Causas da obsessão e meios de combate
As observações que fizemos sobre a epidemia que se abateu, e que se abate ainda, sobre a comuna de Morzine, na Alta Saboia, não nos deixam nenhuma dúvida quanto à causa. Mas, para apoiar nossa opinião, devemos entrar em explicações preliminares que melhor destacarão a analogia desse mal com os casos idênticos, cuja origem não poderia oferecer dúvidas a quem esteja familiarizado com os fenômenos espíritas e reconheça a ação do mundo invisível sobre a Humanidade.
Para tanto, faz-se mister remontar à fonte do mesmo fenômeno e seguir-lhe a gradação, desde os casos mais simples, e ao mesmo tempo explicar como ele se processa. Daí deduziremos muito melhor o meio de combater o mal. Posto que já tenhamos tratado do assunto no Livro dos Médiuns, no capítulo da obsessão, e em diversos artigos desta Revista, aduziremos algumas considerações novas, que tornarão a coisa mais fácil de entender.
O primeiro ponto acerca do qual é importante compenetrar-se é o da natureza dos Espíritos, do ponto de vista moral. Não sendo os Espíritos senão as almas dos homens, e não sendo bons todos os homens, não é racional admitir-se que o Espírito de um perverso de súbito se transforme. Do contrário seria desnecessário o castigo na vida futura. A experiência confirma essa teoria, ou melhor, a teoria é fruto da experiência. Com efeito, mostram-nos as relações com o mundo invisível, ao lado de Espíritos sublimes de sabedoria e de conhecimento, outros ignóbeis, ainda com todos os vícios e paixões da Humanidade.
Após a morte, a alma de um homem de bem será um bom Espírito, da mesma forma que um bom Espírito, encarnando-se, será um homem de bem. Pela mesma razão, ao morrer, um homem perverso dará um Espírito perverso ao mundo invisível, e um Espírito perverso, encarnando-se, não poderá ser um homem virtuoso, e isso até que o Espírito não se tenha depurado ou experimentado o desejo de se melhorar, porque, a partir do momento em que entrou no caminho do progresso, pouco a pouco ele se despoja de seus maus instintos e gradativamente se eleva na hierarquia dos Espíritos, até atingir a perfeição acessível a todos, pois Deus não pode ter criado seres eternamente votados ao mal e à infelicidade.
Assim, os mundos visível e invisível se penetram alternadamente e incessantemente um no outro, se assim podemos dizer, e alimentam-se mutuamente, ou, melhor dizendo, esses dois mundos na realidade constituem um só, em dois estados diferentes. Essa consideração é muito importante para melhor compreenderse a solidariedade que existe entre eles.
Sendo a Terra um mundo inferior, isto é, pouco adiantado, resulta que a imensa maioria dos Espíritos que a povoam, tanto no estado errante quanto encarnados, deve compor-se de Espíritos imperfeitos, que fazem mais mal que bem. Daí a predominância do mal na Terra. Ora, sendo a Terra, ao mesmo tempo, um mundo de expiação, é o contato do mal que torna os homens infelizes, pois se todos os homens fossem bons, todos seriam felizes. É um estado ainda não alcançado por nosso globo, e é para tal estado que Deus quer conduzi-lo. Todas as tribulações aqui experimentadas pelos homens de bem, quer da parte dos homens, quer da dos Espíritos, são a consequência desse estado de inferioridade. Poder-se-ia dizer que a Terra é a Botany-Bay dos mundos. Aí se encontram a selvageria primitiva e a civilização, a criminalidade e a expiação.
É, pois, necessário imaginar-se o mundo invisível como formando uma população incontável, compacta, por assim dizer, que envolve a Terra e se agita no espaço. É uma espécie de atmosfera moral, da qual os Espíritos encarnados ocupam a parte inferior, onde se agitam como num vaso. Ora, assim como o ar das partes baixas é pesado e malsão, esse ar moral é também malsão, porque corrompido pelas emanações dos Espíritos impuros. Para resistir a isso são necessários temperamentos morais dotados de grande vigor.
