Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1862

Capítulo 8

Março ENSINOS E DISSERTAÇÕES ESPÍRITAS

Março

Venho a vós pobres extraviados que deslizais numa terra escorregadia, cuja súbita inclinação não espera senão que deis alguns passos para vos precipitardes no abismo. Como bom pai de família, venho vos estender a mão caridosa para vos salvar do perigo. Meu maior desejo é conduzir-vos para a casa paterna e divina, a fim de vos fazer sentir o amor de Deus e do trabalho, pela fé e pela caridade cristã, pela paz e pelos prazeres e doçuras do lar. Como vós, meus caros filhos, conheci alegrias e sofrimentos e sei todas as dúvidas dos vossos Espíritos e as lutas dos vossos corações. É para vos premunir contra vossos defeitos e vos mostrar os escolhos contra os quais podereis vos aniquilar que serei justo, mas severo.

Do alto das esferas celestes que percorro, meu olhar mergulha com alegria em vossas reuniões e é com vivo interesse que acompanho as vossas santas instruções. Mas, ao mesmo tempo que minha alma se regozija por um lado, experimenta por outro um desgosto bem amargo, quando penetra em vossos corações e ainda aí vê tanto apego às coisas terrestres. Para a maioria, o santuário de nossas lições é tido como sala de espetáculo e esperais sempre de nossa parte alguns fatos maravilhosos. Não estamos encarregados de vos fazer milagres; nossa missão é trabalhar os vossos corações, abrindo neles grandes sulcos para lançar a mancheias a semente divina. Dedicamo-nos incessantemente a torná-la fecunda, porque sabemos que suas raízes devem atravessar a terra de um a outro polo, cobrindo-lhe toda a superfície. Os frutos que daí saírem serão tão belos, tão suaves e tão grandes que subirão até os céus.

Felizes os que tiverem sabido colhê-los para se saciar, porque os Espíritos bem-aventurados virão ao seu encontro, cingirão a sua fronte com a auréola dos eleitos, fá-lo-ão subir os degraus do trono majestoso do Eterno e lhe dirão que participe da felicidade incomparável, dos prazeres e das delícias sem-fim das falanges celestes.

Infeliz daquele a quem foi dado ver a luz e ouvir a palavra de Deus e que tiver fechado os olhos e tapado os ouvidos; o Espírito das trevas o envolverá com suas lúgubres asas e o transportará para o seu tenebroso império, a fim de o fazer expiar, durante séculos, por tormentos sem conta, sua desobediência ao Senhor. É o momento de aplicar a sentença de morte do profeta Oseias: Cœdam eos secundum auditionem cœtus eorum (Eu os farei morrer conforme o que tiverem ouvido). Que estas breves palavras não sejam uma fumaça a evolar-se nos ares, mas, sim, que cativem a vossa atenção, para que as mediteis e reflitais seriamente. Apressai-vos por aproveitar os poucos instantes que vos restam para os consagrar a Deus. Um dia, viremos vos pedir conta do que tiverdes feito dos nossos ensinos e como tereis posto em prática a doutrina sagrada do Espiritismo.

A vós, pois, espíritas de Paris, que muito podeis por vossa posição social e por vossa influência moral, a vós, digo, a glória e a honra de dar o exemplo sublime das virtudes cristãs. Não espereis que o infortúnio venha bater à vossa porta. Ide à frente de vossos irmãos sofredores, dai ao pobre o óbolo do dia, enxugai as lágrimas da viúva e do órfão com palavras doces e consoladoras. Levantai o ânimo abatido do velho, curvado ao peso dos anos e sob o jugo de suas iniquidades, fazendo luzir em sua alma as asas douradas da esperança numa vida futura melhor. Por toda parte, à vossa passagem, prodigalizai o amor e a consolação. Assim, elevando as vossas boas obras à altura dos vossos pensamentos, merecereis dignamente o título glorioso e brilhante que mentalmente vos conferem os espíritas da província e do estrangeiro, cujos olhos estão fixados sobre vós e que, tocados de admiração à vista das ondas de luz que escapam de vossas assembleias, vos chamarão o sol da França.

Lacordaire.