A Revista musical do Siècle de 21 de junho de 1864 trazia o artigo seguinte:
“Sob o título de Um órfão sob ferrolhos, o Sr. de Pontécoulant acaba de publicar excelente notícia em favor de uma boa causa. Parece que o diretor de uma casa de detenção concebeu a engenhosa ideia de fazer a música penetrar nas celas dos condenados. Ele compreendeu que seu dever não era apenas punir, mas corrigir.
“Para agir com certeza sobre o caráter do prisioneiro, magoado pelo castigo, ele foi direto à música. Começou por criar uma escola de canto. Os detentos que se haviam distinguido por sua boa conduta consideraram como uma recompensa fazer parte desse orfeão.
“A penitenciária assim se achava transformada. Entre cerca de mil prisioneiros foram escolhidos cem, que foram chamados a participar dos primeiros ensaios. O efeito foi muito grande sobre o moral desses infelizes. Uma infração dos regulamentos podia afastá-los da escola, então eles se organizaram a fim de respeitar as obrigações, até então desdenhadas.
“Com o propósito de dar melhor a compreender a importância que eles ligam à instituição desses coros, lembrarei que o silêncio lhes é imposto habitualmente. Eles pensam, mas não falam. Eles poderiam esquecer a sua língua, da qual não mais se servem momentaneamente. Nessas condições, compreende-se que essas peças falados e cantados em grupo lhes caem como maná do céu. É o momento de se reunirem, de ouvir vozes, de romper sua solidão, de comover-se, de existir.
“Repito que os resultados são excelentes. De setenta cantores que este ano compunham o orfeão, dezesseis indultos puderam ser concedidas. Não é convincente?
“Esquecia-me de dizer que a experiência foi feita em Melun. É uma prova a encorajar, um exemplo a seguir. Quem sabe esses corações endurecidos talvez sintam derreter o gelo e ainda possam gostar de alguma coisa! Ensinando-lhes a cantar, ensinam-lhes a não mais maldizer. Seu isolamento se povoa, a cabeça se acalma e a tarefa lhes parece menos pesada. Depois, terminada a pena, por vezes reduzida graças à aplicação e à boa conduta, eles sairão, livres da perversão pelo ódio.
“Um dia visitei a casa de saúde do Dr. B..., em companhia de um alienista. No caminho, dizia este:
─ “As duchas! As duchas!... Não conheço senão as duchas e a camisa de força. É a panaceia... Todos os outros paliativos são insuficientes quando se está diante de um louco furioso.
“Nesse momento, gritos no fundo do jardim atraíram a nossa atenção.
─ “Olhai! disse ele, vejo um que vai sofrer um dos dois suplícios, talvez os dois. Quereis que o sigamos? Vereis o efeito.
“O pobre diabo se debatia desesperadamente nas mãos dos guardas. Ele tinha ameaças na boca e fogo nos olhos. Parecia impossível tentar um apaziguamento sem o recurso dos grandes meios.
“De repente ouviu-se uma voz na outra extremidade do jardim. Ela vinha de um pavilhão isolado que se poderia supor que se erguera sozinho, com sua vinha virgem e suas parasitas caindo do telhado, num tufo de espinheiros em flor. A voz cantava o romance de Saulo, da Desdêmona.
“Parei para escutá-la. Não sei se devo a impressão que experimentei à influência da atmosfera e do lugar, mas o que afirmo é que jamais, em tempo algum, me senti tão profundamente comovido. Eu soube, depois, que a cantora era uma dama do mundo, à qual a infelicidade tinha feito perder a razão.
“O louco furioso parou de súbito, cessando de se debater e de blasfemar.
─ “A voz! A voz! disse ele... Psiu!
“E, ouvido à escuta, não experimentava senão o êxtase.
“Ele tinha-se acalmado.
─ “Então! perguntei ao alienista descontrolado, que dizeis do vosso famoso tópico?
“Ele preferia ser feito em pedaços do que retirar sua brutal afirmação. As pessoas sistemáticas são assim. Os fatos nada podem sobre elas. Elas tratam o que as contraria como uma exceção. Não tenteis combatê-las, porque elas têm sua ideia fixa e quando tiverdes esgotado todos os argumentos, elas vos rirão na cara. Nada de concessões! Estão convencidas ou não estão.
