O Sr. Jobard, de Bruxelas, nos envia a carta que segue, bem como as respostas por ele obtidas às diversas perguntas.
“Meu caro Presidente,
“Estando Bruxelas tão longe de Paris quanto a Lua do Sol, os raios do Espiritismo ainda não a aqueceram. Entretanto o Sr. Nicolas B..., tendo-me consagrado dois dias, nos indicou um médium intuitivo escrevente de primeira qualidade, que nos encanta diariamente, tanto que ele mesmo está admirado dos magníficos ditados que lhe são feitos pelo Espírito de Tertuliano, o qual deseja que ele escreva um livro explicativo do quadro da criação dos mundos, a partir do caos até Deus. Eu o li ontem ao grande pintor Wiertz, que o compreendeu e lhe quer consagrar uma página de 100 pés. Não ouso enviar-vos esses sublimes ditados antes que vos tenhais assegurado da identidade do personagem. Junto apenas duas ou três passagens que acabo de extrair dos rascunhos mediúnicos que conservo cuidadosamente.
“Nós chamamos Cabanis, o materialista, que é tão infeliz quanto o vosso ateu e todos os outros quebradores de lápis. Chamai, então, a Henri Mondeux, para saber a longa fieira de matemáticos que ele deve ter habitado. Todo mundo quer que seja descoberto Jud, o assassino do Sr. Poinsot. A reedição de Gaëte nos foi anunciada com oito dias de antecedência. Eu também tenho ordem de escrever um livro, mas não sei por onde começar, não sendo nem podendo me tornar um médium escrevente, sob o pretexto de que não é mais necessário. Vosso discurso de Lyon é admirável. Eu determinei que fosse lido para os humânimais mais adiantados de nossa Lua. Não há muitos aqui. Que pena! Quando poderei ir aquecer-me ao vosso Sol? Adeus, caro Mestre.
JOBARD
1. ─
Os magos, os sábios, os grandes filósofos e os profetas antigos não eram
médiuns?
─ Evidentemente, sim. O laço que os unia às
inteligências superiores agia sobre eles e lhes inspirava nobres pensamentos,
sem falar de sua própria superioridade, que lhes permitia emitissem apreciações
mais exatas. Eles transmitiam aos Espíritos encarnados ideias que pareciam
profecias, porque as profecias não passam de comunicações vindas dos grandes
Espíritos. E como estes possuem uma parte dos atributos divinos, as ideias
enunciadas tinham um caráter de adivinhação e forçosamente se realizaram nos
tempos e datas indicados.
2. ─
A mediunidade é, pois, um favor aos que a possuem?
─ O verdadeiro médium, que não faz profissão desse
dom sublime, evidentemente deve tornar-se melhor. Como não poderia sê-lo,
quando a cada instante pode receber impressões tão favoráveis ao seu progresso
no caminho do bem? As ideias filosóficas que emite, não só por seu próprio
Espírito, mas ainda, e sobretudo, por nós, são retificadas naquilo que a sua
inteligência, muito fraca, pudesse compreender mal e mal enunciar.
OBSERVAÇÃO DO SR. JOBABD: Destas respostas cheias de
justeza seguese que multiplicando-se os bons médiuns, a raça humana,
melhorando-se por eles, num dado tempo acabará por trazer o Reino de Deus para
a Terra.
3. ─
Nas estatísticas da criminalidade nota-se que os operários que trabalham o
ferro figuram raramente. Teria o ferro alguma influência sobre eles?
— Sim, porque nesse trabalho manual de transformação
da matéria existe algo que deve elevar o espírito, ainda o menos dotado. Uma
influência magnética age sobre ele. O ferro é o pai de todos os minerais: é o
mais útil ao homem e representa para ele a vida de todos os dias, ao passo que
os metais que chamais ricos representam
para os espíritos menos evoluídos a fonte da satisfação de todas as paixões
humanas. São os instrumentos do espírito do mal.
4. ─
Os metais podem transformar-se, todos, uns nos outros, como pretendem certos
sábios?
─ Sim. Mas tal transformação só se
fará com o tempo.
5. ─
E o diamante?
─ É carbono desprendido da fonte que o produziu em
estado gasoso e que se cristalizou sob pressões que não podeis apreciar. Mas
chega de perguntas. Não posso respondê-las.
TERTULIANO
OBSERVAÇÃO DO SR. JOBARD: Geralmente os Espíritos se
recusam a responder às perguntas que poderiam fazer a fortuna de um homem sem
trabalho. A este cabe buscar, porque as pesquisas fazem parte das provas que
deve sofrer na penitenciária que
devemos atravessar. É provável que os Espíritos não saibam mais que nós quanto
às descobertas a fazer; podem, entretanto, pressenti-las, como nós; podem
guiar-nos em nossas pesquisas, mas não nos podem evitar o prazer ou o trabalho
de pesquisar. Nem por isso é menos agradável, quando julgamos ter uma solução,
obter a sua aprovação, que podemos considerar como uma confirmação.