Digamos, entre parênteses, que tal estado de coisas é inerente aos mundos inferiores, mas que esses mundos seguem a lei do progresso e, atingindo a idade precisa, Deus os saneia, deles expulsando os Espíritos imperfeitos, que não mais aí se reencarnam e são substituídos por outros mais adiantados, que farão reinar a felicidade, a justiça e a paz. É uma revolução desse gênero que no momento se prepara.
Examinemos, agora, o modo de ação recíproca dos encarnados e desencarnados.
Sabemos que os Espíritos são revestidos de um envoltório vaporoso, que lhes forma um verdadeiro corpo fluídico, ao qual damos o nome de perispírito, e cujos elementos são tirados do fluido universal ou cósmico, princípio de todas as coisas.
Quando o Espírito se une a um corpo, aí vive com seu perispírito, que serve de ligação entre o Espírito, propriamente dito, e a matéria corpórea. Ele é o intermediário das sensações percebidas pelo Espírito. Mas esse perispírito não é confinado no corpo, como numa caixa. Por sua natureza fluídica, ele irradia exteriormente e forma em torno do corpo uma espécie de atmosfera, como o vapor que dele se desprende. Mas o vapor que se desprende de um corpo malsão é igualmente malsão, acre e nauseabundo, o que infecta o ar dos lugares onde se reúnem muitas pessoas perversas. Assim como esse vapor é impregnado das qualidades do corpo, o perispírito é impregnado das qualidades, ou seja, do pensamento do Espírito, e irradia tais qualidades em torno do corpo.
Agora outro parêntese para responder de imediato a uma objeção oposta por alguns à teoria que o Espiritismo dá sobre o estado da alma. Acusam-no de materializar a alma, ao passo que, segundo a religião, a alma é puramente imaterial. Como a maior parte das outras, essa objeção provém de um estudo incompleto e superficial. Jamais o Espiritismo definiu a natureza da alma, que escapa às nossas investigações. Ele não diz que o perispírito constitui a alma. O vocábulo perispírito significa positivamente o contrário, pois especifica um envoltório em torno do espírito.
O que diz a respeito O Livro dos Espíritos? “Há no homem três coisas: a alma, ou espírito, princípio inteligente; o corpo, envoltório material; o perispírito, envoltório fluídico semimaterial, que serve de laço entre o espírito e o Corpo”. Do fato que, com a morte do corpo, a alma conserva o envoltório fluídico, não se pode deduzir que tal envoltório e a alma sejam uma só e mesma coisa, da mesma forma que não são uma só e a mesma coisa o corpo e a roupa ou a alma e o corpo.
A Doutrina Espírita nada tira à imaterialidade da alma. Ela apenas lhe dá dois envoltórios, em vez de um, durante a vida corpórea, e só um após a morte do corpo, o que é, não uma hipótese, mas um resultado da observação, e é com o auxílio desse envoltório que melhor se compreende a sua individualidade e melhor se explica a sua ação sobre a matéria.
Voltemos ao nosso assunto.
O perispírito, por sua natureza fluídica, é essencialmente móvel, elástico, se assim se pode dizer. Como agente direto do Espírito, ele é posto em ação e projeta raios, pela vontade do Espírito. Por esses raios ele serve à transmissão do pensamento, porque, de certa forma, está animado pelo pensamento do Espírito.
Sendo o perispírito o laço que une o Espírito ao corpo, é por seu intermédio que o Espírito transmite aos órgãos, não a vida vegetativa, mas os movimentos que exprimem a sua vontade. É também por seu intermédio que as sensações do corpo são transmitidas ao Espírito. Destruído o corpo sólido pela morte, o Espírito não age mais e não percebe mais senão por seu corpo fluídico, ou perispírito. Por isso age mais facilmente e percebe melhor, considerando-se que o corpo é um entrave. Tudo isso é resultado da observação.