“Em vários hospícios de alienados, notadamente em Bicêtre, compreenderam o partido que poderia ser tirado da música e dela se servem vitoriosamente. Aí as missas são cantadas por loucos. Salvo raros incidentes, tudo se realiza conforme o programa, sem que se haja de reprimir o menor desvio.
“Há uma doença mais horrível que a loucura. Refiro-me ao cretinismo. Os loucos têm suas horas de lucidez; às vezes, mesmo, apenas são afetados por uma mania. Conversam razoavelmente sobre todos os assuntos, salvo sobre aquele que os faz divagar. Um se julga de vidro e recomenda que só o toquem com precaução; outro vos aborda e diz, mostrando um de seus vizinhos: ‘Vedes bem aquele moreninho? Ele se julga o filho de Deus, mas o Cristo sou eu!’ Um terceiro vos convida para as suas grandes caçadas, em seu parque esplêndido; ouve a matilha, os criados que o apoiam, as fanfarras que lhe respondem, a presa a gritar; é feliz em seu sonho; é quase sempre um ambicioso caído mais ou menos longe do objetivo visado. Todos os curáveis e incuráveis têm um ponto de referência para a imaginação.
“Mas aos outros, aos idiotas, aos cretinos, o que lhes resta? Eles ficam agachados a um canto de parede, sobre uma pedra, o rosto embrutecido, como horríveis bolas de carne, jamais tendo um lampejo de inteligência e não possuindo nem mesmo o instinto dos animais inferiores. Eles estão completamente perdidos de corpo e alma, não estão? Estão muito rebaixados em sua dignidade humana, muito degradados, muito tolhidos fisicamente e moralmente? Eles têm ouvidos para não ouvir, olhos para não ver, sentidos extintos. Eles são mortos vivos.
“Em vão tentaram algo ressuscitar neles, quer pela dureza, quer pela doçura. Era desesperador.
“Então vocalizaram notas em sua presença, até que as repetissem maquinalmente. Cantarolaram para eles motivos simples e curtos, que eles repetiram. Agora eles cantam. Para eles, cantar é uma festa. Pelo canto, eles são controlados. É sua punição ou sua recompensa; eles obedecem; eles têm consciência de suas ações. Ocupam-nos nos mesmos trabalhos. Ei-los a caminho de uma meia reabilitação intelectual.
“Há regiões em que essa cruel enfermidade se reproduz incessantemente. Será o ar ou a água que a provoca?
“Certa manhã, após uma noite de caça laboriosa, na vertente meridional dos Pireneus, eu tinha entrado na choupana de um pastor, para me refrescar. Aí encontrei o pai debilitado, sua mulher fragilizada e três crianças enfraquecidas, das quais uma enrodilhada sobre um monte de palha podre. Como eu examinasse esse infeliz apatetado, o pai me disse:
─ “Oh! Esse aí jamais viveu; ele nasceu como está. Aqui o cretinismo toma um em três. Eu pago a minha dívida.
─ “Ele vos reconhece? perguntei.
─ “Nem a mim, nem aos irmãos; fica na posição em que o vedes, e só desperta do entorpecimento quando o sol se põe e eu recolho o rebanho esparso; então ele se agita, parece contente, como se acontecesse alguma coisa feliz.
─ “E a que atribuís esse movimento?
─ “Não sei.
─ “De que sinal vos servis?
─ “Do refrão de todos os pastores.
─ “Vejamos. Dizei o refrão, como se os animais fossem ser recolhidos.
“O velho dócil foi para a porta, e, de pé no terreiro, com as mãos em concha, recomeçou o canto de chamada. Um fato estranho ocorreu: o menino doente ergueuse de um salto, soltando gritos inarticulados. Adivinhava-se que ele queria falar. Expliquei que a música agia poderosamente sobre os seus nervos. O pai compreendeu e me disse na sua gíria acentuada:
─ “Eu sei canções; eu lhas direi.
“Dois anos mais tarde tive ocasião de rever essa pobre gente, a quem eu trazia uma camurça ferida.
“O menino se havia tornado dócil.
“Publiquei a história antes que pensassem em servir-se da música como processo curativo em casos semelhantes. Meu relato foi considerado como uma fábula.
