Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1866

Capítulo LVIII

Agosto - Questões e problemas

Agosto

Questões e problemas

Crianças, guias espirituais dos pais



Tendo perdido um filho de sete anos, e tendo-se tornado médium, a mãe teve essa mesma criança como guia. Um dia lhe fez a seguinte pergunta:

─ Caro e bem amado filho, um espírita meu amigo não compreende e não admite possas ser o guia espiritual de tua mãe, porque ela existia antes de ti e, indubitavelmente, deve ter tido um guia, mesmo que fosse apenas durante o tempo em que tivemos a felicidade de ter-te ao nosso lado. Podes dar-nos algumas explicações?

Resposta do Espírito da criança ─ Como quereis aprofundar tudo quanto vos parece incompreensível? Aquele que vos parece mesmo o mais adiantado no Espiritismo está apenas nos primeiros elementos da doutrina e não sabe mais do que esse ou aquele que vos parece ao par de tudo e capaz de vos dar explicações. Eu existi muito tempo antes de minha mãe, e ocupei, em outra existência, uma posição eminente por meus conhecimentos intelectuais.

“Mas um imenso orgulho se havia apoderado de meu Espírito, e durante várias existências consecutivas fui submetido à mesma provação, sem poder dela triunfar, até chegar à existência em que estava junto de vós. No entanto, como já era adiantado, e minha partida devia servir ao vosso adiantamento, para vós, tão atrasados na vida espírita, Deus me chamou antes do fim de minha carreira, considerando minha missão junto a vós mais aproveitável como Espírito do que como encarnado.

Durante minha última estada na Terra, minha mãe teve o seu anjo de guarda junto a ela, mas temporariamente, porque Deus sabia que era eu que devia ser o seu guia espiritual, e que eu a levaria mais eficazmente para o caminho do qual ela estava tão afastada. O seu guia foi chamado para outra missão, quando vim tomar seu lugar junto a ela.

Perguntai aos que sabeis mais adiantados do que vós se esta explicação é lógica e boa, porque pode ser que, considerando-se que esta é minha opinião pessoal, talvez eu me engane. Enfim, isto vos será explicado, se perguntardes. Muitas coisas ainda vos são ocultas e vos parecerão claras mais tarde. Não queirais aprofundar muito, porque dessa constante preocupação nasce a confusão de vossas ideias. Tende paciência, pois assim como um espelho embaciado por um sopro ligeiro pouco a pouco vai ficando límpido, vosso espírito tranquilo e calmo atingirá esse grau de compreensão necessário ao vosso adiantamento.

Coragem, pois, bons pais; marchai com confiança, e um dia bendireis a hora da provação terrível que vos trouxe ao caminho da felicidade eterna, sem a qual teríeis ainda muitas existências infelizes a percorrer.

OBSERVAÇÃO: Esse garoto tinha uma precocidade intelectual rara para a sua idade. Mesmo gozando de um bom estado de saúde, parecia pressentir seu fim próximo. Ele se alegrava nos cemitérios e sem jamais ter ouvido falar em Espiritismo, no qual seus pais não acreditavam, muitas vezes perguntava se, quando se estivesse morto, não se poderia voltar para os que se tinha amado. Ele aspirava a morte como uma felicidade e dizia que quando morresse sua mãe não deveria afligir-se, porque ele voltaria para junto dela. Com efeito, foi a morte de três filhos em alguns dias que levou os pais a buscar uma consolação no Espiritismo. Eles encontraram largamente essa consolação, e sua fé foi recompensada pela possibilidade de conversar a cada instante com os filhos. Dentro de bem pouco tempo a mãe se tornou excelente médium, tendo seu próprio filho como guia, Espírito que se revela de uma grande superioridade.


Comunicação com os seres que nos são caros



Por que todas as mães que choram os filhos e ficariam felizes se se comunicassem com eles muitas vezes não o podem? Por que a visão deles lhes é recusada, mesmo em sonhos, a despeito de seu desejo e de suas preces ardentes?