Suponhamos agora duas pessoas próximas uma da outra, cada qual envolvida por sua atmosfera perispiritual, ─ permitam-nos o neologismo. Esses dois fluidos põem-se em contato e se penetram um no outro. Se eles forem de natureza antipática, repelem-se, e os dois indivíduos sentirão uma espécie de mal-estar ao se aproximarem um do outro, sem se darem conta disso. Se, ao contrário, forem movidos por um sentimento bom e benevolente, carregarão consigo um pensamento benevolente que atrai. É por isso que duas pessoas se compreendem e se adivinham sem se falarem. Um certo não sei quê por vezes diz que a pessoa que temos diante de nós deve estar animada por tal ou qual sentimento. Ora, esse não sei quê é a expansão do fluido perispiritual da pessoa em contato com o nosso, espécie de fio elétrico condutor do pensamento. A partir daí compreende-se que os Espíritos, cujo envoltório fluídico é muito mais livre do que no estado de encarnação, não necessitam de sons articulados para se entenderem.
O fluido perispiritual do encarnado é, pois, acionado pelo Espírito. Se, por sua vontade, o Espírito, por assim dizer, dardeja raios sobre outro indivíduo, os raios o penetram. Daí a ação magnética mais ou menos poderosa, conforme a vontade; mais ou menos benfazeja, conforme sejam esses raios de natureza melhor ou pior, mais ou menos vivificante, porque eles podem, por sua ação, penetrar os órgãos e, em certos casos, restabelecer o estado normal. Sabe-se qual é a influência das qualidades morais do magnetizador.
Aquilo que pode fazer um Espírito encarnado, dardejando seu próprio fluido sobre uma pessoa, pode igualmente fazê-lo um desencarnado, porque ele tem o mesmo fluido. Assim, ele pode magnetizar e, de acordo com sua natureza boa ou má, sua ação será benéfica ou malfazeja.
Assim, facilmente nos damos conta da natureza das impressões que recebemos, conforme o meio onde nos encontramos. Se uma reunião for composta de pessoas animadas por maus sentimentos, elas enchem o ar ambiente com fluido impregnado de seus pensamentos. Daí, para as almas boas, um mal-estar moral análogo ao malestar físico causado pelas exalações mefíticas: a alma fica asfixiada. Se, ao contrário, as pessoas tiverem intenções puras, encontramo-nos em sua atmosfera como se num ar vivificante e salubre. Naturalmente, o efeito será o mesmo num ambiente cheio de Espíritos, conforme sejam bons ou maus.
Isso bem compreendido, chegamos sem dificuldade à ação material dos Espíritos errantes sobre os Espíritos encarnados, e daí, à explicação da mediunidade.
Se um Espírito quer agir sobre uma pessoa, dela se aproxima e envolve-a, por assim dizer, com o seu perispírito, como se fosse um manto. Os fluidos se penetram; os dois pensamentos e as duas vontades se confundem, e então o Espírito pode servir-se daquele corpo como se fora o seu próprio; fazê-lo agir à sua vontade, falar, escrever, desenhar, etc. Esses são os médiuns. Se o Espírito for bom, sua ação será suave e benéfica, e ele só provocará boas coisas; se for mau, provocará maldades; se for perverso e maldoso, ele o constrange como numa armadilha; paralisa até mesmo a vontade e a razão, que abafa sob seus fluidos, assim como se apaga o fogo sob um lençol d’água; incita-o a pensar, falar e agir por ele, conduzindo-o, contra sua vontade, a atos extravagantes ou ridículos. Numa palavra, ele magnetiza o indivíduo e o leva a uma espécie de catalepsia moral, transformando-o em instrumento cego de sua vontade. Tal é a causa da obsessão, da fascinação e da subjugação, que se mostram em diversos graus de intensidade.
É ao paroxismo da subjugação que geralmente se dá o nome de possessão. Deve notar-se que, nesse estado, muitas vezes o indivíduo tem consciência do ridículo daquilo que faz, mas é constrangido a fazê-lo, como se um homem mais vigoroso que ele o constrangesse, contra sua vontade, a mover os braços, as pernas, a língua.
