Venho a vós, meus amigos, a vós que sois os experimentados e os proletários do sofrimento. Venho saudar-vos, bravos e dignos operários, em nome da caridade e do amor. Sois os bem-amados de Jesus, do qual fui amigo. Repousai na crença espírita, como repousei no seio do enviado divino. Operários, sois os eleitos na via dolorosa da provação, onde marchais com os pés sangrentos e o coração desalentado. Irmãos, esperai! Todo sofrimento traz consigo o seu salário; toda jornada laboriosa tem sua noite de repouso. Crede no futuro, que será vossa recompensa e não busqueis o esquecimento, que é ímpio. O esquecimento, meus amigos, é a embriaguez egoísta e brutal; é a fome para vossos filhos e o pranto para vossas esposas. O esquecimento é uma covardia. Que pensaríeis de um operário que, a pretexto de leve fadiga, abandonasse a oficina e interrompesse covardemente a jornada iniciada? Meus amigos, a vida é a jornada da eternidade; cumpri bravamente o seu labor; não sonheis com um repouso impossível; não adianteis a hora do relógio do tempo; tudo vem na hora certa: a recompensa da coragem e a bênção ao coração comovido, que se confia à eterna justiça.
Sede espíritas: tornar-vos-eis fortes e pacientes, porque aprendereis que as provas são uma segura garantia do progresso e que vos abrirão a entrada das mansões bem-aventuradas, onde bendireis os sofrimentos que vos terão aberto o seu acesso.
A vós todos, operários e amigos, minhas bênçãos. Assisto às vossas reuniões, porque sois os bem-amados daquele que foi,
João, o Evangelista.
Allan Kardec.
I. Limites da reencarnação. — II. A reencarnação e as aspirações do homem. — III. Ação dos fluidos na reencarnação. — IV. As afeições terrenas e a reencarnação. — V. O progresso entravado pela reencarnação indefinida.
A reencarnação é necessária enquanto a matéria domina o Espírito. Mas, desde que o Espírito encarnado chegou a dominar a matéria e a anular os efeitos de sua reação sobre o moral, a reencarnação não tem mais nenhuma utilidade nem razão de ser. Com efeito, o corpo é necessário ao Espírito para o trabalho progressivo até que, tendo chegado a manejar este instrumento à vontade, a lhe imprimir sua vontade, o trabalho esteja realizado. Então lhe é necessário outro campo para a sua marcha, ao seu adiantamento para o infinito; é-lhe necessário um outro círculo de estudos, onde a matéria grosseira das esferas inferiores seja desconhecida. Tendo se depurado e experimentado suas sensações, na Terra ou em globos análogos, está maduro para a vida espiritual e seus estudos. Havendo-se elevado acima de todas as sensações corporais, não mais tem nenhum desses desejos ou necessidades inerentes à corporeidade: é Espírito e vive pelas sensações espirituais, que são infinitamente mais deliciosas do que as mais agradáveis sensações corporais.
As aspirações da alma conduzem à sua realização, e esta realização se cumpre na reencarnação, enquanto o Espírito está no trabalho material. Explico-me. Tomemos o Espírito em seus primórdios na carreira humana: estúpido e bruto, sente, contudo, a chama divina em si, pois que adora um Deus, que materializa consoante a sua materialidade. Nesse ser, ainda vizinho do animal, há uma aspiração instintiva, quase inconsciente, para um estado menos inferior. Começa por desejar satisfazer seus apetites materiais e inveja os que vê num estado melhor que o seu; assim, numa encarnação seguinte, ele mesmo escolhe, ou, antes, é arrastado a um corpo mais aperfeiçoado; e sempre, em cada uma de suas existências, deseja um melhoramento material; jamais se sentindo satisfeito, quer subir sempre, porque a aspiração à felicidade é a grande alavanca do progresso.
À medida que as sensações corporais se tornam maiores, mais aperfeiçoadas, suas sensações espirituais também despertam e crescem. Então começa o trabalho moral e a depuração da alma se une à aspiração do corpo para chegar ao estado superior.
Esse estado de igualdade de aspirações materiais e espirituais não é de longa duração; logo o Espírito se eleva acima da matéria e suas sensações não mais podem ser satisfeitas por ela; necessita mais; precisa de melhor; mas aí, tendo sido o corpo levado à perfeição sensitiva, não pode acompanhar o Espírito que, então, o domina e dele se desprende cada vez mais, como de um instrumento inútil; direciona todos os seus desejos, todas as suas aspirações para um estado superior; sente que as necessidades corporais que lhe eram um motivo de felicidade em suas satisfações, não são mais que um estorvo, um aviltamento, uma triste necessidade, da qual aspira libertar-se para gozar, sem entraves, de todas as venturas espirituais que pressente.