“O meio prático depois fez o seu caminho, com os cretinos e com os loucos, o que não impediu o meu alienista de sustentar que nada vale a camisa de força e as duchas. Ele está convicto disso.”
Não sabemos se o autor do artigo, Sr. Chadeuil, é antiespiritualista, mas o que é certo é que é antiespírita de marca maior, a julgar pelos sarcasmos que não poupa à crença nos Espíritos, sempre que achou ocasião em sua Revue musicale. Para negar uma doutrina baseada nos fatos e aceita por milhões de indivíduos ele viu, observou e estudou? Informou-se escrupulosamente em todas as fontes? Seus próprios artigos testemunham ignorância daquilo de que ele fala. Em que, então, ele se apoia para afirmar que é uma crença ridícula? Em sua opinião pessoal, que acha ridícula a ideia de Espíritos comunicando-se com os homens, exatamente como todas as ideias novas de alguma importância foram julgadas ridículas pelos homens, mesmo os mais capazes. É assim, sem dúvida, a aplicação dessas notáveis e verídicas palavras de seu artigo:
“As pessoas sistemáticas são assim. Os fatos nada podem sobre elas. Elas tratam o que as contraria como uma exceção. Não tenteis combatê-las, porque elas têm sua ideia fixa e quando tiverdes esgotado todos os argumentos, elas vos rirão na cara.”
Não é mais uma vez a história da trave e do argueiro no olho? É verdade que não sabemos se esta reflexão é dele ou do Sr. Pontécoulant. Seja como for, ele a cita como um elogio, portanto a aceita. Mas deixemos de lado a opinião do Sr. Chadeuil, que pouco nos importa, e vejamos o artigo em si mesmo, que constata um fato importante: A influência da música sobre os criminosos, os loucos e os idiotas.
Em todos os tempos tem-se reconhecido a influência salutar da música para o abrandamento dos costumes. Sua introdução entre os criminosos seria um progresso incontestável e só poderia ter resultados satisfatórios. Ela excita as fibras entorpecidas da sensibilidade e as predispõe a receber as impressões morais. Mas isso é suficiente? Não. É um trabalho em terra inculta, que necessita da semeadura de ideias próprias a provocar uma profunda impressão sobre essas naturezas desviadas. É preciso falar à alma, depois de haver amolecido o coração. O que lhes falta é a fé em Deus, em sua alma e no futuro; não uma fé vaga, incerta, incessantemente combatida pela dúvida, mas uma fé baseada na certeza, a única que pode torná-la inabalável. Sem dúvida a música pode predispor a isso, mas não a dá. Nem por isto deixa de ser uma auxiliar que não se pode negligenciar. Esta tentativa, e muitas outras que a Humanidade e a civilização não podem senão aplaudir, testemunham uma louvável solicitude pelo moral dos condenados. Resta, porém, atingir o mal na sua raiz. Um dia será reconhecida toda a extensão do socorro que pode ser haurido nas ideias espíritas, cuja influência já está provada pelas numerosas transformações que elas operam nas naturezas aparentemente mais rebeldes. Os que aprofundaram esta doutrina e meditaram sobre as suas tendências e as suas consequências inevitáveis são os únicos a compreender a força do freio que ela opõe aos arrastamentos perniciosos. A razão desse poder é que ele se dirige à própria causa desses arrastamentos, que é a imperfeição do Espírito, ao passo que a maior parte do tempo só a buscam na imperfeição da matéria. O Espiritismo, atualmente, como doutrina moral, não mais se acha no estado de simples teoria. Ele entrou na prática, ao menos para um grande número dos que admitem os seus princípios. Ora, conforme o que se passa, e em presença dos resultados produzidos, pode-se afirmar sem medo que a diminuição dos crimes e delitos será proporcional à sua divulgação. É o que um futuro próximo encarregar-se-á de demonstrar. Esperando que a experiência se faça em mais larga escala, ela se faz todos os dias individualmente. Disto a Revista já forneceu numerosos exemplos; limitar-nos-emos a lembrar as cartas de dois prisioneiros, publicadas nos números de novembro de 1863 e fevereiro de 1864.