NOTA: Sobre o assunto da observação acima, vide o Livro dos Espíritos, nº. 532 e
seguintes; o Livro dos Médiuns, cap.
das Evocações - Perguntas que podem ser
feitas aos Espíritos, nº. 78 e seguintes.
OBSERVAÇÃO DO SR. ALLAN KARDEC: A carta do nosso
honrado confrade é anterior à publicação do número de março da Revista, no qual
inserimos um artigo sobre o Sr. Poinsot. Quanto a Henri Mondeux, várias
explicações foram dadas na Sociedade, mas as circunstâncias não permitiram
ainda completar sua evocação, motivo pelo qual ainda não nos manifestamos.
Quanto ao pedido do Sr. Jobard de nos assegurarmos da identidade do Espírito
que se comunicou sob o nome de Tertuliano, já lhe respondemos em tempo o que a
respeito dissemos em nosso Livro dos
Médiuns. Não poderia haver provas materiais de identidade do Espírito de
personagens antigos. Sobretudo quando se trata de um ensinamento superior, o
mais das vezes o nome é apenas um meio de fixar as ideias, visto que entre os
Espíritos que nos vêm instruir, o número dos desconhecidos na Terra é
incontestavelmente o maior. O nome é mais um sinal de analogia do que de
identidade. Só se deve ligarlhe uma importância secundária. O que há a
considerar, antes de tudo, é a bondade e a racionalidade do ensino. Se em nada
desmentir o caráter do Espírito cujo nome toma, se estiver à sua altura, é o
essencial. Se for inferior, a origem deve ser suspeita, porque um Espírito pode
fazer melhor, mas não pior do que quando vivo, desde que pode ganhar, mas não
perder o que adquiriu. As respostas seguintes, consideradas sob tal ponto de
vista, nos parecem atribuíveis a Tertuliano, de onde concluímos que pode ser
ele, sem poder afirmá-lo, ou um Espírito de seu nível, que tomou esse nome para
indicar a categoria que ocupa.
As perguntas e respostas que se seguem nos foram
enviadas por um de nossos correspondentes em São Petersburgo.
1. ─
Eu queria entender qual pode ser a finalidade da beleza no Universo. Não será um escolho que serve de provação?
─ Crê-se em tudo o que se espera; espera-se tudo o
que se ama; ama-se tudo o que é belo. Assim, a beleza contribui para fortalecer
a fé. Se muitas vezes ela se torna uma tentação, não é por causa da beleza em
si, que é um atributo das obras de Deus, mas por causa das paixões que,
semelhantes às Harpias, fanam tudo o que tocam.
2. ─
E que dirás do amor?
─ É um bem de Deus, quando germina e se desenvolve
num coração não corrompido, casto e puro; é uma calamidade quando as paixões a
ele se misturam. Tanto eleva e depura no primeiro caso, quanto perturba e agita
no segundo. É sempre a mesma admirável lei do Eterno: beleza, amor, memória de
outra existência, talentos que trazeis ao nascer. Todos os dons do Criador
podem tornar-se venenos ao sopro contaminado das paixões que o livre-arbítrio
pode conter ou desenvolver.
3. ─
Peço a um bom Espírito a bondade de me esclarecer quanto às perguntas que lhe
vou submeter, a propósito dos fatos relatados às páginas 223 e seguintes do Livro dos Médiuns sobre a
transfiguração.
─ Pergunte.
4. ─
Se no aumento do volume e do peso da mocinha dos arredores de SaintÉtienne, o
fenômeno se produzia pelo adensamento de seu perispírito, combinado com o de
seu irmão, como é que os olhos dela, que deviam ter ficado no mesmo lugar,
podiam ver através da espessa camada de um novo corpo, que se formava ante
eles?
─ Como veem os sonâmbulos com as
pálpebras fechadas: pelos olhos da alma.
5. ─
No citado fenômeno o corpo aumentou. No fim do Capítulo VIII está dito que é
provável que se a transfiguração tivesse ocorrido sob o aspecto de uma
criancinha, o peso teria diminuído proporcionalmente. Não posso me dar conta,
de acordo com a teoria da radiação e da transfiguração do perispírito, que ela
pudesse reduzir um corpo sólido. Parece-me que este deveria ultrapassar os dois
perispírito combinados.
─ Como o corpo pode tornar-se invisível pela vontade
de um Espírito superior, o da mocinha se torna invisível por uma força
independente de sua vontade. Ao mesmo tempo, combinando-se com o da criança,
seu perispírito pode formar, e com efeito forma, a imagem dessa criança. A
teoria da mudança do peso específico te é conhecida.
6. ─
Depois de ter dissipado uma a uma as minhas dúvidas e reafirmado minha fé na
sua base, o Espiritismo me deixa uma questão não resolvida. Ei-la. Como os
Espíritos novos, que Deus cria, e que se destinam a um dia tornar-se Espíritos
puros depois de terem passado pela peneira de uma porção de existências e de
provas, saem tão imperfeitos das mãos do Criador, que é a fonte de toda
perfeição e não se melhoram gradativamente senão se afastando de sua origem?
