Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1862

Capítulo LXVII

Setembro - O Espiritismo numa distribuição de Premios

Setembro

Um dos nossos colegas da Sociedade Espírita de Paris manda-nos cópia da carta que damos a seguir e por ele dirigida às diretoras do pensionato onde estuda uma de suas filhas, em Paris.

“Senhoras,

“Peço permissão para algumas reflexões sobre um discurso pronunciado na distribuição de prêmios do vosso pensionato. Minha condição de pai de família, e sobretudo de pai de uma de vossas alunas, dá-me direito a esta apreciação.

“O autor do discurso, estranho ao vosso estabelecimento e, segundo me disseram, professor do Colégio C..., permitiu-se longos motejos, não sei bem a propósito de que, sobre a Ciência Espírita e os médiuns. Eu compreenderia se ele emitisse a sua opinião sobre a matéria em qualquer outra circunstância, mas perante um auditório como aquele em que falava, em presença de gente moça confiada aos vossos cuidados, permiti vos diga, a questão estava deslocada e o tema era mal escolhido para buscar sucesso.

“Entre outras coisas, disse aquele senhor que ‘as pessoas que se ocupam de experiências das mesas e outros fenômenos ditos espíritas, ou de ordem psicológica são jograis, tolas ou estúpidas’.

“Encontro-me, senhoras, entre os que se ocupam do assunto e não o oculto. Ademais, tenho certeza de não ter sido o único em vossa reunião.

“Não tenho a pretensão de ser sábio, como o vosso orador, e assim, do seu ponto de vista, talvez eu seja um estúpido. Contudo, a expressão é bastante grosseira quando a gente se dirige a pessoas que não conhece e quando se generaliza o pensamento, mas com certeza minha posição e meu caráter me põem ao abrigo do epíteto de jogral.

“Aquele senhor parece ignorar que essa estupidez conta hoje milhões de adeptos no mundo inteiro e que os supostos jograis se acham até nas mais altas camadas da Sociedade, sem o que teria ele refletido que suas palavras poderiam dirigir-se a mais de uma de suas ouvintes. Se ele provou, por essa tirada intempestiva, uma falta de tato e de elegância, também provou que falava de uma coisa que jamais estudou.

“Quanto a mim, senhoras, há quatro anos estudo, observo, e o resultado de minhas observações convenceu-me, como a tantos outros, que, em certas circunstâncias, o nosso mundo material pode entrar em relações com o mundo espiritual. As provas do fato eu as tenho tido aos milhares, por toda parte, em todos os países que visitei, e sabeis que as tenho tido, e muitas, em minha família, com minha esposa, que é médium sem ser jogral, com parentes e amigos que como eu procuravam a verdade.

“Não penseis, senhoras, que eu tenha acreditado à primeira vista e sem exame. Como disse, estudei e observei conscienciosamente, friamente, com calma e sem ideia preconcebida, e só depois de maduras reflexões tive a felicidade de me convencer da realidade de tais coisas. Digo felicidade porque, confessarei, o ensino religioso que havia recebido não fora suficiente para esclarecer a minha razão e eu me havia tornado céptico. Agora, graças ao Espiritismo, às provas patentes que ele fornece, já não o sou, porque pude assegurar-me da imortalidade da alma e de suas consequências. Se aí está o que aquele senhor chama uma estupidez, ao menos deveria abster-se de dizê-lo em presença de vossas alunas, que bem poderão, e mais cedo do que pensais, dar-se conta dos fenômenos cujo véu lhes levantaram. Para tanto, bastará que entrem no mundo. A nova ciência aí faz grandes e rápidos progressos, eu vo-lo garanto.

“Então, não é de temer que elas façam esta reflexão: Se nos induziram em erro sobre essas matérias; se nos quiseram ocultar a verdade, não nos poderão ter enganado sobre outros pontos? Na dúvida, a mais elementar prudência recomenda a abstenção.

“Em todo o caso, nem era o lugar, nem o momento de abordar semelhante assunto.

“Senhoras, julguei meu dever comunicar-vos as minhas impressões.

“Peço-vos as acolhais com a vossa bondade habitual.

“Aceitai, etc.


« A. GASSIER
“Rua de la Chaussée, 38 ─ d’Antin.”


OBSERVAÇÃO: O Espiritismo alastra-se por toda parte, de modo que é raro não se encontre, numa assembleia qualquer, certo número de adeptos. Fazer tiradas virulentas contra uma opinião que cresce sem cessar; servir-se de expressões ferinas perante um auditório que se não conhece, é expor-se a molestar gente respeitável e, por vezes, a ver-se chamado à ordem. Fazê-lo numa reunião que, por sua natureza, mais do que em qualquer outra, exige estrita observância das conveniências, onde toda palavra deve ser um ensinamento, é um erro. Se uma dessas jovens cujos pais se ocupam do Espiritismo lhes dissesse: “Sois jograis, iludidos ou estúpidos”, não poderia ela justificar-se, dizendo: “Foi o que me ensinaram na distribuição de prêmios?”

Faria esse senhor uma surtida semelhante contra os protestantes ou os judeus, chamando-os de heréticos e danados, ou contra tal ou qual opinião política? Não, porque há poucos colégios onde não haja alunos cujos pais professem diferentes opiniões políticas ou religiosas, e ele temeria ferir a estes últimos. Então! Que ele fique sabendo que hoje, especialmente na França, há a mesma quantidade de espíritas que de judeus e protestantes, e que dentro em pouco haverá tantos quantos há de católicos.

Aliás, ali, como em toda parte, o resultado será contrário à intenção. Eis uma porção de moças, naturalmente curiosas, muitas das quais jamais ouviram falar de tais coisas, e que quererão conhecê-las na primeira ocasião. Elas experimentarão a mediunidade e, infalivelmente, algumas triunfarão; falarão às suas companheiras, e assim por diante.

Proibis se ocupem de tais coisas; as amedrontais com a ideia do diabo; será uma razão a mais para que o façam às escondidas, pois quererão saber o que lhes dirá o diabo. Elas não ouvem falar diariamente dos bons diabos, dos diabos cor de rosa? Ora, aí está o perigo porque, inexperientes e sem um orientador prudente e esclarecido, poderão achar-se sob influências perniciosas, das quais não saberiam livrar-se. Daí podem resultar inconvenientes muito mais graves porque, à vista da proibição feita e por medo dos castigos, nada ousarão dizer.

Proibis que escrevam? Nem sempre é fácil. As professoras do internato sabem disso. Mas, o que fareis com aquelas que se tornarem médiuns videntes e auditivas? Podereis tapar-lhes os olhos e os ouvidos? Eis, senhor orador, o que pode produzir o vosso discurso imprudente, com o qual certamente ficastes muito satisfeito.

O resultado é absolutamente outro nos filhos educados pelos pais nessas ideias. Para começar, eles nada têm a esconder, sendo assim preservados contra os perigos da inexperiência. Depois, cedo isso lhes dá uma piedade raciocinada, que a idade fortifica. Tornam-se mais dóceis, mais submissos, mais respeitadores. A certeza da presença dos pais mortos, que os veem incessantemente, com os quais podem entreter-se e dos quais recebem sábios conselhos, é-lhes um freio poderoso, pelo medo salutar que aqueles inspiram.

Quando a geração for educada nas crenças espíritas, ver-se-á outra juventude, mais estudiosa e menos turbulenta. Isso já pode ser avaliado pelo efeito que tais ideias produzem nos jovens que delas se compenetram.