Deixamos aos leitores o cuidado de apreciar o fato acima, relativo à loucura. Sem a menor dúvida é a mais amarga crítica aos alienistas que só conhecem as duchas e a camisa de força. O Espiritismo vem lançar uma luz completamente nova sobre as doenças mentais, demonstrando a dualidade do ser humano, e a possibilidade de agir isoladamente sobre o ser espiritual e sobre o ser material. O número incessantemente crescente dos médicos que entram nessa nova ordem de ideias necessariamente trará grandes modificações no tratamento dessas espécies de afecções. Abstração feita da ideia espírita propriamente dita, a constatação dos efeitos da música em semelhantes casos é um passo na via espiritualista, da qual os alienistas em geral se afastaram até hoje, com grande prejuízo para os doentes.
O efeito produzido sobre os idiotas e os cretinos é ainda mais característico. Quase sempre os loucos foram homens inteligentes; entretanto, isso não se dá com os idiotas e os cretinos, que parecem votados pela própria natureza a uma nulidade moral absoluta. O Espiritismo experimental vem também aqui lançar a luz, provando, pelo isolamento do Espírito e do corpo, que se trata geralmente de Espíritos desenvolvidos e não atrasados, como se poderia supor, mas unidos a corpos imperfeitos. Pela igualdade de inteligência, a diferença entre o louco e o cretino é que o primeiro, no nascimento do corpo, é provido de órgãos cerebrais constituídos normalmente, mas que mais tarde se desorganizam, ao passo que o segundo é um Espírito encarnado num corpo cujos órgãos, atrofiados desde o princípio, jamais lhe permitiram manifestar livremente o pensamento. Ele está na situação de um homem forte e vigoroso a quem tivessem tirado a liberdade de movimentos. Tal constrangimento é para o Espírito um verdadeiro suplício, porque ele não deixa de ter a faculdade de pensar, e sente, como Espírito, a abjeção em que o coloca sua enfermidade. Suponhamos, então, que em dado momento, por um tratamento qualquer, se possam desligar os órgãos: o Espírito recobraria a liberdade e o maior cretino tornar-se-ia um homem inteligente. Seria como um prisioneiro saindo da prisão, ou como um bom músico diante de um instrumento completo, ou, ainda, como um mudo recuperando a palavra.
O que falta ao idiota não são, pois, as faculdades, mas as cordas cerebrais correspondentes a essas faculdades, para a sua manifestação. Na criança normalmente constituída, o exercício das faculdades do Espírito leva ao desenvolvimento dos órgãos correspondentes, que nenhuma resistência oferecem. No idiota, a ação do Espírito é impotente para provocar um desenvolvimento que ficou em estado rudimentar, como um fruto abortado. A cura radical do idiota é, pois, impossível; tudo quanto se pode esperar é uma ligeira melhora. Por isto não se conhece nenhum tratamento aplicável aos órgãos; é ao Espírito que se tem de dirigir. Estudando as faculdades cujo germe se descobre, há que provocar o seu exercício da parte do Espírito, e então, se ele superar a resistência, poder-se-á obter uma manifestação, senão completa, ao menos parcial. Se há um meio externo de agir sobre os órgãos, é, sem dúvida, a música. Ela consegue abalar essas fibras entorpecidas, como um grande ruído que chega aos ouvidos de um surdo. O Espírito com isto se abala, como numa lembrança, e sua atividade, provocada, redobra os esforços para vencer os obstáculos.
Para aquele que no homem vê apenas uma máquina organizada, sem levar em conta a inteligência que preside a atividade desse organismo, tudo é obscuridade e problema nas funções vitais, tudo é incerteza no tratamento das afecções. Eis por que, o mais das vezes, não se ataca de frente o mal; mais do que isto: tudo são trevas nas evoluções da Humanidade, tudo é tateamento nas instituições sociais, por isso tantas vezes se toma o caminho errado. Admiti, apenas a título de hipótese, a dualidade do homem, a presença de um ser inteligente independente da matéria, preexistente e sobrevivente ao corpo, que para este é apenas envoltório temporário, e tudo se explica. Por experiências positivas, o Espiritismo faz desta hipótese uma realidade, revelando-nos a lei que rege as relações do Espírito e da matéria.
Então ride, ó céticos, da Doutrina dos Espíritos, saída do fenômeno vulgar das mesas girantes, como a telegrafia elétrica saiu das rãs dançarinas de Galvani, mas pensai que negando os Espíritos, vos negais a vós mesmos, e que riram das maiores descobertas.