Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1866

Capítulo XXII

Março - Noticias bibliográficas

Março

Noticias bibliográficas

História fantástica, por Théophile Gautier

Na Revista de dezembro último dissemos algumas palavras sobre esse romance, que foi editado em folhetim no Moniteur Universel, e que hoje está publicado em livro. Lamentamos que o espaço não nos permita fazer uma análise minuciosa e, sobretudo, citar algumas passagens cujas ideias são incontestavelmente bebidas na própria fonte do Espiritismo; mas, considerando-se que a maior parte dos nossos leitores certamente já o leu, um relato desenvolvido seria supérfluo. Diremos apenas que a parte concedida ao fantástico é certamente um pouco grande, e que seria preciso não tomar todos os fatos ao pé da letra. É preciso considerar que não se trata de um tratado de Espiritismo. A verdade está no fundo das ideias e pensamentos, que são essencialmente espíritas e apresentados com uma delicadeza e uma graça encantadoras, bem mais do que nos fatos, cuja possibilidade, por vezes, é contestável. Apesar de ser um romance, essa obra não deixa de ter uma grande importância, primeiro pelo nome do autor, e porque é a primeira obra capital oriunda de escritores da imprensa, onde a ideia espírita é categoricamente confirmada, e que aparece no momento em que parecia haver um desmentido lançado na onda de ataques contra essa ideia. A própria forma do romance tinha sua utilidade; certamente era preferível, como transição, à forma doutrinal de aspectos severos. Graças a uma leveza aparente, ele penetrou em toda parte, e com ele, a ideia. Embora Théophile Gautier seja um dos autores favoritos da imprensa, essa foi, contra o costume, de uma sobriedade parcimoniosa a respeito desta última obra. Ela não sabia se devia louvá-lo ou censurá-lo.


Censurar Théophile Gautier, um amigo, um confrade, um escritor amado pelo público; dizer que ele tinha feito uma obra absurda, era uma coisa difícil; elogiar a obra seria exaltar a ideia; guardar silêncio acerca de um nome popular teria sido uma afronta. A forma romanesca afastou o embaraço; permitiu dizer que o autor tinha feito uma bela obra de imaginação, e não de convicção. Falaram, mas falaram pouco. É assim que com a própria incredulidade há acomodações. Notamos uma coisa muito singular: No dia em que a obra apareceu em livro, havia em todos os livreiros cartões com um pequeno anúncio colocado no exterior. Alguns dias depois, todos os anúncios tinham desaparecido. Nos magros e raros noticiários dos jornais, encontramos confissões significativas, sem dúvida saídas por descuido da pena do escritor. No Courrier du Monde Illustré de 16 de dezembro de 1865 lê-se o seguinte:


“É preciso crer que, sem dar-se conta, sem professar a doutrina, sem mesmo ter sondado muito essas insondáveis questões de Espiritismo e sonambulismo, o poeta Théophile Gautier, apenas pela intuição de seu gênio poético, acertou em cheio, fugiu com o dinheiro do caixa e encontrou o abre-te Sésamo das evocações misteriosas, porque o romance que publicou em folhetim no Moniteur, sob o título de Espírita, agitou violentamente todos os que se ocupam dessas perigosas questões. A emoção foi imensa e, para avaliar todo o seu alcance, é preciso percorrer, como o fazemos, os jornais da Europa inteira.


“Toda a Alemanha espírita levantou-se como um só homem, e como todos os que vivem na contemplação de uma ideia só têm olhos e ouvidos para ela, um dos órgãos mais sérios da Áustria pretende que o imperador encomendou a Théophile Gautier esse prodigioso romance, a fim de desviar a atenção da França das questões políticas. Primeira asserção, cujo alcance não exagero. A segunda asserção feriu-me por seu lado fantástico.


“Segundo a folha alemã, o poeta da Comédia da Morte, muito agitado em consequência de uma visão, teria ficado gravemente doente, teria sido levado para Genebra e ali, sob o domínio da febre, teria sido forçado a guardar o leito por várias semanas, vítima de estranhos pesadelos, de alucinações luminosas, joguete constante de Espíritos errantes. Pela manhã teriam encontrado ao pé da cama as folhas esparsas do manuscrito de Espírita.


“Sem atribuir à inspiração que guiou a pena do autor de Avatar uma fonte tão fantástica, cremos firmemente que uma vez envolvido no seu assunto, o escritor de O Romance da Múmia ter-se-ia embriagado com essas visões, e que no paroxismo teria traçado essa descrição admirável do Céu, que é uma de suas mais belas páginas.


“A correspondência que deu origem à publicação de Espírita é extremamente curiosa. Lamentamos que um sentimento de conveniência não nos tenha permitido pedir cópia de uma das cartas recebidas pelo poeta de Esmaltes e Camafeus”


Aqui não fazemos crítica literária, sem o que poderíamos achar de gosto duvidoso a espécie de catálogo que o autor utilizou em seu artigo, que também nos parece pecar um pouco por falta de clareza. Confessamos não haver compreendido a frase da rã ; contudo é citada textualmente. Isto talvez se deva à dificuldade de explicar onde o célebre romancista colheu semelhantes ideias, e como ousou apresentá-las sem rir. Mas o que é mais importante é a confissão da sensação produzida por essa obra na Europa inteira. É preciso convir, pois, que a ideia espírita está bem vivaz e bem difundida; não é, pois, um aborto natimorto. Quantas pessoas são colocadas, por uma penada dos nossos adversários, na categoria dos cretinos e dos idiotas! Felizmente seu julgamento não é definitivo. Os Srs. Jaubert, Bonnamy e muitos outros fazem a apelação da sentença.


