Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1861

Capítulo XXXI

Maio - Questões e problemas diversos

Maio

O Sr. Jobard, de Bruxelas, nos envia a carta que segue, bem como as respostas por ele obtidas às diversas perguntas.

“Meu caro Presidente,

“Estando Bruxelas tão longe de Paris quanto a Lua do Sol, os raios do Espiritismo ainda não a aqueceram. Entretanto o Sr. Nicolas B..., tendo-me consagrado dois dias, nos indicou um médium intuitivo escrevente de primeira qualidade, que nos encanta diariamente, tanto que ele mesmo está admirado dos magníficos ditados que lhe são feitos pelo Espírito de Tertuliano, o qual deseja que ele escreva um livro explicativo do quadro da criação dos mundos, a partir do caos até Deus. Eu o li ontem ao grande pintor Wiertz, que o compreendeu e lhe quer consagrar uma página de 100 pés. Não ouso enviar-vos esses sublimes ditados antes que vos tenhais assegurado da identidade do personagem. Junto apenas duas ou três passagens que acabo de extrair dos rascunhos mediúnicos que conservo cuidadosamente.

“Nós chamamos Cabanis, o materialista, que é tão infeliz quanto o vosso ateu e todos os outros quebradores de lápis. Chamai, então, a Henri Mondeux, para saber a longa fieira de matemáticos que ele deve ter habitado. Todo mundo quer que seja descoberto Jud, o assassino do Sr. Poinsot. A reedição de Gaëte nos foi anunciada com oito dias de antecedência. Eu também tenho ordem de escrever um livro, mas não sei por onde começar, não sendo nem podendo me tornar um médium escrevente, sob o pretexto de que não é mais necessário. Vosso discurso de Lyon é admirável. Eu determinei que fosse lido para os humânimais mais adiantados de nossa Lua. Não há muitos aqui. Que pena! Quando poderei ir aquecer-me ao vosso Sol? Adeus, caro Mestre.

JOBARD

1. ─ Os magos, os sábios, os grandes filósofos e os profetas antigos não eram médiuns? ─ Evidentemente, sim. O laço que os unia às inteligências superiores agia sobre eles e lhes inspirava nobres pensamentos, sem falar de sua própria superioridade, que lhes permitia emitissem apreciações mais exatas. Eles transmitiam aos Espíritos encarnados ideias que pareciam profecias, porque as profecias não passam de comunicações vindas dos grandes Espíritos. E como estes possuem uma parte dos atributos divinos, as ideias enunciadas tinham um caráter de adivinhação e forçosamente se realizaram nos tempos e datas indicados.

2. ─ A mediunidade é, pois, um favor aos que a possuem? ─ O verdadeiro médium, que não faz profissão desse dom sublime, evidentemente deve tornar-se melhor. Como não poderia sê-lo, quando a cada instante pode receber impressões tão favoráveis ao seu progresso no caminho do bem? As ideias filosóficas que emite, não só por seu próprio Espírito, mas ainda, e sobretudo, por nós, são retificadas naquilo que a sua inteligência, muito fraca, pudesse compreender mal e mal enunciar.

OBSERVAÇÃO DO SR. JOBABD: Destas respostas cheias de justeza seguese que multiplicando-se os bons médiuns, a raça humana, melhorando-se por eles, num dado tempo acabará por trazer o Reino de Deus para a Terra.

3. ─ Nas estatísticas da criminalidade nota-se que os operários que trabalham o ferro figuram raramente. Teria o ferro alguma influência sobre eles? — Sim, porque nesse trabalho manual de transformação da matéria existe algo que deve elevar o espírito, ainda o menos dotado. Uma influência magnética age sobre ele. O ferro é o pai de todos os minerais: é o mais útil ao homem e representa para ele a vida de todos os dias, ao passo que os metais que chamais ricos representam para os espíritos menos evoluídos a fonte da satisfação de todas as paixões humanas. São os instrumentos do espírito do mal.

4. ─ Os metais podem transformar-se, todos, uns nos outros, como pretendem certos sábios? ─ Sim. Mas tal transformação só se fará com o tempo. 5. ─ E o diamante? ─ É carbono desprendido da fonte que o produziu em estado gasoso e que se cristalizou sob pressões que não podeis apreciar. Mas chega de perguntas. Não posso respondê-las.

TERTULIANO

OBSERVAÇÃO DO SR. JOBARD: Geralmente os Espíritos se recusam a responder às perguntas que poderiam fazer a fortuna de um homem sem trabalho. A este cabe buscar, porque as pesquisas fazem parte das provas que deve sofrer na penitenciária que devemos atravessar. É provável que os Espíritos não saibam mais que nós quanto às descobertas a fazer; podem, entretanto, pressenti-las, como nós; podem guiar-nos em nossas pesquisas, mas não nos podem evitar o prazer ou o trabalho de pesquisar. Nem por isso é menos agradável, quando julgamos ter uma solução, obter a sua aprovação, que podemos considerar como uma confirmação.

