Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1863

Capítulo IX

Janeiro - Dissertações espíritas

Janeiro


Outubro DISSERTAÇÕES ESPÍRITAS

Outubro

Que vos importa a idade dos patriarcas em geral, e a de Matusalém em particular? A Natureza, sabei-o bem, jamais teve contrasenso e irregularidades; e se a máquina humana algumas vezes variou, jamais rechaçou por tanto tempo a destruição material: a morte. Como já vos disse, a Bíblia é um magnífico poema oriental, onde as paixões humanas são divinizadas, como as paixões que os gregos idealizavam, a exemplo das grandes colônias da Ásia Menor. Não há razão para associar concisão com a ênfase, clareza com difusão, a frieza do raciocínio e da lógica moderna com a exaltação oriental. Os querubins da Bíblia tinham seis asas, como o sabeis: quase monstros! O Deus dos judeus banhava-se em sangue; sabeis e quereis que os vossos anjos sejam os mesmos anjos e que o vosso Deus, soberanamente justo e bom, seja o mesmo Deus? Não alieis, pois, vossa análise poética moderna com a poesia mentirosa dos antigos judeus ou pagãos. A idade dos patriarcas é uma figura moral, e não uma realidade; a autoridade, a lembrança desses grandes nomes, desses verdadeiros pastores de povos, enriquecidos de mistérios e de lendas que faziam irradiar em torno deles, existiam entre esses nômades supersticiosos e idólatras das lembranças. É provável que Matusalém tenha vivido muito tempo no coração de seus descendentes. Notai que na poesia oriental toda ideia moral é incorporada, encarnada, revestida de uma forma brilhante, radiante, esplêndida, contrariamente à poesia moderna, que desencarna, que rompe o envoltório para deixar escapar a ideia até o céu. A poesia moderna não só é expressa pelo brilho e pela cor da imagem, mas, também, pelo desenho firme e correto da lógica, numa palavra, pela ideia. Como quereis associar esses dois grandes princípios tão contrários? Quando lerdes a Bíblia sob as luzes do Oriente, em meio às imagens douradas, aos horizontes intermináveis e difusos dos desertos, das estepes, fazei correr a eletricidade que atravessa todos os abismos, todas as trevas, isto é, servi-vos da vossa razão e julgai sempre a diferença do tempo, das formas e das compreensões.


Lamennais.




Outubro

Que vos importa a idade dos patriarcas em geral, e a de Matusalém em particular? A Natureza, sabei-o bem, jamais teve contrasenso e irregularidades; e se a máquina humana algumas vezes variou, jamais rechaçou por tanto tempo a destruição material: a morte. Como já vos disse, a Bíblia é um magnífico poema oriental, onde as paixões humanas são divinizadas, como as paixões que os gregos idealizavam, a exemplo das grandes colônias da Ásia Menor. Não há razão para associar concisão com a ênfase, clareza com difusão, a frieza do raciocínio e da lógica moderna com a exaltação oriental. Os querubins da Bíblia tinham seis asas, como o sabeis: quase monstros! O Deus dos judeus banhava-se em sangue; sabeis e quereis que os vossos anjos sejam os mesmos anjos e que o vosso Deus, soberanamente justo e bom, seja o mesmo Deus? Não alieis, pois, vossa análise poética moderna com a poesia mentirosa dos antigos judeus ou pagãos. A idade dos patriarcas é uma figura moral, e não uma realidade; a autoridade, a lembrança desses grandes nomes, desses verdadeiros pastores de povos, enriquecidos de mistérios e de lendas que faziam irradiar em torno deles, existiam entre esses nômades supersticiosos e idólatras das lembranças. É provável que Matusalém tenha vivido muito tempo no coração de seus descendentes. Notai que na poesia oriental toda ideia moral é incorporada, encarnada, revestida de uma forma brilhante, radiante, esplêndida, contrariamente à poesia moderna, que desencarna, que rompe o envoltório para deixar escapar a ideia até o céu. A poesia moderna não só é expressa pelo brilho e pela cor da imagem, mas, também, pelo desenho firme e correto da lógica, numa palavra, pela ideia. Como quereis associar esses dois grandes princípios tão contrários? Quando lerdes a Bíblia sob as luzes do Oriente, em meio às imagens douradas, aos horizontes intermináveis e difusos dos desertos, das estepes, fazei correr a eletricidade que atravessa todos os abismos, todas as trevas, isto é, servi-vos da vossa razão e julgai sempre a diferença do tempo, das formas e das compreensões.