O autor qualifica essas questões de perigosas. Mas, segundo ele e os seus confrades de ceticismo, são contos fúteis e ridículos. Ora, o que é que um conto fútil pode ter de perigoso para a Sociedade? De duas, uma: no fundo de tudo isto existe ou não existe algo de sério. Se nada existe, onde está o perigo? Se tivéssemos escutado, no nascedouro, todos os que declararam perigosas a maior parte das grandes verdades que hoje brilham, onde estaríamos com o progresso? A verdade não tem perigo senão para os poltrões, que não ousam encará-la de frente, e para os interesseiros.


Um fato não menos grave, que vários jornais se apressaram em publicar, como se fosse comprovado, é que o imperador teria encomendado esse prodigioso romance, para desviar a atenção da França das questões políticas. Evidentemente não é uma questão de suposição, porque, admitindo a realidade da fonte, não é presumível que a tivessem divulgado. Mas essa mesma suposição é uma confissão da força da ideia espírita, pois reconhecem que um soberano, o maior político de nossos dias, pôde julgá-la apta a produzir semelhante resultado. Se tivesse sido esse o pensamento que presidiu a execução dessa obra, parece-nos que a coisa seria supérflua, porque apareceu exatamente no momento em que os jornais se preocupavam em disputar a primazia da atenção com o barulho que faziam a propósito dos irmãos Davenport.


O que há de mais claro em tudo isto é que os detratores do Espiritismo não conseguem entender a prodigiosa rapidez do progresso da ideia, a despeito de tudo quanto fazem para detê-la. Não podendo negar o fato que dia a dia se toma mais evidente, esbofam-se em procurar a causa em toda parte onde não está, na esperança de atenuar sua importância.


Num artigo intitulado Livros de hoje e de amanhã, assinado por Émile Zola, o Événement de 16 de fevereiro dá um resumo muito exíguo do assunto da obra em questão, acompanhado das seguintes reflexões:


“Há pouco tempo o Moniteur deu uma notícia fantástica de Théophile Gautier: Spirite, que a livraria Charpentier acaba de publicar em livro.


“A obra é para a maior glória dos Davenport; ela nos leva a passeio pelo país dos Espíritos, mostranos o invisível, revela-nos o desconhecido. O Jornal oficial deu os boletins do outro mundo.


“Mas eu desconfio da fé de Théophile Gautier. Ele tem uma bonomia irônica que cheira a incredulidade a uma légua. Eu desconfio que ele entrou no invisível pelo único prazer de descrever, à sua maneira, horizontes imaginários.


“No fundo, ele não acredita numa palavra das histórias que conta, mas gosta de contá-las, e os leitores gostarão de ler. Tudo é, pois, para o melhor, na melhor das incredulidades possíveis.


“Escreva o que escrever, Théophile Gautier é sempre pitoresco e poeta original. Se ele acreditasse no que diz, seria perfeito ─ e isto talvez fosse uma pena.”


Singular confissão, lógica singular e mais singular conclusão! Se Théophile Gautier acreditasse no que diz em Spirite, seria perfeito! Então as doutrinas espíritas conduzem à perfeição aqueles que as assimilam, de onde a consequência que se todos os homens fossem espíritas, todos seriam perfeitos. Um outro teria concluído: “Apressemo-nos em difundir o Espiritismo”... mas, não; seria uma pena!


Quantas pessoas repelem as crenças espíritas, não pelo medo de se tornarem perfeitas, mas simplesmente pelo medo de serem obrigadas a emendar-se! Os Espíritos lhes metem medo porque falam do outro mundo, e esse mundo lhes causa terrores. É por isto que tapam os olhos e os ouvidos.


A mulher do Espírita (Por Ange de Kéraniou)



Sobre esta obra, o Événement de 19 de fevereiro traz o artigo seguinte, assinado por Zola, como o precedente.

“Decididamente, os romancistas curtos de imaginação, nestes tempos de produção incessante, vão dirigir-se ao Espiritismo para encontrar assuntos novos e estranhos. Em meu último artigo, falei de Espírita, de Théophile Gautier; hoje tenho a anunciar o lançamento, pela casa Lemer, de A Mulher do Espírita, por Ange de Kéraniou.

“Talvez o Espiritismo venha a fornecer ao gênio francês o maravilhoso necessário a toda epopeia bem condicionada.

“Os Davenport nos terão assim trazido um dos elementos do poema épico que a literatura francesa ainda espera.

“O livro do Sr. Kéraniou é um pouco difuso; não se sabe se ele faz troça ou se fala sério, mas é cheio de detalhes curiosos que fazem dele uma obra interessante para folhear.

