O homem, ou Espírito encarnado, pode estar na Terra em missão, em progressão e em punição.
Isto posto, é preciso saibais, uma vez por todas, que o estado de missão, progressão ou punição deve, sob pena de recomeçar a prova, chegar ao termo fixado pelos desígnios da suprema justiça.
Adiantar por si mesmo, ou por provocação, o instante fixado por Deus para o retorno ao mundo dos Espíritos é, pois, enorme crime. O duelo é ainda um crime maior, porque não só é um suicídio, mas, além disso, um assassinato premeditado.
Com efeito, pensais que o provocado e o provocador não se suicidem moralmente ao se exporem voluntariamente aos golpes mortais do adversário? Credes que não sejam ambos assassinos, no momento em que procuram mutuamente tirar a vida por eles mesmos escolhida ou imposta por Deus como expiação ou como prova?
Sim, eu to digo, meu amigo: os duelistas são duplamente criminosos aos olhos de Deus; duas vezes terrível será a punição, porquanto nenhuma desculpa será admitida, desde que tudo calcularam com frieza e premeditação.
Leio em teu coração, meu filho, porque também foste um pobre transviado, e eis minha resposta.
Para não sucumbir a essa terrível tentação não necessitais senão de humildade, sinceridade e caridade para com vosso irmão em Deus. Ao contrário, só sucumbireis pelo orgulho e pela ostentação.
Aquele que, por humildade, como o Cristo tiver suportado o maior ultraje e, por amor de Deus, perdoado de coração, além das recompensas celestes da outra vida, terá a paz de coração nesta e uma alegria inconcebível por haver respeitado duas vezes a obra de Deus.
Aquele que, por caridade para com o próximo, lhe houver provado seu amor fraterno, terá na outra vida a santa proteção e o concurso todo-poderoso da gloriosa mãe do Cristo, pois ela ama e abençoa os que cumprem os mandamentos de Deus, os que seguem e praticam os ensinos de seu Filho.
Aquele que, a despeito de todos os ultrajes, tiver respeitado a sua e a existência de seu irmão, encontrará, ao retornar ao mundo etéreo, milhões de legiões de bons e puros Espíritos que virão, não honrá-lo por sua ação, mas provar, por seu desvelo em lhe facilitar os primeiros passos na nova existência, a simpatia que soube atrair e os verdadeiros amigos que fez entre eles, seus irmãos. Todos em conjunto elevarão a Deus sinceras ações de graça por sua misericórdia, que permitiu ao seu irmão resistir à tentação.
Aquele, digo eu, que tiver resistido a essas tristes tentações, pode esperar, não a mudança dos desígnios de Deus, que são imutáveis, mas contar com a sincera e afetuosa benevolência do Espírito de Verdade — o filho de Deus — o qual de maneira incomparável inundará sua alma com a felicidade de compreender o Espírito de justiça perfeita e bondade infinita e, por conseguinte, salvaguardá-lo de qualquer outra emboscada semelhante.
Ao contrário, aqueles que, provocados ou provocadores, tiverem sucumbido, podem estar certos de que experimentarão as maiores torturas morais pela presença incessante do cadáver de sua vítima e do seu próprio; durante séculos serão consumidos pelo remorso por haverem transgredido tão gravemente os decretos celestes e serão perseguidos, até o dia da expiação, pelo espectro terrível das duas horrendas visões de seus cadáveres ensanguentados.
Felizes ainda se eles próprios aliviarem os sofrimentos por um arrependimento sincero e profundo, que lhes abra os olhos da alma, porque, então, ao menos entreverão um termo para as suas penas, compreenderão a Deus e lhe pedirão força de não mais provocar sua justiça terrível.
As palavras dever, honra, coração, muitas vezes são postas à frente pelos homens para justificar suas ações e seus crimes.
Compreenderão sempre tais palavras? Não resumem as intenções do Cristo? Por que, então, lhe mutilar o sentido? Por que, então, regredir ao barbarismo?
Infelizmente, na sua generalidade, os homens ainda se acham sob a influência do orgulho e da ostentação. Para se justificarem aos próprios olhos, fazem soar bem alto as palavras dever, honra e coração, sem suspeitarem de que estes significam cumprimento dos mandamentos de Deus, sabedoria, caridade e amor. Entretanto, com tais palavras degolam seus irmãos; com elas se suicidam e com elas se perdem.
Como estão cegos! julgam-se fortes por terem arrastado um infeliz, mais fraco que eles. Estão cegos, quando creem que a aprovação de sua conduta por outros cegos e maus como eles próprios lhes suscitará a consideração humana! A mesma sociedade onde vivem os reprova e em breve os amaldiçoará, pois chega o reino da fraternidade. Entretanto, deles fogem os homens sensatos, como se fugissem das feras.