Além da falta de aptidão especial que, como se sabe, não é dada a todos, há por vezes outros motivos cuja utilidade a sabedoria da Providência aprecia melhor do que nós. Essas comunicações poderiam ter inconvenientes para naturezas muito impressionáveis; certas pessoas poderiam delas abusar e a elas se entregar com um excesso prejudicial à saúde. A dor, em semelhantes casos, sem dúvida é natural e legítima; mas algumas vezes é levada a um ponto desarrazoado. Nas pessoas de caráter fraco, muitas vezes essas comunicações reavivam a dor em vez de acalmá-la, por isso nem sempre lhes é permitido recebê-las, mesmo por outros médiuns, até que se tenham tornado mais calmas e bastante senhoras de si para dominar a emoção. A falta de resignação, em casos tais, é quase sempre uma causa de retardamento.

Depois, é preciso dizer que a impossibilidade de nos comunicarmos com os Espíritos que mais amamos, quando podemos com outros, é muitas vezes uma prova para a fé e a perseverança e, em certos casos, uma punição. Aquele a quem esse favor é recusado deve, pois, dizer-se que sem dúvida a mereceu. Cabe-lhe procurar a causa em si mesmo, e não atribuí-la à indiferença ou ao esquecimento do ser lamentado.

Enfim, há temperamentos que, não obstante a força moral, poderiam sofrer pelo exercício da mediunidade com certos Espíritos, mesmo simpáticos, conforme as circunstâncias.

Admiremos em tudo a solicitude da Providência, que vela pelos menores detalhes, e saibamos submeter-nos à sua vontade sem murmúrio, porque ela sabe melhor do que nós o que nos é útil ou prejudicial. Ela é para nós como um bom pai, que nem sempre dá a seu filho o que ele deseja.

As mesmas razões ocorrem no que concerne aos sonhos. Os sonhos são a lembrança do que a alma viu em estado de desprendimento durante o sono. Ora, essa lembrança pode ser interdita. Mas aquilo de que a gente não se lembra não está, por isto, perdido para a alma. As sensações experimentadas durante as excursões que ela faz no mundo invisível, deixam, ao despertar, impressões vagas, e a gente se lembra de pensamentos e ideias cuja origem muitas vezes não suspeita. Portanto, podemos ter visto, durante o sono, os seres aos quais temos afeição, termo-nos entretido com eles, mas não guardamos a lembrança. Então dizemos que não sonhamos.

Mas se o ser lamentado não pode manifestar-se de uma maneira extensiva qualquer, nem por isso estará menos junto aos que o atraem por seu pensamento simpático. Ele os vê, ouve as suas palavras e muitas vezes adivinha a sua presença por uma espécie de intuição, uma sensação íntima, algumas vezes mesmo por certas impressões físicas. A certeza de que ele não está no nada; de que ele não está perdido nas profundezas do espaço nem nos abismos do inferno; de que ele é mais feliz, agora isento dos sofrimentos corporais e das tribulações da vida; de que o verão, após uma separação momentânea, mais belo, mais resplendente, sob seu envoltório etéreo imperecível, e não sob a pesada carapaça carnal, eis a imensa consolação que recusam aqueles que creem que tudo acaba com a vida; eis o que dá o Espiritismo.

Em verdade não se compreende o encanto que se pode encontrar em comprazer-se na ideia do nada para si mesmo e para os seus, e na obstinação de certas pessoas em repelir até a esperança de que pode ser diferente, e os meios de adquirir a sua prova. Diga-se a um doente agonizante: “Amanhã estareis curado; vivereis ainda muitos anos, alegre, saudável”, e ele aceitará o augúrio com alegria. O pensamento da vida espiritual indefinida, isenta das enfermidades e preocupações da vida não é muito mais satisfatório?

Pois bem! O Espiritismo dela não dá apenas a esperança, mas a certeza. É por isto que os espíritas consideram a morte de maneira completamente diferente dos incrédulos.


Perfectibilidade dos Espíritos



(Paris, 3 de fevereiro de 1866 - Grupo do Sr. Lat... - Médium: Sr. Desliens)



Pergunta. ─ Se os Espíritos ou almas se melhoram indefinidamente, conforme o Espiritismo, eles devem tornar-se infinitamente aperfeiçoados ou puros. Chegados a esse grau, por que não são iguais a Deus? Isto não está de acordo com a justiça.