Eis um curioso exemplo.
Numa pequena reunião em Bordeaux, em meio a uma evocação, o médium, um jovem de caráter suave e perfeita urbanidade, de repente começa a bater na mesa, levanta-se com olhar ameaçador, mostrando os punhos aos assistentes, proferindo pesadas injúrias e querendo atirar-lhes um tinteiro. A cena, tanto mais chocante quanto inesperada, durou aproximadamente dez minutos, depois do que o moço retomou a calma habitual e desculpou-se do que se havia passado, dizendo que sabia muito bem o que havia dito e feito, mas que não pudera impedir.
Quando tomamos conhecimento do fato, pedimos explicação numa sessão da Sociedade de Paris. Foi-nos respondido que o Espírito que o havia provocado era mais farsista do que mau, e que simplesmente queria divertir-se com o pavor dos assistentes. O que prova a veracidade da explicação é que o fato não se repetiu, e que o médium continuou a receber excelentes comunicações, como antes.
É importante esclarecer o que provavelmente excitou a verve daquele Espírito brincalhão. Um antigo dirigente da orquestra do teatro de Bordeaux, o Sr. Beck, tinha experimentado, durante vários anos antes de morrer, um fenômeno singular. Todas as noites, ao sair do teatro, parecia-lhe que um homem lhe saltava às costas, cavalgando às suas espáduas, até chegar à porta da casa. Aí o suposto indivíduo descia e o Sr. Beck se achava livre.
Nessa reunião, quiseram evocar o Sr. Beck e pedir-lhe uma explicação. Foi então que o Espírito farsista houve por bem substituí-lo e fazer o médium representar uma cena diabólica, pois nele encontrou, sem dúvida, as necessárias disposições fluídicas para secundá-lo.
Aquilo que nesta circunstância não passou de acidental, por vezes toma um caráter de permanência, quando o Espírito é mau, porque para ele o indivíduo se torna verdadeira vítima, à qual ele pode dar a aparência de verdadeira loucura. Dizemos aparência, porque a loucura propriamente dita sempre resulta de uma alteração dos órgãos cerebrais, ao passo que neste caso os órgãos estão tão intactos quanto os do jovem de quem acabamos de falar. Não há, pois, loucura real, mas aparente, contra a qual os remédios da terapêutica são impotentes, como o prova a experiência. Além do mais, eles podem produzir o que não existe. As casas de alienados contam com muitos doentes de tal gênero, para os quais o contato com outros alienados só poderá ser muito prejudicial, porque esse estado denota sempre uma certa fraqueza moral. Ao lado de todas as variedades de loucura patológica, convém, pois, acrescentar a loucura obsessiva, que requer meios especiais. Mas como poderá um médico materialista estabelecer essa diferença, ou mesmo admitila?
Bravo! irão exclamar os nossos adversários. Não se pode demonstrar melhor os perigos do Espiritismo, e nós temos razão em proibi-lo.
Um instante! O que dissemos prova precisamente a sua utilidade.
Credes que os maus Espíritos que pululam entre os seres humanos esperaram ser chamados a fim de exercerem sua influência perniciosa? Como os Espíritos existiram desde o início dos tempos, também desde o início dos tempos representaram o mesmo papel, pois esse papel está em sua natureza. Prova disso está na existência de grande número de pessoas obsedadas, ou possessas, se quiserdes, antes que se cogitasse de Espíritos, ou que, em nossos dias, jamais ouviram falar de Espiritismo e de médiuns. A ação dos Espíritos, bons ou maus, é, pois, espontânea. A dos maus produz uma porção de perturbações na economia moral e mesmo física que, por ignorância da verdadeira causa, são atribuídas a causas errôneas. Os maus Espíritos são inimigos invisíveis, tanto mais perigosos quanto menos se suspeita de sua ação. Pondo-os a descoberto, o Espiritismo vem revelar uma nova causa de certos males da Humanidade. Conhecida a causa, não se buscará mais combater o mal por meios que, sabemos agora, são inúteis, mas procurar-se-ão outros mais eficazes.