Sendo os fluidos os agentes que movimentam o nosso aparelho corporal, também são eles os elementos de nossas aspirações, pois há fluidos corporais e fluidos espirituais, tendendo todos a elevar-se e a unir-se a fluidos da mesma natureza. Esses fluidos compõem o corpo espiritual do Espírito que, na condição de encarnado, age por meio deles sobre a máquina humana que lhe compete aperfeiçoar, pois tudo é trabalho na Criação, tudo concorre para o progresso geral.
O Espírito tem livre-arbítrio, e sempre busca o que lhe é agradável e o satisfaz. Se for um Espírito inferior e material, procura suas satisfações na materialidade e, então, dará impulso aos seus fluidos corporais, que dominarão, mas tenderão sempre a crescer e elevar-se materialmente. Assim, as aspirações desses encarnados serão materiais e, voltando à condição de Espírito, buscará nova encarnação, em que satisfará suas necessidades e desejos materiais; porque, notai bem, a aspiração corporal não pode pedir, como realização, senão uma nova corporeidade, ao passo que a aspiração espiritual não se prende senão às sensações do Espírito. A isto será solicitado por seus fluidos, que deixou que se materializassem; e como no ato da reencarnação os fluidos agem para atrair o Espírito no corpo que foi formado, havendo, portanto, atração e união dos fluidos, a reencarnação se opera em condições que darão satisfação às aspirações de sua existência precedente.
Há fluidos espirituais como fluidos materiais, se estes dominarem; mas, então quando o espiritual sobreleva o material, o Espírito, que julga de modo diferente, escolhe ou é atraído por simpatias diferentes; como necessita de depuração e a esta só chega pelo trabalho, as encarnações escolhidas lhe são mais penosas porque, depois de haver dado supremacia à matéria e a seus fluidos, deve constrangê-la, lutar contra ela e dominá-la. Daí essas existências tão dolorosas e que, muitas vezes, parecem injustamente infligidas a Espíritos bons e inteligentes. Estes fazem sua última etapa corporal e entram, ao sair deste mundo, nas esferas superiores, onde suas aspirações superiores encontrarão a sua realização.
O dogma da reencarnação indefinida encontra oposições no coração do encarnado que ama, porquanto, em presença dessa infinidade de existências, produzindo novos laços em cada uma delas, ele pergunta com assombro em que se tornam as afeições particulares, e se estas não se fundem num único amor geral, o que destruiria a persistência da afeição individual. Ele se pergunta se esta afeição individual não é apenas um meio de adiantamento e então o desânimo se insinua em sua alma, porque a verdadeira afeição experimenta a necessidade de um amor eterno, sentindo que ela não se cansará jamais de amar. O pensamento desses milhares de afeições idênticas lhe parece uma impossibilidade, mesmo admitindo faculdades maiores para o amor.
O encarnado que estuda seriamente o Espiritismo, sem ideia preconcebida para um sistema, de preferência a outro, sente-se arrastado à reencarnação pela justiça que resulta do progresso e do avanço do Espírito em cada nova existência; mas quando o estuda do ponto de vista das afeições do coração, duvida e se assusta, mau grado seu. Não podendo pôr de acordo esses dois sentimentos, diz a si mesmo que aí ainda há um véu a levantar e seu pensamento em trabalho atrai as luzes dos Espíritos para conciliar o coração com a razão.
Já o disse antes: a encarnação para onde a materialidade é anulada. Mostrei como o progresso material a princípio havia aperfeiçoado as sensações corporais do Espírito encarnado; como o progresso espiritual, vindo a seguir, tinha contrabalançado a influência da matéria, subordinando-a enfim à sua vontade e que, chegado a esse grau de domínio espiritual, a corporeidade perdera sua razão de ser, pois o trabalho estava realizado.
Examinemos agora a questão da afeição sob os seus dois aspectos, material e espiritual.
