Esta obra compreende a explicação e a interpretação dos Evangelhos, artigo por artigo, com a ajuda de comunicações ditadas pelos Espíritos. É um trabalho considerável e que tem, para os espíritas, o mérito de não estar, em nenhum ponto, em contradição com a doutrina ensinada em O Livro dos Espíritos e em O Livro dos Médiuns. As partes correspondentes às que tratamos em O Evangelho segundo o Espiritismo o são em sentido análogo. Aliás, como nos limitamos às máximas morais que, com raras exceções, geralmente são claras, elas não poderiam ser interpretadas de diversas maneiras; por isso jamais foram assunto de controvérsias religiosas. Foi por esta razão que por aí começamos, a fim de ser aceito sem contestação, esperando, quanto ao resto, que a opinião geral estivesse mais familiarizada com a ideia espírita.
O autor desta nova obra julgou dever seguir outro caminho; em vez de proceder por gradação, quis atingir o fim de um salto. Assim, tratou certas questões que não tínhamos julgado oportuno abordar ainda e das quais, por consequência, lhe deixamos a responsabilidade, bem como aos Espíritos que as comentaram. Consequente com o nosso princípio, que consiste em regular nossa marcha pelo desenvolvimento da opinião, até nova ordem não daremos às suas teorias nem aprovação, nem desaprovação, deixando ao tempo o cuidado de as sancionar ou as contraditar. Convém, pois, considerar essas explicações como opiniões pessoais dos Espíritos que as formularam, opiniões que podem ser justas ou falsas, e que, em todo o caso, necessitam da sanção do controle universal, e, até mais ampla confirmação, não poderiam ser consideradas como partes integrantes da Doutrina Espírita.
Quando tratarmos destas questões, fá-lo-emos categoricamente. Mas é que então teremos recolhido documentos bastante numerosos nos ensinos dados de todos os lados pelos Espíritos, a fim de poder falar afirmativamente e ter a certeza de estar de acordo com a maioria; é assim que temos feito, toda vez que se trata de formular um princípio capital. Já dissemos cem vezes: Para nós a opinião de um Espírito, seja qual for o nome que traga, tem apenas o valor de uma opinião individual; nosso critério está na concordância universal, corroborada por uma lógica rigorosa, para as coisas que não podemos controlar com os próprios olhos. De que nos serviria dar prematuramente uma doutrina como verdade absoluta se, mais tarde, devesse ser combatida pela generalidade dos Espíritos?
Dissemos que o livro do Sr. Roustaing não se afasta dos princípios de O Livro dos Espíritos e de O Livro dos Médiuns. Nossas observações assentam sobre a aplicação desses mesmos princípios à interpretação de certos fatos. É assim, por exemplo, que ele dá ao Cristo, em vez de um corpo carnal, um corpo fluídico concretizado, tendo todas as aparências da materialidade, e dele faz um agênere. Aos olhos dos homens que então não tivessem podido compreender sua natureza espiritual, deve ter passado em aparência, expressão incessantemente repetida no curso de toda a obra, para todas as vicissitudes da Humanidade. Assim se explicaria o mistério de seu nascimento: Maria não teria tido senão as aparências da gravidez. Este ponto, posto como premissa e pedra angular, é a base sobre a qual ele se apoia para a explicação de todos os fatos extraordinários ou miraculosos da vida de Jesus.
Sem dúvida nada há nisso de materialmente impossível para quem quer que conheça as propriedades do invólucro perispiritual. Sem nos pronunciarmos a favor ou contra essa teoria, diremos que ela é, pelo menos, hipotética, e que se um dia fosse reconhecida errônea, faltando a base, o edifício desabaria. Esperamos, pois, os numerosos comentários que ela não deixará de provocar da parte dos Espíritos, e que contribuirão para elucidar a questão. Sem a prejulgar, diremos que já foram feitas sérias objeções a essa teoria, e que, em nossa opinião, os fatos podem perfeitamente ser explicados sem sair das condições da humanidade corporal.
Estas observações, subordinadas à sanção do futuro, em nada diminuem a importância desta obra, que, ao lado de coisas duvidosas, em nosso ponto de vista, encerra outras incontestavelmente boas e verdadeiras, e será consultada com proveito pelos espíritas sérios.
Se o fundo de um livro é o principal, a forma não é para desdenhar e também concorre com algo para o sucesso. Achamos que certas partes são desenvolvidas muito extensamente, sem proveito para a clareza. A nosso ver, se a obra se tivesse limitado ao estritamente necessário, poderia ter sido reduzida a dois, ou mesmo a um só volume, com isso ganhando em popularidade.