Ora, quem levou à descoberta dessa causa? A mediunidade. Foi pela mediunidade que esses inimigos ocultos traíram sua presença. Ela fez para eles o que fez o microscópio para os infinitamente pequenos: revelou todo um mundo.
O Espiritismo não atraiu os maus Espíritos. Ele descobriu-os e forneceu os meios de lhes paralisar a ação e, consequentemente, de afastá-los. Ele não trouxe o mal, pois este sempre existiu. Ao contrário, trouxe o remédio ao mal, mostrando-lhe as causas.
Uma vez reconhecida a ação do mundo invisível, ter-se-á a chave de uma porção de fenômenos incompreendidos e a Ciência, enriquecida com essa nova lei, verá novos horizontes se abrirem à sua frente. Quando lá chegará? Quando não mais professar o materialismo, pois este detém seu avanço e lhe interpõe uma barreira intransponível.
Antes de falar do remédio, expliquemos um fato que embaraça muitos espíritas, sobretudo nos casos de obsessão simples, isto é, naqueles muito frequentes, em que o médium não se pode desvencilhar de um mau Espírito que por ele se manifesta obstinadamente, pela escrita ou pela audição, e naquele, não menos frequente, em que, no meio de uma boa comunicação, vem um Espírito imiscuir-se para dizer coisas más. Pergunta-se, então, se os maus Espíritos são mais poderosos que os bons.
Reportemo-nos ao que dissemos no início, sobre a maneira como age o Espírito, e figuremos um médium envolvido, penetrado pelo fluido perispiritual de um mau Espírito. Para que o fluido de um bom Espírito possa agir sobre o médium, é necessário que ele penetre esse envoltório, e sabe-se que dificilmente a luz penetra um nevoeiro espesso. Conforme o grau da obsessão, o nevoeiro será permanente, tenaz ou intermitente e, consequentemente, mais fácil ou menos fácil de dissipar.
Nosso correspondente em Parma, Sr. Superchi, enviou-nos dois desenhos feitos por um vidente, representando perfeitamente essa situação. Num deles vê-se a mão do médium envolta numa nuvem escura, imagem do fluido perispiritual dos maus Espíritos, atravessada por um raio luminoso que vai clarear a mão. É o bom fluido que a dirige e se opõe à ação do mau. No outro, a mão está na sombra, e a luz está em volta do nevoeiro, que ela não pode penetrar. Aquilo que o desenho limita à mão, deve entender-se em relação ao corpo inteiro do médium.
Resta ainda a questão de saber se o bom Espírito é menos
poderoso que o mau. Não é o bom Espírito que é mais fraco. É o médium que não é bastante forte para livrar-se do manto que sobre si foi lançado; para se desembaraçar dos braços que o apertam, com o que ─ é bom dizer ─ por vezes ele se compraz. Nesse caso, compreende-se que o bom Espírito não possa dominar, pois o outro é preferido.
Admitamos, agora, o desejo de se desembaraçar desse envoltório fluídico de que o seu se acha penetrado, como de uma vestimenta impregnada pela umidade. Não bastará o desejo e nem mesmo a vontade é sempre suficiente. Trata-se de lutar contra um adversário. Ora, quando dois homens lutam corpo a corpo, é o de músculos mais fortes que vencerá o outro. Com um Espírito não se luta corpo a corpo, mas de Espírito a Espírito. É ainda o mais forte que será o vencedor. Aqui, a força está na autoridade que se pode exercer sobre o Espírito e tal autoridade está subordinada à superioridade moral.
A superioridade moral é como o sol, que dissipa o nevoeiro pela força de seus raios. Esforçar-se para ser bom; para tornar-se melhor se já se é bom; purificar-se de suas imperfeições; numa palavra, elevar-se moralmente o mais possível, tal é o meio de adquirir o poder de comandar os Espíritos inferiores, para afastá-los. Do contrário, eles zombarão de vossas injunções. (O Livro dos Médiuns, nº. 252 e 279).
