(PUBLICADA NESSE JORNAL A 6 DE JULHO DE 1862)
“Ao Sr. Diretor-Gerente.
Neuilly, 2 de julho de 1862.
“Senhor,
“Permiti-me responder a duas acusações consideráveis, que me faz, no vosso jornal de hoje, o Sr. Franck, que me toma por partidário do panteísmo e da metempsicose. Não só repilo tais erros com abundância de coração: as pessoas que me honraram com a leitura de meu livro Terre et Ciel puderam ver que são contrárias a todos os sentimentos expressos no livro.
“Quanto ao panteísmo limito-me a dizer que o princípio da personalidade de Deus é o ponto de partida de todas as minhas idéias e que, sem me inquietar com o que pensam os judeus, estou com os Cristãos que o dogma da Trindade resume toda a teologia sobre o assunto. Assim, à página 226 do citado livro, enuncio que a criação procede da Trindade inteira; melhor ainda, cito textualmente a tese de Santo Agostinho, sob cuja autoridade me coloco, e acrescento: “Se, afastando-me da Idade Média, no que concerne a ancianidade do mundo, corresse o risco de resvalar no abismo dos que confundem Deus e o Universo num caráter comum de eternidade, eu estacaria. Mas pode ter a menor inquietação a respeito?”
“Quanto à segunda acusação, sem me inquietar se penso ou não com o Sr. Salvador, direi apenas que se se entende por metempsicose, no sentido vulgar, a doutrina que expõe o homem, após a morte, a passar pelo corpo de animais, eu a repilo, como filha do panteísmo, como repilo o próprio panteísmo. Creio que o nosso destino futuro se baseia essencialmente na permanência de nossa personalidade. o sentimento dessa personalidade pode eclipsar-se momentaneamente, mas nunca se perde e sua plena posse é o primeiro caráter da vida bem-aventurada a que todos os homens, no curso mais ou menos longo das provas, são chamados continuamente. A personalidade do homem decorre, muito naturalmente, da de Deus. A página 258 daquele livro pergunta-se: “Como não teria Deus criado à Sua imagem o que quis criar na plenitude de seu amor?” E ainda sobre o ponto refiro-me a Santo Agostinho, cujas palavras cito textualmente: “Desde, pois, que fomos criados à imagem do nosso Criador, contemplemos em nós essa imagem e, como a criança perdida do Evangelho, voltemos a Ele, depois de nos termos d’Ele afastado por nossos pecados.”
“Se o livro Terre et Ciel se afasta das idéias aceitas pela Igreja, não é pelas teses substanciais, como quer fazer crer o Sr. Franck, mas apenas, se assim se pode dizer, numa questão de tempo. Ensina-se que a duração da criação é proporcional à sua extensão, de modo que a imensidade rema igualmente nos dois sentidos. E éensinado, também, que a nossa vida atual, em vez de representar a totalidade das provas pelas quais nos capacitamos para participar da plenitude da vida bem-aventurosa, é apenas um termo da série, mais ou menos longa, de existências análogas. Eis, senhor, o que pôde dar a crítica do Sr. Franck, que me pareceu tanto mais temível quanto é bem conhecida a perfeita lealdade de seu caráter.
“Recebei, senhor, etc.
JEAN REYNAUD!”
Vê-se que nem fomos o único, nem o primeiro a proclamar a doutrina da pluralidade das existências, isto é, a reencarnação. A obra Terre et Ciel, do Sr. Jean Reynaud, apareceu antes de O Livro dos Espíritos. Pode-se ver o mesmo principio, exposto em termos explícitos num brilhante opúsculo do Sr. Louis Jourdan, intitulado Les Priêres de Ludovic, cuja primeira edição é de 1849, da Librairie-Nouvelle, Boulevard des Italiens, E que a idéia da reencarnação não é nova: é tão velha quanto o mundo e encontrada em autores antigos e modernos. Aos que alegam ser ela contrária aos dogmas da Igreja, respondemos que uma de duas: ou existe a reencarnação, ou não existe. Não há alternativa. Se existe, é uma lei da natureza. Ora, se um dogma é contrário a uma lei da natureza, é preciso saber com quem está a razão. Quando a Igreja anatematizou e excomungou como culpados de heresia os que acreditavam no movimento da Terra, não impediu que a Terra girasse e que todo o mundo hoje creia nisso. Dar-se-á o mesmo com a reencarnação. Não é, pois, questão de opinião, mas questão de fato. Se o fato existe, tudo quanto poderá dizer-se ou fazer-se não impedirá a sua existência e, mais cedo ou mais tarde, os recalcitrantes aceitá-lo-ão. Deus não indaga de suas conveniências para regular a ordem das coisas e o futuro provará, mais cedo ou mais tarde, quem tem razão.