Lamennais.




Março POESIAS ESPÍRITAS

Março

Deus fez o homem ativo e livre e inteligente,

De seu próprio destino, artífice também.

Dois caminhos lhe abriu à escolha competente:

Um que ao mal o conduz; outro que o conduz ao bem.

E deles o primeiro é doce na aparência;

Porquanto esforço algum requer de quem o segue:

Sem cuidados quaisquer, só viver na indolência,

Em instintos brutais livremente prossegue,

É tudo o que é preciso. – O segundo caminho

Certo esforço requer, bom trabalho em ação,

Com vigilância atenta e sindicante alinho,

Sempre ágil a razão e o instinto em contenção.

O homem, livre de optar, pode dar-se ao primeiro,

Na ignorância estagnar e na imoralidade;

Preferindo ao dever um sentir mais grosseiro,

À suprema razão, o instinto e a maldade.

Ou bem pode ele, então, dando dócil ouvido

A uma voz que lhe diz: “Nasceste pra crescer,

E sempre progredir, não treva retido.”

No segundo caminho um nobre anseio ter.

Da sua decisão o seu destino depende

Sombrio se vier de uma errônea visão,

Ou qual da noiva alegre um olhar sorridente

Àquele homem feliz que herdou seu coração.

Se fizestes o mal, podereis neste mundo

Riquezas adquirir, títulos, honrarias;

Mas do Espírito a calma, e esse prazer profundo

Que nasce do ideal, promotor de alegrias

Fugirão para sempre; e o remorso ingente

A voz vos seguirá mesmo em vossos festins,

Cruel a misturar com nota assaz dolente

Vossos cantos de glória e estribilhos afins.

Mas quando vos chegar cruel a hora fatal,

Livre o Espírito, enfim, de seu corpo tão caro,

Novamente entrará em seu curso moral,

Onde a verdade é luz e o mal requer reparo,

Onde o sofisma impuro, a lassa hipocrisia

Acesso já não têm, pois tudo é luminoso,

Fantasma acusador, vossa vida de orgia

Surgirá ante vós, em toda a parte, ansioso.

Vossos crimes serão, rico, os vossos carrascos.

Desnudo ver-vos-ei; poderoso, sozinho;

Pasmado fugireis qual corça, entre penhascos,

Do caçador que a perde irado e em desalinho.

Talvez que ébrio de orgulho e tanto sofrimento,

Soltareis contra Deus grito blasfemador,

Mas vossa consciência atenta, no momento,

Elevará então seu brado vingador:

“Homem, de blasfemar cesse a tua demência.

“Deus já te criou livre, ativo, inteligente,

“Para ti expressou seu querer e potência,

“Artífice te fez de ti mesmo, e consciente.

“Tens na vontade tudo, enfim, pra transformar

“Teu mal em alegria. Além dos escarcéus,

Olha alguém que o dever cumpriu e a caminhar,

“Lutou muito e venceu, na conquista dos céus.

“Como preço do esforço a mesma recompensa

“Te espera. – Por que, pois, tanta lastimação?

“Ergue-te. E a Deus, que é bom, roga assistência intensa;

“Ora, trabalha e luta, e o céu terás, então.”

Um Espírito Protetor.




Setembro DISSERTAÇÕES ESPÍRITAS

Setembro

De todas as virtudes de que o Cristo nos deixou o adorável exemplo, nenhuma foi mais indignamente esquecida pela triste Humanidade do que a castidade. E não falo apenas da castidade do corpo, de que certamente ainda se encontrariam na Terra numerosos exemplos, mas dessa castidade da alma, que jamais concebeu um pensamento, deixou escapar uma palavra susceptível de manchar a pureza da virgem ou da criança que a escuta.

