Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1861

Capítulo LX

Outubro - Discurso do Sr. Allan Kardec no banquete de Lyon

Outubro

Senhoras e senhores, todos vós, meus caros e bons irmãos no Espiritismo,

Se há circunstâncias em que se possa lamentar a insuficiência de nossa pobre linguagem humana, é quando se trata de exprimir certos sentimentos, e esta é, no momento, a minha posição. O que experimento é ao mesmo tempo uma surpresa muito agradável, quando vejo o terreno imenso que a Doutrina Espírita ganhou entre vós desde há um ano, e eu admiro a Providência; é uma alegria indizível à vista do bem que ela aqui produz e das consolações que espalha sobre tantas dores ostensivas ou ocultas, do que deduzo o futuro que a aguarda; é uma felicidade inexprimível encontrar-me em meio a esta família, que em pouco tempo se tornou tão numerosa e que cresce diariamente; é, enfim e acima de tudo, uma profunda e sincera gratidão pelos tocantes testemunhos de simpatia que de vós recebo.

Esta reunião tem um caráter particular. Graças a Deus, aqui somos todos espíritas suficientemente bons, penso eu, para não vermos senão o prazer de nos acharmos juntos, e não o de nos acharmos à mesa. E, diga-se de passagem, creio mesmo que um festim de espíritas seria uma contradição. Presumo, também, que me convidando tão graciosamente e com tanta instância para vir ao vosso meio, não pensastes que um banquete fosse para mim motivo de atração. Foi o que me apressei a escrever aos meus bons amigos Rey e Dijoud, quando se desculparam pela simplicidade da recepção. Porque, ficai bem certos, o que mais me honra nesta circunstância, aquilo de que posso, com razão, estar orgulhoso, é a cordialidade e a sinceridade do acolhimento, o que se encontra muito raramente nas recepções aparatosas, pois aqui não há máscaras nos rostos.

Se uma coisa pudesse diminuir a felicidade que tenho de me achar entre vós, seria o fato de poder ficar aqui tão pouco tempo. Ter-me-ia sido muito agradável prolongar minha demora num dos centros mais numerosos e mais zelosos do Espiritismo, mas, desde que desejastes receber de mim algumas instruções, certamente não levareis a mal que eu utilize todos os instantes, saia um pouco das banalidades muito comuns em semelhantes circunstâncias, e que minha alocução assuma certa gravidade, pela gravidade do motivo que nos reúne. Certamente se estivéssemos num jantar de bodas ou de batizado, seria inoportuno falar de almas, da morte, da vida futura. Mas, repito, aqui estamos para nos instruirmos, mais do que para comer e, em todo o caso, não é para nos divertirmos.

Não julgueis, senhores, que esta espontaneidade que vos levou a vos reunirdes aqui seja um fato puramente pessoal. Esta reunião, não duvideis, tem um caráter especial e providencial. Uma vontade superior a provocou. Mãos invisíveis vos impeliram para cá, malgrado vosso, e talvez um dia ela seja inserida nos fastos do Espiritismo. Possam os nossos irmãos futuros lembrar este dia memorável, em que os espíritas lioneses, dando exemplo de união e concórdia, plantaram, nestes novos ágapes, a primeira baliza da aliança que deve existir entre os espíritas de todos os países do mundo, porque o Espiritismo, restituindo ao Espírito seu verdadeiro papel na Criação, e constatando a superioridade da inteligência sobre a matéria, suprime naturalmente todas as distinções estabelecidas entre os homens em consequência das vantagens corporais e mundanas sobre as quais só o orgulho fundou as castas e os estúpidos preconceitos de cor. Alargando o círculo da família pela pluralidade das existências, o Espiritismo estabelece entre os homens uma fraternidade mais racional que aquela que tem por base apenas os frágeis laços da matéria, pois esses laços são perecíveis, ao passo que os do Espírito são eternos. Uma vez bem compreendidos, tais laços influirão, pela força das coisas, nas relações sociais, e mais tarde na legislação social, que tomará por base as leis imutáveis do amor e da caridade. Ver-se-á então desaparecerem essas anomalias que chocam os homens de bom-senso, como as leis da Idade Média chocam os homens de hoje. Mas isto é a obra do tempo. Deixemos a Deus o cuidado de fazer que cada coisa venha a seu tempo. Esperemos tudo de sua sabedoria, e rendamos-lhe graças por nos ter permitido assistir à aurora que surge para a Humanidade e por nos haver escolhido como os pioneiros da grande obra que se prepara. Que ele se digne espalhar sua bênção sobre esta assembleia, a primeira em que os adeptos do Espiritismo estão reunidos em tão grande número, com um sentimento de verdadeira confraternidade.