Antes de tudo, o que é a afeição, o amor? Ainda a atração fluídica, atraindo um ser para outro, unindo-os num mesmo sentimento. Essa atração pode ser de duas naturezas diferentes, já que os fluidos são de duas naturezas. Mas para que a afeição persista eternamente, é preciso que seja espiritual e desinteressada; são precisos abnegação, devotamento e que nenhum sentimento pessoal seja o móvel deste arrastamento simpático. Desde que nesse sentimento haja personalidade, há materialidade. Ora, nenhuma afeição material persiste nos domínios do Espírito. Desse modo, toda afeição que não resulta senão do instinto animal ou do egoísmo, se destrói com a morte terrestre; é assim que seres que se dizem amados são esquecidos após pouco tempo de separação! Vós os amastes por vós, e não por eles, que não existem mais, pois os esquecestes e os substituístes; procurastes consolo no esquecimento; eles se vos tornam indiferentes, porque não tendes mais amor.
Contemplai a Humanidade e vede quão poucas são as afeições verdadeiras na Terra! Assim, não se devem admirar tanto da multiplicidade das afeições aí contraídas. São em minoria relativa, mas existem, e as que são reais persistem e se perpetuam sob todas as formas, primeiro na Terra, depois continuam no estado de Espírito, numa amizade ou num amor inalterável, que só faz crescer e se elevar cada vez mais.
Vamos estudar esta verdadeira afeição: a afeição espiritual.
A afeição espiritual tem por base a afinidade fluídica espiritual que, atuando só, determina a simpatia. Quando é assim, é a alma que ama a alma e essa afeição só toma força pela manifestação dos sentimentos da alma. Dois Espíritos unidos espiritualmente se buscam e tendem sempre a aproximar-se; seus fluidos são atrativos. Se estiverem num mesmo globo, serão impelidos um para o outro; se separados pela morte terrena, seus pensamentos se unirão na lembrança e a reunião far-se-á na liberdade do sono; e quando a hora de uma nova encarnação soar para um deles, procurará aproximar-se de seu amigo, entrando no que é a sua filiação material, e o fará com tanto mais facilidade quanto seus fluidos perispirituais materiais encontrarão afinidades na matéria corporal dos encarnados que deram à luz o novo ser. Daí um novo aumento de afeição, uma nova manifestação de amor. Tal Espírito amigo que vos amou como pai, vos amará como filho, como irmão ou como amigo, e cada um desses laços aumentará de encarnação em encarnação e se perpetuará de maneira inalterável quando, realizado o vosso trabalho, viverdes a vida do Espírito. Mas esta verdadeira afeição não é comum na Terra e a matéria a vem retardar, anular-lhe os efeitos, conforme domine o Espírito. A verdadeira amizade, o verdadeiro amor, sendo espiritual, tudo que se refere à matéria não é de sua natureza e em nada concorre para a identificação material. A afinidade persiste, mas fica em estado latente até que, triunfando o fluido espiritual, o progresso simpático se efetue novamente.
Em síntese, a afeição espiritual é a única resistente no domínio do Espírito. Na Terra e nas esferas do trabalho corporal, concorre para o avanço moral do Espírito encarnado que, sob a influência simpática, realiza milagres de abnegação e de devotamento aos seres amados. Aqui, nas moradas celestes, ela é a completa satisfação de todas as aspirações e a maior felicidade que o Espírito possa desfrutar.
Até aqui a reencarnação tem sido admitida de maneira muito prolongada; não se pensou que esse prolongamento da corporeidade, embora cada vez menos material, acarretava necessidades que deviam atrasar o progresso do Espírito. Com efeito, admitindo a persistência da geração nos mundos superiores, se atribuem ao Espírito encarnado necessidades corporais, dão-lhe deveres e ocupações ainda materiais, que o sujeitam e detêm o impulso dos estudos espirituais. Qual a necessidade desses entraves? Não pode o Espírito gozar das alegrias do amor sem sofrer as enfermidades corporais? Mesmo na Terra, esse sentimento existe por si mesmo, independente da parte material do nosso ser; por mais raros que sejam, há exemplos suficientes para provar que deve ser sentido, de modo mais geral, entre os seres mais espiritualizados.
A reencarnação proporciona a união dos corpos; o amor puro, apenas a união das almas. Os Espíritos se unem segundo afeições iniciadas em mundos inferiores, e trabalham juntos por seu progresso espiritual. Têm uma organização fluídica totalmente diferente da que era consequência de seu aparelho corporal, e seus trabalhos se exercem sobre os fluidos, e não sobre os objetos materiais. Vão a esferas que, também, realizaram seu período material e cujo trabalho humano ensejou a desmaterialização, esferas que, chegadas ao apogeu de seu aperfeiçoamento, também passaram por uma transformação superior que as torna apropriadas a experimentar outras modificações, mas num sentido inteiramente fluídico.