─ Esse mistério é um dos que o Eterno não nos permite
penetrar antes que nós, Espíritos errantes ou encarnados, tenhamos atingido a
perfeição que nos é assinalada graças à bondade divina, perfeição que nos
reaproximará de nossa origem e fechará o círculo da eternidade.
OBSERVAÇÃO: Nosso correspondente não nos diz qual foi
o Espírito que lhe respondeu, mas a sabedoria de suas respostas prova que não é
um Espírito vulgar, eis o essencial, porque, como se sabe, o nome pouco
importa. Nada temos a dizer quanto às suas primeiras respostas, que em todos os
pontos concordam com o que nos foi ensinado, prova de que a teoria que demos
dos fenômenos espíritas não é produto de nossa imaginação, pois que é dada por
outros Espíritos, em tempos e lugares diversos e fora de nossa influência
pessoal. Somente a última resposta não resolve a pergunta feita, por isso vamos
tratar de complementá-la. Digamos para começar que a solução pode ser deduzida
facilmente do que está dito com algum desenvolvimento no Livro dos Espíritos, sobre a progressão
dos Espíritos, n.º 114 e seguintes. Teremos pouco a acrescentar. Os
Espíritos saem das mãos do Criador simples e ignorantes, mas nem são bons, nem
maus, pois do contrário, desde a sua origem, Deus teria votado uns ao bem e à
felicidade, e outros ao mal e à desgraça, o que não estaria em concordância nem
com a sua bondade, nem com a sua justiça. No momento de sua criação, os
Espíritos não são imperfeitos senão do ponto de vista do desenvolvimento
intelectual e moral, como a criança ao nascer; como o germe contido no grão da
árvore. Mas não são maus por natureza. Ao mesmo tempo que neles se desenvolve a
razão, o livre-arbítrio em virtude do qual escolhem uns o bom caminho e outros
o mau, faz que uns cheguem ao objetivo mais cedo que outros. Mas todos, sem
exceção, devem passar pelas vicissitudes da vida corpórea, a fim de adquirir a
experiência e de ter o mérito da luta. Ora, nessa luta uns triunfam e outros
sucumbem, mas os vencidos podem sempre reerguer-se e resgatar as suas derrotas.
Esta questão levanta outra, mais grave, que várias
vezes nos foi apresentada. É a seguinte: Deus, que tudo sabe, o passado, o
presente e o futuro, deve saber que tal Espírito tomará o mau caminho, sucumbirá
e será infeliz. Neste caso, por que o criou?
Sim. Certamente Deus sabe muito bem a linha que
seguirá um Espírito, do contrário não teria a ciência soberana. Se o mau
caminho a que se atira o Espírito devesse fatalmente conduzi-lo a uma eternidade absoluta de penas e
sofrimentos; se, porque tivesse falido, lhe fosse para sempre vedado
reabilitar-se, a objeção acima teria uma força de lógica incontestável e talvez
aí esteja o mais poderoso argumento contra o dogma dos suplícios eternos,
porque, neste caso, impossível é sair do dilema: ou Deus não conhece a sorte
reservada à sua criatura e então não tem a soberana ciência, ou, se a conhece,
Ele a criou para ser eternamente infeliz, e então não tem a soberana bondade.
Com a Doutrina Espírita, tudo concorda perfeitamente, e não há contradição:
Deus sabe que um Espírito toma um mau caminho; conhece todos os perigos de que
está este repleto, mas também sabe que dele sairá e que apenas terá um atraso.
Em sua bondade, e para lhe facilitar, Ele multiplica em sua rota as
advertências salutares, das quais infelizmente o Espírito nem sempre se
aproveita. É a história de dois viajantes que querem chegar a uma bela região
onde viverão felizes. Um sabe evitar os obstáculos, as tentações que o fariam
parar no caminho; o outro, por imprudência, choca-se nos mesmos obstáculos,
leva quedas que o atrasam, mas chegará por sua vez. Se, durante a caminhada,
pessoas caridosas o previnem dos perigos que corre e se, por presunção, não as
escuta, não será senão mais repreensível.
O dogma da eternidade absoluta das penas abre brecha
por todos os lados, não só pelo ensino dos Espíritos, mas pela simples lógica
do bom-senso. Sustentá-lo é desconhecer os atributos mais essenciais da
Divindade; é contradizer-se afirmando de um lado o que se nega do outro; ele
cai e as fileiras de seus partidários se esclarecem dia a dia, de tal sorte
que, se é absolutamente necessário nele crer para ser católico, em breve não
haverá mais verdadeiros católicos, assim como hoje não os haveria se a Igreja
tivesse persistido em fazer artigo de fé o movimento do Sol e os seis dias da
Criação. Persistir numa tese que a razão repele, é desfechar um golpe fatal na
religião e dar armas ao materialismo. Em sentido contrário, o Espiritismo vem
reanimar o sentimento religioso que se dobra aos golpes desferidos pela
incredulidade, dando sobre as questões do futuro uma solução que o mais severo
raciocínio pode admitir. Rejeitá-lo é recusar a tábua de salvação.