Digo de verdadeira confraternidade porque tenho a convicção íntima de que todos aqui presentes não trazem outra. Mas não tenhais dúvidas que entre nós estejam numerosas coortes de Espíritos que no momento nos ouvem; que veem todas as nossas ações; que sondam o pensamento de cada um, e que escrutam sua força ou sua fraqueza moral. Os sentimentos que os animam são muito diversos. Se uns estão felizes nesta união, outros, acreditai, estão horrivelmente invejosos. Saindo daqui, vão tentar semear a discórdia e a desunião. Cabe-vos a todos vós, bons e sinceros espíritas, provar-lhes que perdem seu tempo e que se equivocam julgando encontrar aqui corações accessíveis às suas pérfidas sugestões. Invocai, pois, com fervor, a assistência dos vossos anjos da guarda, a fim de que afastem de vós todo pensamento que não seja para o bem. Ora, como o mal não pode ter sua fonte no bem, o simples bom-senso diz que todo pensamento mau não pode vir de um bom Espírito; e um pensamento é necessariamente mau quando contrário à lei do amor e da caridade; quando tem por móvel a inveja ou o ciúme, o orgulho ferido, ou mesmo uma pueril susceptibilidade do amor-próprio ferido, irmão gêmeo do orgulho, que levaria a olhar seus irmãos com desdém. Amor e caridade para com todos, diz o Espiritismo; Armarás a teu próximo como a ti mesmo, diz o Cristo. Não são sinônimos?

Meus amigos, eu vos felicitei pelos progressos que o Espiritismo fez entre vós, e ao constatá-lo, não poderia me sentir mais feliz do que me sinto. Felicitai-vos, por vosso lado, porque esse mesmo progresso verifica-se em toda parte. Sim, este último ano viu o Espiritismo crescer em todos os países, numa proporção que ultrapassou todas as esperanças. Ele está no ar, nas aspirações de todos, e por toda parte encontra ecos, bocas que repetem: Eis o que eu esperava; eis o que uma voz secreta me fazia pressentir. Mas o progresso se manifesta agora em nova fase: é a fase da coragem, que há pouco ainda não existia. Só se falava dele em segredo e às ocultas. Hoje a gente se confessa espírita tão abertamente quanto se confessa católico, judeu ou protestante. Enfrenta-se a zombaria, e essa coragem se impõe aos trocistas, que são como os cachorrinhos que perseguem os que fogem e fogem se perseguidos. Esta zombaria dá coragem aos tímidos e em muitas localidades revela muitos espíritas que se desconheciam mutuamente. Tal movimento pode estacionar? Poderão detê-lo? Digo alto e bom som: Não! Para isto puseram tudo em ação: sarcasmos, troça, ciência, anátemas. Ele ultrapassou tudo, sem diminuir a sua marcha um segundo. Cego, pois, é quem nisto não vê o dedo de Deus. Poderão entravá-lo, represá-lo nunca, porque se não correr pela direita, correrá pela esquerda.

Vendo os benefícios morais que ele proporciona, as consolações que dá, os próprios crimes que já impediu, a gente se pergunta: quem tem interesse em combatê-lo? Para começar, tem contra si os incrédulos, que o ridicularizam. Estes não são para temer, pois viram suas setas afiadas quebrar-se contra a própria couraça. Os ignorantes, que o combatem sem conhecê-lo, são os mais numerosos, mas a sua verdade combatida pela ignorância jamais teve algo a temer, pois os ignorantes se refutam por si mesmos, sem o querer, segundo o testemunho do Sr. Louis Figuier, na sua Histoire du Merveilleux. A terceira categoria de adversários é mais perigosa, por ser tenaz e pérfida. Ela compõe-se de todos aqueles cujos interesses materiais podem ser feridos. Eles combatem na sombra, e as flechas envenenadas da calúnia não lhes faltam. Eis os verdadeiros inimigos do Espiritismo, como em todos os tempos o têm sido de todas as ideias de progresso, e que são encontrados em todas as fileiras, em todas as classes da Sociedade. Vencerão? Não, porque ao homem não é dado opor-se à marcha da Natureza, e o Espiritismo está na ordem das coisas naturais. Mais cedo ou mais tarde terão que tomar o seu partido e aceitar o que for aceito por todos. Não, eles não o vencerão. Eles é que serão vencidos.