Agora compreendeis a imensa força do fluido, força que mal podeis constatar, mas que não vedes nem apalpais. Num estado menos pesado ao em que estais, tereis outros meios de ver, tocar, trabalhar esse fluido, que é o grande agente da vida universal. Por que, então, o Espírito ainda teria necessidade de um corpo para um trabalho que está fora das apreciações corporais? Dir-me-eis que esse corpo estará em relação com os novos trabalhos que o Espírito deverá realizar; mas, levando-se em conta que esses trabalhos serão completamente fluídicos e espirituais nas esferas superiores, por que lhe dar o embaraço das necessidades corporais, uma vez que a reencarnação determina sempre, como já disse, geração e alimentação, isto é, necessidades da matéria a satisfazer e, em contrapartida, entraves para o Espírito? Compreendei que o Espírito deve ser livre em seu voo para o infinito; compreendei que, tendo saído das fraldas da matéria, aspira, como a criança, a marchar e a correr sem ser detido pelo zelo materno, e que essas primeiras necessidades da primeira educação da criança são supérfluas para a criança crescida, e insuportáveis para o adolescente. Não desejeis, pois, ficar na infância; olhai-vos como alunos que fazem os últimos estudos escolares e se dispõem a entrar no mundo, a nele ter a sua posição e a começar trabalhos de outro gênero, que seus estudos preliminares terão facilitado.
O Espiritismo é a alavanca que, de um salto, erguerá ao estado espiritual todo encarnado que, querendo bem compreendê-lo e o pôr em prática, se empenhará em dominar a matéria, a tornar-se seu senhor, a aniquilá-la; todo Espírito de boa vontade pode pôr-se em condição de passar, ao deixar este mundo, para um estado espiritual sem retorno terrestre. Falta-lhe apenas fé ou vontade ativa. O Espiritismo a oferece a todos os que o quiserem compreender em seu sentido moralizador.
Um Espírito protetor do médium.
Observação. – Esta comunicação não traz outra assinatura, o que prova que não é necessário ter tido um nome célebre na Terra para ditar boas coisas.
É de notar-se a analogia existente entre a comunicação de Sens, transcrita mais acima, e a primeira parte desta. Sem dúvida esta última é mais desenvolvida, mas a ideia fundamental sobre a necessidade da encarnação é a mesma. Citamos ambas para mostrar que os grandes princípios da doutrina são ensinados em toda parte e que é assim que se constituirá e se consolidará a unidade do Espiritismo. Essa concordância é o melhor critério da verdade. Ora, não passa despercebido que as teorias excêntricas e sistemáticas, ditadas por Espíritos pseudo-sábios são sempre circunscritas a um círculo estreito e individual, razão por que nenhuma prevaleceu, e também porque não são de temer, pois só têm uma existência efêmera, que se apaga como uma fraca luz ante a claridade do dia.
Quanto à última comunicação, seria supérfluo ressaltar seu alto alcance, como fundo e como forma. Pode resumir-se assim:
A vida do Espírito, considerada do ponto de vista do progresso, apresenta três períodos principais, a saber:
1º – Período material, no qual a influência da matéria domina a do Espírito. É o estado dos homens que se entregam às paixões brutais e carnais, à sensualidade; cujas aspirações são exclusivamente terrestres, ligados aos bens temporais, ou refratários às ideias espirituais;
2º – Período de equilíbrio, no qual as influências da matéria e do Espírito se exercem simultaneamente; em que o homem, embora submetido às necessidades materiais, pressente e compreende o estado espiritual; em que trabalha para sair do estado corporal;
Nesses dois períodos o Espírito está sujeito à reencarnação, que se realiza nos mundos inferiores e médios.
3º – Período espiritual, no qual tendo o Espírito dominado completamente a matéria, não mais necessita da encarnação, nem do trabalho material, pois seu trabalho é inteiramente espiritual; é o estado dos Espíritos nos mundos superiores.
A facilidade com que certas pessoas aceitam as ideias espíritas, das quais, parece, têm a intuição, indica que pertencem ao segundo período; mas entre este e os outros há uma multidão de graus que o Espírito transpõe tanto mais rapidamente quanto mais próximo do período espiritual. É assim que, de um mundo material como a Terra, pode ir habitar um mundo superior, como Júpiter, por exemplo, se seu avanço moral e espiritual for suficiente para o dispensar de passar pelos graus intermediários. Depende, pois, do homem deixar a Terra sem retorno, como mundo de expiação e prova para ele, ou a ela não voltar senão em missão.