Resposta. ─ O homem é uma criatura realmente singular! Sempre acha o seu horizonte muito limitado. Quer tudo compreender, tudo captar, tudo conhecer! Quer penetrar o insondável e despreza o estudo do que lhe toca imediatamente; quer compreender Deus, julgar os seus atos, fazê-lo justo ou injusto; diz como queria que ele fosse, sem suspeitar que ele é tudo isso e muito mais!... Mas, verme miserável, algum dia compreendeste de modo absoluto algo do que te cerca? Sabes por que lei a flor se colore e se perfuma aos beijos vivificantes do sol? Sabes como nasces, como vives e por que teu corpo morre?... ─ Tu vês fatos, mas as causas para ti ficam envoltas num véu impenetrável, e querias julgar o princípio de todas as coisas, a causa primeira, Deus enfim! ─ Há muitos outros estudos mais necessários ao desenvolvimento de teu ser, que merecem toda a tua atenção!...

Quando resolves um problema de álgebra vais do conhecido para o desconhecido e, para compreender Deus, esse problema insolúvel desde tantos séculos, queres dirigir-te a ele diretamente! Então tendes todos os elementos necessários para estabelecer tal equação? Não te falta algum documento para julgar teu criador em última instância? Por acaso vais acreditar que o mundo seja limitado a este grão de areia perdido na imensidade do espaço onde te agitas mais imperceptível que o menor dos infusórios, e que o Universo seja uma gota d’água? Contudo, raciocinemos e vejamos por que, conforme teus conhecimentos atuais, Deus seria injusto não se deixando jamais atingir por sua criatura.

Em todas as ciências há axiomas ou verdades irrecusáveis, que se admitem como bases fundamentais. As ciências matemáticas, e em geral todas as ciências, são baseadas no axioma de que a parte jamais poderia igualar o todo. O homem, criatura de Deus, segundo esse princípio, jamais poderia atingir aquele que o criou.

Suponde que um indivíduo tenha que percorrer uma estrada de extensão infinita. De uma extensão infinita, pesai bem a expressão. Aí está a posição do homem em relação a Deus, considerado como o seu objetivo.

Dir-me-eis que, por pouco que se marche, a soma dos anos e dos séculos de marcha permitirá atingir o fim. É um erro!... O que fizerdes num ano, num século, num milhão de séculos, será sempre uma quantidade finita; um outro espaço igual não vos permitirá acrescentar senão uma quantidade igualmente finita, e assim por diante. Ora, para o mais noviço matemático, uma soma de quantidades finitas jamais formará uma quantidade infinita. O contrário seria absurdo, pois nesse caso o infinito poderia ser medido, o que faria com que ele perdesse sua qualidade de infinito. ─ O homem progredirá sempre e incessantemente, mas em quantidade finita; a soma de seus progressos não será jamais senão uma perfeição finita, que não poderia atingir Deus, o infinito em tudo. Não há, pois, injustiça da parte de Deus em que suas criaturas jamais o possam igualar. A natureza de Deus é um obstáculo intransponível a um tal objetivo do Espírito; sua justiça não poderia permiti-lo, porque se um Espírito se igualasse a Deus, seria o próprio Deus. Ora, se dois Espíritos forem tais que tenham ambos o mesmo poder infinito em todos os sentidos e um for idêntico ao outro, eles se confundirão num só e não haverá mais que um Deus. Um deles deveria, pois, perder a sua individualidade, o que seria uma injustiça muito mais evidente do que não poder atingir um fim infinitamente distanciado, dele se aproximando constantemente. Deus faz bem o que faz e o homem é demasiadamente pequeno para permitir-se pesar as suas decisões.

MOKI

OBSERVAÇÃO: Se há um mistério insondável para o homem, é o princípio e o fim de todas as coisas. A visão do infinito lhe dá vertigem. Para compreendê-lo são necessários conhecimentos e um desenvolvimento intelectual e moral que ele ainda está longe de possuir, malgrado o orgulho que o leva a julgar-se chegado ao topo da escala humana. Em relação a certas ideias, ele está na posição de uma criança que quisesse fazer cálculo diferencial e integral, antes de saber as quatro operações. À medida que avançar para a perfeição, seus olhos abrir-se-ão à luz, e a névoa que os cobre se dissipará. Trabalhando seu melhoramento no presente, ele chegará mais cedo do que perdendo-se em conjecturas.