Um novo elemento vem juntar-se à legião dos espíritas: o das classes laboriosas. Notai nisto a sabedoria da Providência. O Espiritismo propagou-se primeiro nas camadas esclarecidas, nas mais altas esferas sociais. A princípio isto era necessário para lhe dar mais crédito, e depois para que fosse elaborado e expurgado das ideias supersticiosas que a falta de instrução nele poderiam introduzir, e com as quais teria sido confundido. Apenas constituído, se assim se pode falar de uma Ciência tão nova, tocou as classes laboriosas e entre elas se propaga com rapidez. Ah! É que nele há tantas consolações a dar, tanta coragem moral a recompor, tantas lágrimas a enxugar, tanta resignação a inspirar, que nesses meios foi acolhido como uma âncora de salvação, como uma égide contra as tentações da necessidade. Por toda parte onde o vi penetrar na morada do trabalho, o vi produzir seus efeitos moralizadores. Alegrai-vos, pois, operários lioneses que me ouvis, por terdes noutras cidades, como Sens, Lille, Bordéus, irmãos espíritas que como vós abjuraram as culposas esperanças na desordem e os criminosos desejos de vingança. Continuai a provar pelo exemplo os benéficos resultados desta doutrina. Aos que perguntarem para que pode ela servir, respondei:

Em meu desespero eu queria me matar, mas o Espiritismo tolheu-me, porque sei o que custa abreviar voluntariamente as provas que a Deus aprouve mandar aos homens.

Para me atordoar, embriagava-me, mas compreendi o quanto era desprezível por tirar-me voluntariamente a razão, privando-me assim de ganhar o meu pão e o dos filhos.

Eu me havia divorciado de todos os sentimentos religiosos. Hoje rogo a Deus e deponho a minha esperança na sua misericórdia.

Eu só acreditava no nada como supremo remédio para as minhas misérias. Meu pai comunicou-se comigo e me disse: Meu filho, coragem! Deus te vê. Um esforço a mais e estarás salvo! E eu me prostrei de joelhos diante de Deus e lhe pedi perdão.

Vendo ricos e pobres, gente que tem tudo e gente que nada tem, eu acusava a Providência. Hoje sei que Deus tudo pesa na balança de sua justiça e espero o seu julgamento. Se estiver em seus desígnios que eu deva sucumbir ao sofrimento, então sucumbirei, mas com a consciência pura e sem levar o remorso de haver roubado um óbolo de quem me podia salvar a vida.

Dizei-lhes: Eis para que serve o Espiritismo, esta loucura, esta quimera, como o chamais. Sim, meus amigos, continuai a pregar pelo exemplo. Fazei compreender o Espiritismo com suas consequências salutares, e quando ele for compreendido, não mais se amedrontarão. Bem ao contrário, será acolhido como uma garantia da ordem social, e os próprios incrédulos serão forçados a falar dele com respeito.

Mencionei os progressos do Espiritismo. É que, com efeito, não há exemplo de uma doutrina, seja qual for, que tenha marchado com tanta rapidez, sem excetuar o próprio Cristianismo. Quererá isto dizer que lhe seja superior? Que deva suplantá-lo? Não. Mas é aqui o lugar de estabelecer o seu verdadeiro caráter, a fim de destruir uma prevenção muito generalizada entre os que não o conhecem.

Em seu nascimento, teve o Cristianismo que lutar contra uma potência terrível: o Paganismo, então universalmente espalhado. Não havia entre eles qualquer aliança possível, como não há entre a luz e as trevas. Numa palavra, ele não poderia propagar-se senão destruindo o que havia. Assim, a luta foi longa e terrível, do que as perseguições são a prova. O Espiritismo, ao contrário, nada tem a destruir, porque assenta suas bases no próprio Cristianismo; sobre o Evangelho, do qual é simples aplicação. Concebei a vantagem, não de sua superioridade, mas de sua posição. Não é, pois, como pretendem alguns, sempre porque não o conhecem, uma religião nova, uma seita que se forma à custa das mais antigas. É uma doutrina puramente moral, que absolutamente não se ocupa dos dogmas e deixa a cada um a inteira liberdade de suas crenças, desde que nenhuma impõe. A prova disto é que tem aderentes em todas, entre os mais fervorosos católicos como entre os protestantes, os judeus e os muçulmanos. O Espiritismo repousa sobre a possibilidade de comunicação com o mundo invisível, isto é, com as almas. Ora, como os judeus, os protestantes e os muçulmanos têm alma como nós, resulta que elas podem comunicar-se tanto com eles quanto conosco, e que, consequentemente, eles podem ser espíritas como nós.