O mal é tão universal, as ocasiões de perigo tão multiplicadas, que os pais, mesmo os verdadeiramente castos em seus atos e em suas palavras, não podem escapar à dolorosa certeza de que seus filhos não poderão, façam o que fizerem, subtrair-se ao funesto contágio. É-lhes necessário, por maior que seja a repugnância que apresentem, resignar-se eles mesmos a abrir os olhos dessas inocentes criaturas, ao menos para as preservar do perigo físico, já que é absolutamente impossível preservá-las do perigo moral; e, muitas vezes ainda, quando julgavam ter evitado o perigo, aparece algum escolho, cuja existência não haviam suspeitado e sobre o qual vem encalhar a pobre e inocente criança, que seu amor não pôde preservar da sujeira do vício.

Quantas palavras imprudentes, mesmo na mais seleta sociedade; quantas imagens e descrições, mesmo nos mais sérios livros, não vêm, sem que os pais o saibam, despertar, excitar ou mesmo satisfazer completamente essa curiosidade ávida, tão temível, da criança que não tem a menor consciência do perigo! Se o mal é difícil de evitar, mesmo nas classes mais esclarecidas da sociedade, que dizer das classes inferiores? E supondo que uma criança tenha tido a felicidade de escapar a isso no teto paterno, como protegê-la desse inevitável contato com os vícios que a oprimem diariamente?

Eis uma chaga muito profunda, muito perigosa, da qual todo homem, que conservou o senso moral no fundo do coração, deve sentir a mais imperiosa necessidade de expurgar da sociedade. O mal está arraigado em nossos corações, e muito tempo se escoará ainda antes que cada um de nós se tenha tornado bastante puro para apenas lhe suspeitar a gravidade. Um tal pensaria cometer falta séria se, ante uma criança, se permitisse a mínima palavra ambígua; no entanto, rodeado de pessoas maduras, sentirá prazer em contar piadas obscenas ou triviais que, diz ele, não fazem mal a ninguém. Não vê que a obscenidade é um mal tão imoral que mancha tudo quanto toca, mesmo o ar, cujas vibrações levarão longe o contágio. Diz-se que as paredes têm ouvidos e esta imagem nunca foi tão verdadeira quanto em semelhante matéria. A pura e santa castidade só estabelecerá definitivamente o seu reino na Terra quando toda criatura que pensa e fala tiver compreendido que jamais deve, em qualquer circunstância, nem escrever nem pronunciar uma palavra que a virgem mais pura não possa ouvir sem corar.

Direis que não tendes filhos e que não há uma só criança em vossa casa e, assim, não tendes nenhuma razão, no vosso entender, para vos constrangerdes. Mas se vós mesmos fôsseis puros, não vos sentiríeis constrangidos; e não tendes amigos que vos escutam, que o vosso exemplo excita e que talvez perderão, ante os filhos que não conheceis, a reserva que um resto de pudor lhes havia feito observar até então? Depois, é quase sempre às refeições que vosso espírito se deixa arrastar em ditos espirituosos que provocam o riso dos convivas; mas não vedes os serviçais que vos rodeiam, e vosso vizinho tem filhos! Não conheceis esse vizinho, nem seus filhos, e jamais sabereis o mal do qual fostes a causa; mas o mal – ficai certos – venha de onde vier, será sempre punido. Não só as paredes têm ouvidos: no ar que respirais há coisas que ainda não conheceis ou que não quereis conhecer.

Ninguém tem o direito de exigir de seus subalternos uma virtude que não pratica nem possui.

Basta uma única palavra impura para alterar a pureza de uma criança; basta uma única criança impura introduzida numa casa de educação pública para gangrenar toda uma geração de crianças que, mais tarde, se tornarão homens. Haverá um só homem sensato que ponha em dúvida a verdade patente e dolorosa deste fato? Ninguém duvida, ninguém ignora toda a extensão do mal que uma única palavra pode acarretar e, contudo, ninguém se julga obrigado a essa castidade da alma, que revolta todo pensamento obsceno, por mais disfarçado que seja e, mesmo, em certas circunstâncias, ninguém olha como estrita obrigação moral abster-se de pilhérias que deviam fazê-lo corar, se não se orgulhasse em não corar. Triste e vergonhoso orgulho!