Talvez perguntem por que os Espíritos protetores não lhes forçam a retirada. Sem dúvida o podem, e por vezes o fazem. Mas, permitindo a luta, também deixam o mérito da vitória. Se eles deixam pessoas com algum tipo de mérito se debaterem, é para pôr em prova sua perseverança e fazer com que adquiram mais força no bem. É para elas uma espécie de ginástica moral.
Eis a resposta que demos ao Sr. P..., coronel do estado-maior do exército austríaco, que nos consultava sobre uma afecção que ele atribuía aos maus Espíritos, desculpando-se por nos chamar de amigo, posto só nos conhecesse de nome:
“O Espiritismo é o laço fraterno por excelência, e tendes razão de pensar que os que partilham essa crença, mesmo sem se conhecerem, devam tratar-se como amigos. Agradeço-vos por terdes tido de mim uma boa opinião e me dardes esse título.
“Sinto-me feliz por encontrar em vós um adepto sincero e devotado a esta consoladora doutrina. Mas, pelo próprio fato de ser consoladora, ela deve dar força moral e resignação para suportar as provas da vida que, no mais das vezes, são expiação. Disto a Revista Espírita vos fornece numerosos exemplos.
“No que concerne à moléstia que sofreis, não vejo prova evidente da influência de maus Espíritos que vos obsidiariam. Admitamo-lo, pois, por hipótese. Só haveria uma força moral a opor a outra força moral, e essa não pode vir senão de vós.
“Contra um Espírito é necessário lutar de Espírito a Espírito, e o mais forte vencerá. Em casos semelhantes é preciso esforçar-se por adquirir a maior soma possível de superioridade pela vontade, pela energia e pelas qualidades morais, para ter o direito de lhe dizer: Vade retro! Assim, se estiverdes nesse caso, não será com a espada de coronel que o vencereis, mas com a espada do anjo, isto é, a virtude e a prece.
“A espécie de terror e angústia que experimentais nesses momentos é um sinal de fraqueza, que o Espírito aproveita.
“Dominai o medo, e com a vontade triunfareis. Tomai a iniciativa resolutamente, como o fazeis ante o inimigo, e crede-me vosso muito dedicado e afeiçoado,
“A. K.”
Sem dúvida certas pessoas prefeririam outra receita mais fácil para expulsar os Espíritos: algumas palavras a pronunciar, ou sinais a fazer, por exemplo, o que seria mais cômodo do que corrigir os próprios defeitos. Lamentamos, mas não conhecemos processo mais eficaz para vencer um inimigo do que ser mais forte que ele. Quando estamos doentes, temos que nos resignar a tomar remédios, por mais amargos que sejam. Mas, também, quando se teve a coragem de tomá-los, como a gente se sente bem e como fica forte! Temos que nos persuadir de que, para alcançar tal objetivo, não há palavras sacramentais, nem fórmulas, nem talismãs, nem sinais materiais quaisquer. Os maus Espíritos se riem e, às vezes, gostam de indicar alguns, que dizem infalíveis, para melhor captar a confiança daqueles de quem abusam, porque então esses, confiantes na virtude do processo, entregam-se sem medo.
Antes de esperar dominar o mau Espírito, é preciso dominar-se a si mesmo. De todos os meios para adquirir a força de consegui-lo, o mais eficaz é a vontade secundada pela prece, a prece de coração, entenda-se, e não de palavras, na qual a boca participa mais que o pensamento. É necessário pedir a seu anjo de guarda e aos bons Espíritos que nos assistam na luta. Mas não basta lhes pedir que expulsem o mau Espírito. É necessário lembrar-se da máxima: Ajuda-te, e o Céu te ajudará; e lhes pedir, sobretudo, a força que nos falta para vencer nossas más inclinações, que para nós são piores que os maus Espíritos, pois são essas inclinações que os atraem, como a podridão atrai as aves de rapina. Orar pelo Espírito obsessor é retribuir-lhe o mal com o bem, e mostrar-se melhor que ele, o que já é uma demonstração de superioridade. Com a perseverança, a gente acaba, na maioria dos casos, por conduzi-lo a melhores sentimentos, transformando o obsessor em reconhecido.