“O Conde Humbert de Luzy, um espírita emérito, uma espécie de anticristo, que faz as mesas dançarem, casou-se com uma jovem a quem inspira muito naturalmente um medo horrível.

“A jovem senhora, era de esperar, quer arranjar um amante. É aqui que a história se torna realmente original. Os Espíritos se constituem em guardas de honra do marido, e, em duas ocasiões, em circunstâncias desesperadoras, salvam essa honra com o auxílio de aparições e tremores de terra. “Se eu fosse casado, tornar-me-ia espírita.”

Decididamente, a ideia espírita faz a sua entrada na imprensa pelo romance. Aí ela entra ornamentada: a verdade nua e crua chocaria esses senhores. Não conhecemos esta nova obra senão pelo artigo acima; então, nada podemos dizer sobre ela. Apenas constataremos que o autor desta crítica enuncia, talvez sem lhe ter visto o alcance, uma grande e fecunda verdade, a de que a literatura e as artes encontrarão no Espiritismo uma rica mina a explorar. Nós dissemos há muito tempo: Um dia haverá a arte espírita, como houve a arte pagã e a arte cristã. Sim, o poeta, o literato, o pintor, o escultor, o músico, o próprio arquiteto haurirão a mancheias, nesta nova fonte, temas de inspiração sublime quando tiverem explorado em outros lugares que não no fundo de um armário. Théophile Gautier foi o primeiro a entrar na liça, por uma obra capital cheia de poesia. Ele terá imitadores, sem a menor dúvida.

“Talvez o Espiritismo vá fornecer os elementos do poema épico que a literatura francesa ainda espera”; já não seria um resultado tão forte para desdenhar. (Vide a Revista Espírita de dezembro de 1860: A Arte Espírita, a Arte Pagã e a Arte Cristã).


Forças naturais desconhecidas



Por Hermès *



Este não é um romance; é uma refutação, do ponto de vista da Ciência, das críticas dirigidas contra os fenômenos espíritas, a propósito dos irmãos Davenport, e da similitude que pretendem estabelecer entre esses fenômenos e os truques de prestidigitação. O autor apresenta o charlatanismo, que desliza em tudo, e as condições desfavoráveis nas quais se apresentaram os Davenport, condições que ele não procura justificar. Examina os próprios fenômenos, com abstração das pessoas, e fala com a autoridade de um cientista. Levanta vigorosamente a luva atirada por uma parte da imprensa nessa circunstância, e estigmatiza suas excentricidades de linguagem, que ele traduz à luz do bom-senso, mostrando até que ponto ela se afastou de uma discussão leal. Podemos não partilhar do sentimento do autor sobre todos os pontos, mas não deixamos de dizer que seu livro é uma refutação difícil de refutar. Assim, a imprensa hostil em geral guardou silêncio sobre o assunto. Contudo, o Événement de 1.º de fevereiro falou dele nestes termos:

“Tenho em mãos um livro que deveria ter sido editado no último outono. Ele trata dos Davenport. Este livro, assinado com pseudônimo de ‘Hermès’, tem por título Forças naturais desconhecidas, e pretende que deveríamos aceitar o armário e os dois irmãos, porque nossos sentidos são débeis e não podemos explicar tudo em a Natureza. Inútil dizer que o livro foi editado pela livraria Didier.

“Eu não falaria destas folhas que se enganam de estação, se elas não contivessem um violento requisitório contra a imprensa parisiense inteira. O Sr. Hermès narra claramente os seus feitos aos redatores do Opinion, do Temps, da France, do Fígaro, do Petit Journal, etc. Eles foram insolentes e cruéis, e sua má-fé só pode ser comparada com a sua tolice. Eles não compreendiam, portanto não deviam falar. Ignorância, falsidade, grosseria, esses jornalistas cometeram todos os crimes.

“O Sr. Hermès é muito duro. Louis Ulbach é chamado ‘o homem de óculos’, injúria extremamente ultrajante. Edmond About, que havia perguntado qual a diferença entre os médiuns e o Dr. Lapommerais, recebe o troco largamente. O Sr. Hermès declara que ‘ele não se admira que certos amadores de trocadilhos tenham jogado na lama o nome de seu gracioso contraditor’. Sentis toda a delicadeza desse jogo de palavras?

“O Sr. Hermès acaba confessando que vive num jardim retirado e que só se preocupa com a verdade.

Seria preferível que vivesse na rua e que tivesse toda a calma e toda a caridade cristã da solidão.”

Não é curioso ver esses senhores darem lições teóricas de calma e de caridade cristã àqueles a quem injuriam gratuitamente, e não concordar que lhes respondam? Entretanto, não censurarão o Sr. Hermès por falta de moderação, porque, por excesso de consideração, ele não cita nenhum nome próprio. É verdade que as citações, assim agrupadas, formam um buquê muito pouco gracioso. De quem a falta se esse buquê não exala um perfume de urbanidade e de bom gosto? Para ter o direito de se queixar de algumas apreciações um pouco severas, seria preciso não provocá-las.


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* Broch. In-18. Pr.: l fr. Livraria Didier.