Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1861

Capítulo 6

Junho Conversas familiares de além-túmulo

Junho


1. — Os jornais anunciaram, em fevereiro último, a morte súbita do pastor Henri Mondeux, o célebre calculador, que sucumbiu nos primeiros dias de fevereiro de 1861 a um ataque de apoplexia na diligência de Condom (Gers), com cerca de 34 anos. Tinha nascido na Touraine e desde a idade de dez anos fez-se notar pela prodigiosa facilidade com que resolvia, de cabeça, as mais intrincadas questões de aritmética, embora completamente iletrado e não havendo feito nenhum estudo especial. Logo atraiu a atenção e muitas pessoas iam vê-lo, enquanto pastoreava seus rebanhos. Os visitantes divertiam-se em propor-lhe problemas, o que lhe proporcionava pequeno lucro. Lembravam ainda o pastor napolitano, Vito Mangiamele que, poucos anos antes, tinha apresentado um fenômeno semelhante. Um professor de matemática do colégio de Tours pensou que um dom natural tão notável deveria dar resultados surpreendentes, se fosse auxiliado. Em consequência, empenhou-se na tarefa de o educar; mas não tardou a perceber que lidava com uma das mais refratárias naturezas. Com efeito, aos dezesseis anos de idade, mal sabia ler e escrever correntemente e, coisa extraordinária, jamais conseguira o professor que ele retivesse o nome das figuras elementares de geometria, de sorte que sua faculdade era inteiramente circunscrita às combinações numéricas. Era, pois, um calculador, mas não um matemático.

Uma outra singularidade é que ele jamais pôde dobrar-se às nossas fórmulas de cálculo; nem mesmo as compreendia; tinha sua própria maneira, à qual nunca pôde dar conta de maneira clara, não sendo capaz de explicá-la nem aos outros, nem a si mesmo, e que se prendia a uma memória prodigiosa dos números. Dizemos dos números e não dos algarismos, porque a visão destes últimos o atrapalhava mais que o ajudava; preferia que os problemas fossem colocados verbalmente, e não por escrito.

Tal é, em resumo, o resultado das observações que nós próprios fizemos sobre o jovem Mondeux, e que, na ocasião, nos forneceram assunto para uma Memória, lida na Sociedade Frenológica de Paris.

Uma faculdade tão exclusiva, conquanto levada ao extremo limite, não podia abrir-lhe nenhuma carreira, porque nem mesmo poderia ser contador numa casa comercial, e disto seu professor se apavorava, e com razão; este quase se censurava por havê-lo retirado de suas vacas, perguntando-se o que seria dele quando os anos o tivessem privado do interesse a ele ligado, sobretudo em razão da sua idade. Nós o perdemos de vista há dezoito anos; parece que encontrou algum meio de subsistência dando sessões de cidade em cidade.


2. — [Evocação de Henri Mondeux, o calculista.]


1. Evocação.

Resposta. – 4 e 3 são sete, tanto nos outros mundos, como aqui.


2. Queríamos evocar-vos pouco depois de vossa morte, mas nos foi dito que não vos encontráveis em condição de responder. Parece que estais agora?

R. – Eu vos esperava.


3. É provável que não vos lembreis de mim, embora eu tenha tido ocasião de vos conhecer muito particularmente na Prússia, e mesmo de assistir às vossas sessões. Quanto a mim, ainda me parece vos ver, bem como ao professor de matemática que vos acompanhava, e que me deu preciosas informações sobre vós e vossa faculdade.

R. – Tudo isto é para que eu diga que me recordo de vós, mas somente hoje, em que minhas ideias estão lúcidas.


4. De onde vinha a estranha faculdade de que éreis dotado?

R. – Ah! eis a pergunta que eu sabia iríeis me dirigir. Começa-se por dizer: eu vos conhecia, eu vos tinha visto, éreis notável e, enfim, chegais ao que de fato quereis. Pois bem! eu tinha a faculdade de poder ler em meu espírito os cálculos imediatos de um problema; dizei que um Espírito expunha diante de mim a solução: eu tinha apenas de ler; eu era médium vidente e calculador e, não devo negar, uma pequena tabuada.


5. Tanto quanto posso lembrar-me, quando vivo não tínheis este espírito brincalhão, cáustico. Não éreis mesmo um pouco grave?

R. – Veja! porque a faculdade foi sempre empregada nisto, não restava mais outra coisa.


6. Como é que essa faculdade, tão desenvolvida para o cálculo, fosse tão incompleta para as outras partes mais elementares das matemáticas?