NOTA: Sobre o assunto da observação acima, vide o Livro dos Espíritos, nº. 532 e seguintes; o Livro dos Médiuns, cap. das Evocações - Perguntas que podem ser feitas aos Espíritos, nº. 78 e seguintes.

OBSERVAÇÃO DO SR. ALLAN KARDEC: A carta do nosso honrado confrade é anterior à publicação do número de março da Revista, no qual inserimos um artigo sobre o Sr. Poinsot. Quanto a Henri Mondeux, várias explicações foram dadas na Sociedade, mas as circunstâncias não permitiram ainda completar sua evocação, motivo pelo qual ainda não nos manifestamos. Quanto ao pedido do Sr. Jobard de nos assegurarmos da identidade do Espírito que se comunicou sob o nome de Tertuliano, já lhe respondemos em tempo o que a respeito dissemos em nosso Livro dos Médiuns. Não poderia haver provas materiais de identidade do Espírito de personagens antigos. Sobretudo quando se trata de um ensinamento superior, o mais das vezes o nome é apenas um meio de fixar as ideias, visto que entre os Espíritos que nos vêm instruir, o número dos desconhecidos na Terra é incontestavelmente o maior. O nome é mais um sinal de analogia do que de identidade. Só se deve ligarlhe uma importância secundária. O que há a considerar, antes de tudo, é a bondade e a racionalidade do ensino. Se em nada desmentir o caráter do Espírito cujo nome toma, se estiver à sua altura, é o essencial. Se for inferior, a origem deve ser suspeita, porque um Espírito pode fazer melhor, mas não pior do que quando vivo, desde que pode ganhar, mas não perder o que adquiriu. As respostas seguintes, consideradas sob tal ponto de vista, nos parecem atribuíveis a Tertuliano, de onde concluímos que pode ser ele, sem poder afirmá-lo, ou um Espírito de seu nível, que tomou esse nome para indicar a categoria que ocupa. As perguntas e respostas que se seguem nos foram enviadas por um de nossos correspondentes em São Petersburgo.

1. ─ Eu queria entender qual pode ser a finalidade da beleza no Universo. Não será um escolho que serve de provação? ─ Crê-se em tudo o que se espera; espera-se tudo o que se ama; ama-se tudo o que é belo. Assim, a beleza contribui para fortalecer a fé. Se muitas vezes ela se torna uma tentação, não é por causa da beleza em si, que é um atributo das obras de Deus, mas por causa das paixões que, semelhantes às Harpias, fanam tudo o que tocam.

2. ─ E que dirás do amor? ─ É um bem de Deus, quando germina e se desenvolve num coração não corrompido, casto e puro; é uma calamidade quando as paixões a ele se misturam. Tanto eleva e depura no primeiro caso, quanto perturba e agita no segundo. É sempre a mesma admirável lei do Eterno: beleza, amor, memória de outra existência, talentos que trazeis ao nascer. Todos os dons do Criador podem tornar-se venenos ao sopro contaminado das paixões que o livre-arbítrio pode conter ou desenvolver.

3. ─ Peço a um bom Espírito a bondade de me esclarecer quanto às perguntas que lhe vou submeter, a propósito dos fatos relatados às páginas 223 e seguintes do Livro dos Médiuns sobre a transfiguração. ─ Pergunte.

4. ─ Se no aumento do volume e do peso da mocinha dos arredores de SaintÉtienne, o fenômeno se produzia pelo adensamento de seu perispírito, combinado com o de seu irmão, como é que os olhos dela, que deviam ter ficado no mesmo lugar, podiam ver através da espessa camada de um novo corpo, que se formava ante eles? ─ Como veem os sonâmbulos com as pálpebras fechadas: pelos olhos da alma.

5. ─ No citado fenômeno o corpo aumentou. No fim do Capítulo VIII está dito que é provável que se a transfiguração tivesse ocorrido sob o aspecto de uma criancinha, o peso teria diminuído proporcionalmente. Não posso me dar conta, de acordo com a teoria da radiação e da transfiguração do perispírito, que ela pudesse reduzir um corpo sólido. Parece-me que este deveria ultrapassar os dois perispírito combinados. ─ Como o corpo pode tornar-se invisível pela vontade de um Espírito superior, o da mocinha se torna invisível por uma força independente de sua vontade. Ao mesmo tempo, combinando-se com o da criança, seu perispírito pode formar, e com efeito forma, a imagem dessa criança. A teoria da mudança do peso específico te é conhecida.

6. ─ Depois de ter dissipado uma a uma as minhas dúvidas e reafirmado minha fé na sua base, o Espiritismo me deixa uma questão não resolvida. Ei-la. Como os Espíritos novos, que Deus cria, e que se destinam a um dia tornar-se Espíritos puros depois de terem passado pela peneira de uma porção de existências e de provas, saem tão imperfeitos das mãos do Criador, que é a fonte de toda perfeição e não se melhoram gradativamente senão se afastando de sua origem? ─ Esse mistério é um dos que o Eterno não nos permite penetrar antes que nós, Espíritos errantes ou encarnados, tenhamos atingido a perfeição que nos é assinalada graças à bondade divina, perfeição que nos reaproximará de nossa origem e fechará o círculo da eternidade.