Em resumo, a prece fervorosa e os esforços sérios por se melhorar são os únicos meios de afastar os maus Espíritos, que reconhecem seus mestres naqueles que praticam o bem, ao passo que as fórmulas lhes provocam o riso. A cólera e a impaciência os excitam. É preciso cansá-los, mostrando-se mais pacientes do que eles.
Por vezes, entretanto, acontece que a subjugação atinge o ponto de paralisar a vontade do obsedado, e que deste não se pode esperar nenhum concurso valioso. É sobretudo então que a intervenção de terceiros se torna necessária, quer pela prece, quer pela ação magnética. Mas o poder dessa intervenção também depende do ascendente moral que o interventor possa ter sobre os Espíritos, porque, se não valerem mais, sua ação será estéril.
Nesse caso, a ação magnética terá por efeito penetrar o fluido do obsedado por um fluido melhor, e desprender o fluido do Espírito mau. Ao operar, deve o magnetizador ter o duplo objetivo de opor uma força moral a outra força moral e produzir sobre o paciente uma espécie de reação química, para usar uma comparação material, substituindo um fluido por outro fluido. Assim, ele não só opera um desprendimento salutar, mas fortalece os órgãos enfraquecidos por uma longa e por vezes vigorosa dominação.
Aliás, compreende-se que o poder da ação fluídica não só está na razão da força de vontade, mas, sobretudo, da qualidade do fluido introduzido e, conforme dissemos, tal qualidade depende da instrução e das qualidades morais do magnetizador. Daí se segue que um magnetizador comum, que agisse maquinalmente para magnetizar pura e simplesmente, produziria pouco ou nenhum efeito. É de toda necessidade um magnetizador espírita que atue com conhecimento de causa, com a intenção de produzir, não o sonambulismo ou a cura orgânica, mas os efeitos que acabamos de descrever. Além disso, é evidente que uma ação magnética dirigida nesse sentido não deixa de ser útil nos casos de obsessão ordinária, porque então, se o magnetizador for secundado pela vontade do obsedado, o Espírito será combatido por dois adversários, em vez de um.
É preciso dizer ainda que a gente muitas vezes responsabiliza os Espíritos estranhos por maldades pelas quais eles não são responsáveis.
Certos estados mórbidos e certas aberrações que são atribuídas a uma causa oculta, são, por vezes, devidos exclusivamente ao Espírito do indivíduo. As contrariedades frequentemente concentradas em si próprio, os sofrimentos amorosos, principalmente, têm levado ao cometimento de muitos atos excêntricos, que erradamente são levados à conta de obsessão. Muitas vezes a criatura é seu próprio obsessor.
Acrescentemos, finalmente, que certas obsessões tenazes, sobretudo de pessoas de mérito, por vezes fazem parte das provas a que se acham submetidas. “Por vezes, mesmo, acontece que a obsessão, quando simples, é uma tarefa imposta ao obsedado, que deve trabalhar para melhorar o obsessor, como um pai por um filho vicioso.”
Enviamos o leitor, para mais detalhes, a O Livro dos Médiuns.
Resta-nos falar da obsessão coletiva ou epidêmica e, em particular, da de Morzine. Isso, porém, exige considerações de certa amplitude, para mostrar, pelos fatos, sua similitude com as obsessões individuais. A prova disto encontraremos em nossas próprias observações e nas que são descritas nos relatórios dos médicos.
Além disso, resta-nos examinar o efeito dos meios empregados, e depois, a ação do exorcismo e as condições nas quais ele pode ser eficaz ou nulo.
A extensão dessa segunda parte obriga-nos a transformá-la em tema de um artigo especial, no próximo número.