R. – Por certo eu era um tolo, não é mesmo? Dizei a palavra, eu a aceitarei. Mas aqui, compreendeis, não mais tenho que desenvolver a minha faculdade para as cifras, e ela se desenvolve rapidamente para outras coisas.


7. Não tendes mais de desenvolvê-la para os números… (O Espírito escreve sem esperar o fim da pergunta).

R. – Quer dizer que Deus nos deu a todos uma missão: Tu, disse-me ele, vai espantar os sábios matemáticos; far-te-ei parecer sem inteligência para que fiquem mais impressionados; derrota todos os seus cálculos e faze que eles se digam: Mas que tem ele acima de nós? Que tem de mais forte que o estudo? Queria Deus levá-los a procurar além do corpo? O que existirá de mais material que um algarismo?


8. Que fostes em outras existências?

R. – Fui enviado para mostrar outras coisas.


9. Eram sempre relativas às matemáticas?

R. – Sim dúvida, desde que é a minha especialidade.


10. Eu tinha formulado alguns problemas para saber se tínheis sempre a mesma faculdade. Mas, de acordo com o que dizeis, julgo não ser mais necessário.

R. – Mas não tenho mais soluções a dar; não posso mais. O instrumento é mau, pois não é matemático.


11. Não poderíeis vencer a dificuldade?

R. – Ah! nada é invencível; a própria Sebastopol foi tomada. Mas que diferença!


12. Em que vos ocupais agora?

R. – Quereis saber a que me entrego? Passeio e espero um pouco antes de recomeçar minha carreira como médium, que deve continuar.


13. Em que gênero pensais exercer esta faculdade mediúnica?

R. – Sempre a mesma, porém mais desenvolvida, mais surpreendente.


14. (Um membro faz a seguinte reflexão): Das respostas do Espírito infere-se que ele agiu como médium na Terra, levando a crer que teria sido auxiliado por outro Espírito, o que explicaria por que hoje já não goza dessa faculdade.

R. – É que meu Espírito foi feito de propósito para ver os números que outros Espíritos me passavam; ele os captava melhor do que o faríeis; tinha o dom do cálculo, pois foi nesse gênero que eu me exercitava. Buscam-se todos os meios de convencer; todos são bons, pequenos ou grandes, e os Espíritos assenhoreiam-se de todos.


15. Fizestes fortuna com vossa faculdade, correndo o mundo para dar sessões?

R. – Oh! perguntar se um médium faz fortuna! Vós vos enganais de caminho. Claro que não.


16. Mas não vos consideráveis como médium? Nem mesmo sabíeis do que se tratava?

R. – Não. Também me admirava de que me servisse tão pouco pecuniariamente. Isto me ajudou moralmente e prefiro o meu ativo, escrito no grande livro de Deus, às rendas que teria obtido do Estado.


17. Agradecemos por vos terdes dignado a responder ao nosso chamado.

R. – Mudaste de opinião quanto à minha pessoa.


18. Não mudei; sempre tive por vós grande estima.

R. – Felizmente eu resolvia as questões, sem o que não me teríeis olhado.


Observação. – Como se sabe, a identidade dos Espíritos é difícil de ser constatada. Geralmente se revela por circunstâncias e detalhes imprevistos, por matizes delicados que somente uma observação atenta pode captar; isto é mais significativo do que os sinais materiais, sempre fáceis de imitar pelos Espíritos enganadores que, no entanto, não podem simular a capacidade intelectual ou as qualidades morais que lhes faltam. Poder-se-ia, pois, duvidar da identidade, nessa circunstância, sem a explicação muito lógica que o Espírito dá da diferença existente entre seu caráter atual e o que mostrava em vida; porque a resposta numérica que ele dá à evocação não pode ser considerada como prova autêntica. Seja qual for a opinião que se possa formar a respeito da evocação acima, temos de convir que, ao lado de pensamentos faceciosos, ela os encerra profundos; sobretudo as respostas às perguntas 7 e 16 são notáveis quanto a isto. Delas ressalta igualmente, assim como das respostas dadas por outros Espíritos, que o Espírito Mondeux tem uma predisposição para as matemáticas; que é provável tenha exercido essa faculdade em outras existências, mas que não pertenceu ao rol de nenhuma das celebridades da Ciência. Dificilmente se conceberia que um verdadeiro sábio fosse reduzido a fazer esforços de cálculo para divertir o público, sem alcance e sem utilidade científicas. Haveria muito mais motivos para duvidar de sua identidade se se tivesse feito passar por Newton ou Laplace.