OBSERVAÇÃO: Nosso correspondente não nos diz qual foi o Espírito que lhe respondeu, mas a sabedoria de suas respostas prova que não é um Espírito vulgar, eis o essencial, porque, como se sabe, o nome pouco importa. Nada temos a dizer quanto às suas primeiras respostas, que em todos os pontos concordam com o que nos foi ensinado, prova de que a teoria que demos dos fenômenos espíritas não é produto de nossa imaginação, pois que é dada por outros Espíritos, em tempos e lugares diversos e fora de nossa influência pessoal. Somente a última resposta não resolve a pergunta feita, por isso vamos tratar de complementá-la. Digamos para começar que a solução pode ser deduzida facilmente do que está dito com algum desenvolvimento no Livro dos Espíritos, sobre a progressão dos Espíritos, n.º 114 e seguintes. Teremos pouco a acrescentar. Os Espíritos saem das mãos do Criador simples e ignorantes, mas nem são bons, nem maus, pois do contrário, desde a sua origem, Deus teria votado uns ao bem e à felicidade, e outros ao mal e à desgraça, o que não estaria em concordância nem com a sua bondade, nem com a sua justiça. No momento de sua criação, os Espíritos não são imperfeitos senão do ponto de vista do desenvolvimento intelectual e moral, como a criança ao nascer; como o germe contido no grão da árvore. Mas não são maus por natureza. Ao mesmo tempo que neles se desenvolve a razão, o livre-arbítrio em virtude do qual escolhem uns o bom caminho e outros o mau, faz que uns cheguem ao objetivo mais cedo que outros. Mas todos, sem exceção, devem passar pelas vicissitudes da vida corpórea, a fim de adquirir a experiência e de ter o mérito da luta. Ora, nessa luta uns triunfam e outros sucumbem, mas os vencidos podem sempre reerguer-se e resgatar as suas derrotas.

Esta questão levanta outra, mais grave, que várias vezes nos foi apresentada. É a seguinte: Deus, que tudo sabe, o passado, o presente e o futuro, deve saber que tal Espírito tomará o mau caminho, sucumbirá e será infeliz. Neste caso, por que o criou?

Sim. Certamente Deus sabe muito bem a linha que seguirá um Espírito, do contrário não teria a ciência soberana. Se o mau caminho a que se atira o Espírito devesse fatalmente conduzi-lo a uma eternidade absoluta de penas e sofrimentos; se, porque tivesse falido, lhe fosse para sempre vedado reabilitar-se, a objeção acima teria uma força de lógica incontestável e talvez aí esteja o mais poderoso argumento contra o dogma dos suplícios eternos, porque, neste caso, impossível é sair do dilema: ou Deus não conhece a sorte reservada à sua criatura e então não tem a soberana ciência, ou, se a conhece, Ele a criou para ser eternamente infeliz, e então não tem a soberana bondade. Com a Doutrina Espírita, tudo concorda perfeitamente, e não há contradição: Deus sabe que um Espírito toma um mau caminho; conhece todos os perigos de que está este repleto, mas também sabe que dele sairá e que apenas terá um atraso. Em sua bondade, e para lhe facilitar, Ele multiplica em sua rota as advertências salutares, das quais infelizmente o Espírito nem sempre se aproveita. É a história de dois viajantes que querem chegar a uma bela região onde viverão felizes. Um sabe evitar os obstáculos, as tentações que o fariam parar no caminho; o outro, por imprudência, choca-se nos mesmos obstáculos, leva quedas que o atrasam, mas chegará por sua vez. Se, durante a caminhada, pessoas caridosas o previnem dos perigos que corre e se, por presunção, não as escuta, não será senão mais repreensível.

O dogma da eternidade absoluta das penas abre brecha por todos os lados, não só pelo ensino dos Espíritos, mas pela simples lógica do bom-senso. Sustentá-lo é desconhecer os atributos mais essenciais da Divindade; é contradizer-se afirmando de um lado o que se nega do outro; ele cai e as fileiras de seus partidários se esclarecem dia a dia, de tal sorte que, se é absolutamente necessário nele crer para ser católico, em breve não haverá mais verdadeiros católicos, assim como hoje não os haveria se a Igreja tivesse persistido em fazer artigo de fé o movimento do Sol e os seis dias da Criação. Persistir numa tese que a razão repele, é desfechar um golpe fatal na religião e dar armas ao materialismo. Em sentido contrário, o Espiritismo vem reanimar o sentimento religioso que se dobra aos golpes desferidos pela incredulidade, dando sobre as questões do futuro uma solução que o mais severo raciocínio pode admitir. Rejeitá-lo é recusar a tábua de salvação.