Não é só a castidade que deveríamos respeitar nas crianças, mas, também, essa delicada candura a quem toda ideia de falsidade faz corar o rosto; e essa virtude é também muito rara. Mas quando se observa como é elevada a imensa maioria de nossos filhos, não nos devemos admirar muito. Para a maioria dos pais, os filhos, sobretudo em tenra idade, não passam de pequenas bonecas, com as quais se divertem, como se fossem um brinquedo. E o que as torna tão divertidas é que sua ingênua credulidade permite que se abuse de sua paciência, de manhã à noite, com pequenas mentiras, julgadas inocentes porque são feitas sem qualquer maldade e unicamente, como se diz, para rir. Ora, em sua verdadeira acepção, a palavra inocente significa: que não prejudica. Mas, ao contrário, que há de mais nocivo à candura de uma criança que esses pequenos e contínuos abusos de confiança, dos quais ela é inocente por um instante, mas só por um instante, para depois rir e se divertir, achando o maior prazer em imitar logo que pode?

Disso resulta muitas vezes que a criança mais cândida aprende a enganar tão depressa quanto aprende a falar e que, ao cabo de pouco tempo, é capaz de dar lições aos seus mestres.

Quase não se suspeita, sobretudo nessa idade, que muitas vezes uma causa insignificante possa mais tarde provocar deploráveis resultados. Os órgãos da inteligência, nas crianças muito jovens, são qual cera mole, apta a receber o molde do mais fraco objeto que a toca e, mesmo, deformá-lo, ainda que por um instante. E quando esta cera, a princípio tão fluida, vier a endurecer, a impressão ficará inapagável. É um erro crer-se que ela possa ser coberta por outras: só a marca primitiva ficará indelével; ao contrário, as impressões ulteriores é que deixarão apenas um traço fugaz, sob o qual a primeira aparecerá sempre.

Eis o que bem poucos jovens pais são capazes de sentir com bastante força para disso fazerem uma regra de conduta com seus filhos, sendo necessário que se lhes repita continuamente.


Cécile Monvel.



Outubro DISSERTAÇÕES ESPÍRITAS

Outubro

Que vos importa a idade dos patriarcas em geral, e a de Matusalém em particular? A Natureza, sabei-o bem, jamais teve contrasenso e irregularidades; e se a máquina humana algumas vezes variou, jamais rechaçou por tanto tempo a destruição material: a morte. Como já vos disse, a Bíblia é um magnífico poema oriental, onde as paixões humanas são divinizadas, como as paixões que os gregos idealizavam, a exemplo das grandes colônias da Ásia Menor. Não há razão para associar concisão com a ênfase, clareza com difusão, a frieza do raciocínio e da lógica moderna com a exaltação oriental. Os querubins da Bíblia tinham seis asas, como o sabeis: quase monstros! O Deus dos judeus banhava-se em sangue; sabeis e quereis que os vossos anjos sejam os mesmos anjos e que o vosso Deus, soberanamente justo e bom, seja o mesmo Deus? Não alieis, pois, vossa análise poética moderna com a poesia mentirosa dos antigos judeus ou pagãos. A idade dos patriarcas é uma figura moral, e não uma realidade; a autoridade, a lembrança desses grandes nomes, desses verdadeiros pastores de povos, enriquecidos de mistérios e de lendas que faziam irradiar em torno deles, existiam entre esses nômades supersticiosos e idólatras das lembranças. É provável que Matusalém tenha vivido muito tempo no coração de seus descendentes. Notai que na poesia oriental toda ideia moral é incorporada, encarnada, revestida de uma forma brilhante, radiante, esplêndida, contrariamente à poesia moderna, que desencarna, que rompe o envoltório para deixar escapar a ideia até o céu. A poesia moderna não só é expressa pelo brilho e pela cor da imagem, mas, também, pelo desenho firme e correto da lógica, numa palavra, pela ideia. Como quereis associar esses dois grandes princípios tão contrários? Quando lerdes a Bíblia sob as luzes do Oriente, em meio às imagens douradas, aos horizontes intermináveis e difusos dos desertos, das estepes, fazei correr a eletricidade que atravessa todos os abismos, todas as trevas, isto é, servi-vos da vossa razão e julgai sempre a diferença do tempo, das formas e das compreensões.


Lamennais.