Não é uma seita política, como não o é religiosa. É a constatação de um fato que não pertence mais a um partido do que a eletricidade e as estradas de ferro. É, repito, uma doutrina moral, e a moral está em todas as religiões e em todos os partidos.

A moral que ele ensina é boa ou má? É subversiva? Eis toda a questão. Estudem-no e saberão de que se trata. Ora, desde que é a moral do Evangelho desenvolvida e aplicada, condená-la seria condenar o Evangelho.

Tem feito bem ou mal? Estudai-o ainda, e vereis. Que tem feito? Impediu inúmeros suicídios; devolveu a paz e a concórdia a grande número de famílias; tornou mansos e pacientes homens violentos e coléricos; deu resignação aos que não a tinham, e consolações aos aflitos; reconduziu a Deus os que o desconheciam, destruindo-lhes as ideias materialistas, verdadeira chaga social que aniquila a responsabilidade moral do homem. Eis o que tem feito e faz todos os dias, e o que fará cada vez mais, à medida que se espalhar. Será este o resultado de uma doutrina má? Não sei de ninguém que tenha atacado a moral do Espiritismo. Apenas dizem que a religião pode produzir tudo isto. Concordo perfeitamente. Mas, então, porque não produz sempre? É porque não são todos que a entendem. Ora, o Espiritismo, tornando claro e inteligível para todos aquilo que não o é e tornando evidente aquilo que é duvidoso, conduz à aplicação, ao passo que jamais se sente necessidade daquilo que se não compreende. Portanto, longe de ser antagonista da Religião, o Espiritismo é seu auxiliar. A prova disto é que ele conduz às ideias religiosas os que as haviam repelido. Em resumo, o Espiritismo jamais aconselhou quem quer que fosse a mudar de religião ou a sacrificar suas crenças. Ele não pertence realmente a nenhuma religião ou, melhor dizendo, ele está em todas elas.

Senhores, ainda algumas palavras, por favor, sobre uma questão absolutamente prática. O crescente número dos espíritas em Lyon mostra a utilidade do conselho que vos dei no ano passado, relativamente à formação de grupos. Reunir todos os adeptos numa sociedade única seria, hoje, uma coisa materialmente impossível, e será mais ainda dentro de algum tempo. Além do número, somam-se a essa impossibilidade as distâncias a percorrer, em vista da extensão da cidade, bem como as diferenças de hábitos, conforme as posições sociais. Por esses motivos e por muitos outros, que seria longo aqui desenvolver, uma sociedade única é uma quimera impraticável. Multiplicai os grupos o mais possível. Que haja dez. Que haja cem, se necessário, e ficai certos de que chegareis mais rapidamente, mais seguramente.

Haveria aqui coisas importantes a dizer sobre a unidade de princípios; sobre a divergência que poderia existir entre eles, relativamente a alguns pontos, mas eu me detenho, para não abusar de vossa paciência em me escutar, paciência que já pus a uma prova muito longa. Se desejardes, farei disto objeto de uma instrução especial, que enviarei dentro em breve.

Termino esta alocução, senhores, a que me deixei arrastar pela raridade mesma das ocasiões que tenho a felicidade de estar em vosso meio. Levarei da vossa acolhida benevolente uma lembrança que jamais se apagará, tende certeza.

Ainda uma vez, meus amigos, obrigado do fundo do coração, pelos sinais de simpatia que me testemunhais; obrigado pelas bondosas palavras que me dirigistes por vossos intérpretes, e das quais só aceito o dever que elas me impõem quanto ao que me resta fazer, e não os elogios. Possa esta solenidade ser o penhor da união que deve existir entre todos os verdadeiros espíritas!

Levanto um brinde aos espíritas lioneses e a todos os que dentre eles se distinguem por seu zelo, seu devotamento, sua abnegação, e que vós mesmos indicais, sem que eu precise fazê-lo.

Aos espíritas lioneses, sem distinção de opinião, estejam ou não presentes!

Senhores, os Espíritos também querem participar desta festa de família, e deixar aqui sua palavra. Erasto, que conheceis pelas notáveis dissertações publicadas na Revista, ditou espontaneamente, antes da minha partida, e em vossa intenção, a epístola seguinte, que me encarregou de ler em seu nome. É com prazer que desempenho esta missão. Assim tereis a prova de que os Espíritos com os quais vos comunicais não são os únicos a se ocuparem convosco e com os problemas que vos dizem respeito. Esta certeza não pode senão reforçar a vossa fé e a vossa confiança, vendo que o olhar vigilante dos Espíritos superiores estende-se sobre todos, e que, sem a menor dúvida, também vós sois objeto de sua solicitude.