Examinemos alguns casos e veremos se o raciocínio justifica sua interpretação das palavras dever, honra e coração.
Um homem tem o coração trespassado de dor e a alma cheia de amargura, porque surpreendeu provas irrefutáveis da má conduta da esposa. Provoca um dos sedutores dessa pobre e infeliz criatura. Tal provocação seria resultado de seus deveres, de sua honra, de seu coração? Não, porquanto sua honra não lhe será devolvida, sua honra pessoal não foi nem pode ter sido atingida. Isto será vingança.
Melhor ainda. Para provar que sua pretensa honra não está em jogo, é que muitas vezes sua infelicidade é mesmo ignorada e assim ficaria se não fosse propalada por mil vozes provocadas pelo escândalo que sua vingança ocasiona.
Enfim, se sua desventura fosse conhecida, seria sinceramente lamentada por todos os homens sensatos, resultando numerosas provas de verdadeira simpatia, e contra ele não haveria o riso dos corações maliciosos e endurecidos, mas desprezíveis.
Num e noutro caso sua honra não seria devolvida nem retirada.
Assim, o orgulho é, sozinho, o mentor de quase todos os duelos, e não a honra.
Credes que, por uma palavra, a falsa interpretação de uma frase, o roçar insensível e involuntário de um braço ao passar, enfim por um sim ou um não e até, por vezes, por um olhar que não lhe era dirigido, seja o duelista impelido por um sentimento de honra, a exigir uma pretensa reparação pelo assassinato e o suicídio? Oh! não duvideis: o orgulho e a certeza de sua força são seus únicos móveis, muitas vezes corroborados pela ostentação. Porque ele quer exibir-se, dar prova de coragem, de saber e, às vezes, de generosidade: Ostentação!!!
Ostentação, repito, porque seus conhecimentos em duelos são os únicos verdadeiros; sua coragem e sua generosidade são mentirosas.
Quereis; realmente, provar esse espadachim corajoso? Ponde-o em frente a um rival, de reputação infernal acima da sua, embora, talvez, de saber inferior: ele empalidecerá e tudo fará para evitar o combate. Ponde-o, ao contrário, em frente a um mais fraco que ele, ignorante dessa ciência duplamente mortal, e o vereis impiedoso, altivo e arrogante, mesmo quando constrangido a ter piedade. Isto é coragem?
A generosidade! Oh! falemos disto. Ora, será generoso o homem que, confiante em sua força, depois de ter provocado a fraqueza, a. esta concede a continuação de uma existência ultrajada e levada a ridículo? Será generoso aquele que, para conseguir uma coisa desejada e ambicionada, provoca seu frágil possuidor para a obter a seguir, como recompensa de sua generosidade? Será generoso aquele que, usando seus talentos criminosos, poupa a vida de seres fracos que injuriou? Será, ainda, generoso quando dá semelhante prova de generosidade ao marido ou ao irmão, a quem ultrajou indignamente, e assim o expor, pelo desespero, a um segundo suicídio?
Oh! meus amigos! crede todos que o duelo é uma horrenda e terrível invenção dos Espíritos maus e perversos, digna do estado de barbárie, que aflige ao máximo o nosso pai, o Deus tão bom.
Cabe a vós, espíritas, combater e destruir esse triste hábito, esse crime digno dos anjos das trevas; compete a vós, acima de tudo, dar o nobre exemplo da renúncia a tão funesto mal; a vós, espíritas sinceros, cabe fazer compreender a sublimidade destas palavras: dever, honra e coração; e Deus falará por vossa boca. Cabe-vos, enfim, a felicidade de semear entre vossos irmãos aquele grão tão precioso, que ignoramos em nossa existência terrena: o Espiritismo.
Teu pai, ANTÔNIO.
Observação. – Os duelos tornam-se cada vez mais raros – pelo menos na França – e se vemos ainda, de vez em quando, dolorosos exemplos, seu número não é comparável aos de outrora. Antigamente um homem não saía de casa sem prever um encontro e, em consequência, tomava todas as precauções. Um sinal característico dos costumes da época e dos povos estava no uso do porte habitual, ostensivo ou oculto, de armas ofensivas e defensivas. A abolição deste uso testemunha o abrandamento dos costumes, e é curioso seguir-lhe a gradação desde aquela época, em que os cavaleiros jamais cavalgavam sem armadura e armados de lança, até o simples porte da espada, mais como ornamento e acessório do brasão, do que arma agressiva. Um outro traço dos costumes é que outrora os combates particulares ocorriam em plena rua, perante a multidão que se afastava para deixar o campo livre, e hoje são ocultos. Atualmente a morte de um homem é um acontecimento que comove; outrora não se lhe prestava atenção. O Espiritismo varrerá estes últimos vestígios da barbárie, inculcando nos homens o espírito de caridade e de fraternidade.