos, lembrai-vos de que todos os filhos de Deus foram criados para a perfeição. Felizes os que não perdem tempo pelo caminho. A eternidade compõe-se de dois períodos: o da prova, que poderia chamar-se de incubação, e o da eclosão, ou entrada na vida verdadeira, que chamais a felicidade dos eleitos.


(Quinta sessão.)

Meus Caros filhos, vejo com satisfação que começais a refletir nos avisos e conselhos que vos dou. Sei que para o atual desenvolvimento de vossa inteligência, há, simultaneamente, muito assunto para reflexão; contudo, devo aproveitar a ocasião que se apresenta, porquanto, dentro de alguns dias esse meio não mais estará à minha disposição, e era necessário ferir a vossa imaginação de maneira a vos sugerir o desejo de continuar as vossas sessões, até que algum de vós pudesse substituir o médium atual. Espero que essas poucas sessões, sobre as quais vos incito a meditar demoradamente, terão bastado para vos despertar a atenção e o desejo de aprofundar mais esse vasto campo de investigações. Tomai por regra jamais buscar a satisfação da vã curiosidade e, sim, de vos instruir e de vos aperfeiçoar. É inútil vos preocupardes com a diferença que possa existir entre o que vos ensinarei e o que sabeis ou julgais saber. Cada vez que vos for dada uma instrução, perguntai se é justa e se responde às exigências da consciência e da equidade. Quando a resposta for afirmativa, não vos inquieteis por saber se concorda com o que vos tiver sido dito. Que vos importa isto! O importante é o justo, o consciencioso e o equitativo: tudo quanto reúne essas condições é de Deus. Obedecer a uma boa consciência, não fazer senão coisas úteis, evitar todas quanto, não sendo más, não tenham utilidade – eis o essencial; porque fazer algo de inútil já é fazer o mal. Evitai escandalizar, mesmo pelo vosso aperfeiçoamento: há situações em que a simples vista de vossa mudança pode produzir um mau efeito; assim, por exemplo, a luz do dia não poderia, sem perigo, ferir de súbito a vista de um homem encerrado num cárcere escuro. Que o vosso progresso, então, não seja entregue à investigação, senão conforme vos aconselhar a sabedoria. Aperfeiçoai-vos sempre; só o vereis quando for tempo. Aqueles para quem escrevo este conselho o compreendem, sem que eu tenha de ser mais explícito. Sua consciência lhes dirá.

Coragem, pois, e perseverança! São as únicas leis do sucesso.


Observação. – O último conselho não poderia ter aplicação geral. Evidentemente o Espírito teve um especial, como ele próprio o disse; do contrário, poderíamos enganar-nos quanto ao sentido e o alcance de suas palavras.


[Revista de fevereiro de 1860.]

2. CONSELHOS DE FAMÍLIA.

Continuação. (Ver o nº de janeiro. – Lido na Sociedade a 20 de janeiro de 1860.)

Meus caros filhos: Em minhas instruções precedentes aconselhei-vos a calma e a coragem; entretanto, nem todos as mostrais quanto deveríeis. Pensai que o lamento jamais acalma a dor: ao contrário esta tende a aumentar. Um bom conselho, uma boa palavra, um sorriso, um simples gesto, dão força e coragem. Uma lágrima amolece o coração, em vez de endurecê-lo. Chorai, se a isso vos impele o coração, preferencialmente nos momentos de solidão, e não em presença dos que necessitam de toda a sua força e de toda a sua energia, que uma lágrima ou um suspiro podem diminuir ou enfraquecer. Todos necessitamos de encorajamento e nada é mais próprio a nos encorajar que uma voz amiga, um olhar benevolente, uma palavra vinda do coração. Quando vos aconselhei a vos reunirdes, não foi para que reunísseis vossas lágrimas e amarguras; não era para vos excitar a prece, que não prova senão uma boa intenção, mas, sim, para que unísseis vossos pensamentos, vossos esforços mútuos e coletivos; para que mutuamente vos désseis bons conselhos e procurásseis, em comum, não o meio de vos entristecer, mas a marcha a seguir para vencer os obstáculos que se apresentam diante de vós. Em vão um infeliz que não tem pão se lançará de joelhos para rogar a Deus o alimento que não cairá do céu. Que ele trabalhe e, por pouco obtenha, isso valerá mais do que todas as suas preces. A prece mais agradável a Deus é o trabalho útil, seja qual for. Eu o repito: A prece prova uma boa intenção, um bom sentimento, mas não pode produzir senão um efeito moral, desde que é toda moral. É excelente como um consolo da alma, porquanto a alma que ora sinceramente encontra na prece um alívio às suas dores morais: fora destes efeitos e dos que decorrem da prece, como já vos expliquei em outras instruções, nada espereis, pois sereis iludidos em vossa esperança.

Segui, pois, exatamente os meus conselhos. Não vos contenteis em pedir a Deus que vos ajude: ajudai-vos a vós mesmos, porque assim provareis a sinceridade de vossa prece. Seria muito cômodo, na verdade, que bastasse pedir uma coisa nas preces para que ela vos fosse concedida! Seria o maior estímulo à preguiça e à negligência das boas ações. Eu poderia estender-me ainda mais a este respeito, mas seria demasiado para vós. Vosso estado de adiantamento não o comporta. Meditai sobre esta instrução, como sobre as precedentes: elas são susceptíveis de ocupar por muito tempo vossos Espíritos, pois contêm em germe tudo quanto vos será desvendado no futuro. Segui meus conselhos anteriores.