Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1867

Capítulo 6

Janeiro NECROLÓGIO

Janeiro

1. — A Sociedade Espírita de Paris acaba de sofrer nova perda na pessoa do Sr. Charles-Julien Leclerc, antigo mecânico, de cinquenta e sete anos, morto subitamente de um ataque de apoplexia fulminante, em 2 de dezembro, no momento em que entrava na ópera. Tinha morado muito tempo no Brasil e foi ali que colheu as primeiras noções do Espiritismo, para o que o havia preparado a doutrina de Fourrier, da qual era zeloso partidário. Voltando à França, depois de haver conquistado uma posição de independência por seu trabalho, devotou-se à causa do Espiritismo, cujo elevado alcance humanitário e moralizador para a classe operária ele entrevira facilmente. Era um homem de bem, estimado e lamentado por todos que o conheceram, um espírita de coração, esforçando-se para pôr em prática, em benefício de seu avanço moral, os ensinamentos da doutrina, um desses homens que honram a crença que professam.


2. — A pedido da família, fizemos junto ao túmulo a prece pelas almas que acabam de deixar a Terra (O Evangelho segundo o Espiritismo), seguida das seguintes palavras:

“Caro Sr. Leclerc, sois um exemplo da incerteza da vida, pois na antevéspera de vossa morte estáveis entre nós, sem que nada deixasse pressentir uma partida tão súbita. São advertências divinas para que estejamos sempre prontos a prestar contas do emprego que fizemos do tempo que passamos na Terra. Deus nos chama no momento em que menos esperamos. Que seu nome seja bendito por vos ter poupado as angústias e os sofrimentos que por vezes acompanham o trabalho da separação.

“Fostes reunir-vos aos colegas que vos precederam e que, sem dúvida, vieram receber-vos no limiar da nova vida; mas essa vida, com a qual estáveis identificado, em nada vos deve surpreender; nela entrastes como num país conhecido, e não duvidamos que aí gozeis da felicidade reservada aos homens de bem, aos que praticaram as leis do Senhor.

“Vossos colegas da Sociedade Espírita de Paris se honram de vos ter contado em suas fileiras, e vossa memória lhes será sempre cara. Por minha voz eles vos oferecem a expressão de seus sentimentos, muito sinceros, da simpatia que soubestes granjear. Se alguma coisa suaviza nosso pesar por esta separação, é o pensamento de que sois feliz como o merecíeis, e a esperança de que não deixareis de vir participar dos nossos trabalhos.

“Que o Senhor, caro irmão, derrame sobre vós os tesouros de sua infinita bondade. Nós lhe pedimos que vos conceda a graça de velar por vossos filhos e de os dirigir no caminho do bem que havíeis seguido.”


3. — Prontamente desprendido, como o supúnhamos, o Sr. Leclerc pôde manifestar-se na Sociedade, na sessão que se seguiu ao seu enterro. Por conseguinte, não houve nenhuma interrupção em sua presença, já que ele tinha assistido à sessão precedente. Além do sentimento de afeição que nos ligava a ele, esta comunicação devia ter o seu lado instrutivo; seria interessante conhecer as sensações que acompanham esse gênero de morte.

Nada do que possa esclarecer sobre as diversas fases desta passagem, que todo o mundo deve transpor, poderia ser indiferente. Eis a comunicação:


(Sociedade de Paris, 7 de dezembro de 1866. – Médium: Sr. Desliens.)

Posso, enfim, por minha vez, vir a este mesa! Embora minha morte seja recente, já fui tomado de impaciência mais de uma vez; mas eu não podia apressar a marcha do tempo. Eu também vos devia agradecer a prontidão em cercar os meus despojos mortais e os pensamentos simpáticos que prodigalizastes ao meu Espírito. Oh! mestre, obrigado por vossa benevolência, pela profunda emoção que sentistes, acolhendo meu amado filho. Como eu seria ingrato se não vos conservasse uma eterna gratidão!

Meu Deus, obrigado! meus votos estão realizados. Este mundo, que eu não conhecia senão através das comunicações dos Espíritos, hoje posso apreciar a sua beleza. Em certa medida, experimentei as mesmas emoções ao chegar aqui, mas infinitamente mais vivas do que as que senti ao atracar pela primeira vez nas terras da América. Eu não conhecia esse país senão pelo relato dos viajantes e estava longe de fazer uma ideia de suas luxuriantes produções. Deu-se o mesmo aqui. Como este mundo é diferente do nosso! Cada rosto é a reprodução exata dos sentimentos íntimos; nenhuma fisionomia mentirosa; impossível a hipocrisia; o pensamento se revela inteiramente ao olhar, benévolo ou malevolente, conforme a natureza do Espírito.

Pois bem! Aqui ainda sou castigado por minha falta principal, a que combatia com tanto trabalho na Terra, e que tinha conseguido dominar em parte; a impaciência que tinha de me ver entre vós perturbou-me a tal ponto que já não sei exprimir minhas ideias com lucidez, embora esta matéria que outrora tanto me arrastava à cólera não mais exista! Mas, vamos, é preciso que eu me acalme.

Oh! fiquei muito surpreso com este fim inesperado! Eu não temia a morte e, desde muito tempo, a considerava como o fim da provação; mas essa morte tão imprevista não deixou de me causar um profundo abalo… Que golpe para minha pobre mulher!… Como o luto sucedeu rapidamente ao prazer! Eu sentia verdadeira satisfação em ouvir boa música, mas não pensava estar tão cedo em contato com a grande voz do infinito… Como a vida é frágil!… Um glóbulo sanguíneo se coagula, a circulação sanguínea perde sua regularidade e tudo está acabado!… Eu teria querido viver ainda alguns anos, ver meus filhos todos encaminhados, mas Deus decidiu de outro modo. Que seja feita a sua vontade!

No momento em que a morte me feriu, recebi como que uma bordoada na cabeça; um peso esmagador me derrubou; de repente senti-me livre, aliviado. Planei acima de meus despojos; considerei com espanto as lágrimas dos meus e, enfim, dei-me conta do que me tinha acontecido. Reconheci-me prontamente. Vi meu segundo filho acorrer, chamado pelo telégrafo. Ah! bem que tentei consolá-los; soprei-lhes meus melhores pensamentos e vi, com certa felicidade, alguns cérebros refratários pouco a pouco inclinados para o lado da crença que fez toda a minha força nestes últimos anos, à qual devia tão bons momentos. Se venci um pouco o homem velho, a quem o devo, senão ao nosso caro ensino, aos reiterados conselhos de meus guias? E, contudo, eu corava, não obstante Espírito, deixando-me ainda dominar por esse maldito defeito: a impaciência. Por isso sou castigado, porque estava pressuroso para me comunicar e vos contar mil detalhes, que sou obrigado a adiar. Oh! serei paciente, mas com pesar. Estou tão feliz aqui, que me custa deixar-vos. Entretanto, bons amigos estão junto de mim e eles próprios se uniram para me acolher: Sanson, Baluze, Sonnez, o alegre Sonnez, de cuja verve satírica eu tanto gostava, depois Jobard, o bravo Costeau e tantos outros. Em último lugar a Sra. Dozon; depois um pobre infeliz, muito para lastimar, e cujo arrependimento me toca. Orai por ele, como por todos os que se deixaram dominar pela prova.

Em breve voltarei para me entreter novamente e, ficai certos, não serei menos assíduo às nossas caras reuniões, como Espírito, do que o era como encarnado.


Leclerc.