(Vide o nº de fevereiro último)
Tendo-nos sido dirigidas várias perguntas a propósito das comunicações sobre os messias, publicadas no último número da Revista, julgamos dever completá-las por alguns desenvolvimentos que farão compreender melhor o seu sentido e o seu alcance.
1.º ─ Considerando-se que a primeira dessas comunicações recomendava guardar segredo até nova ordem, embora a mesma coisa fosse ensinada em diferentes regiões, senão quanto à forma e as circunstâncias de detalhes, ao menos pelo fundo da ideia, perguntaram-nos se os Espíritos, num consentimento geral, tinham reconhecido a urgência dessa publicação, o que teria uma significação de certa gravidade.
A opinião da maioria dos Espíritos é um poderoso controle para o valor dos princípios da Doutrina, mas não exclui o do julgamento e da razão cujo uso incessante todos os Espíritos sérios recomendam. Quando o ensino se generaliza espontaneamente sobre uma questão, num determinado sentido, é um indício certo de que tal questão chegou ao seu tempo. Mas a oportunidade, no caso de que se trata, não é uma questão de princípio, e julgamos que não deveríamos esperar o conselho da maioria para esta publicação, porquanto sua utilidade nos estava demonstrada. Seria puerilidade crer que, fazendo abnegação de nossa iniciativa, não obedeceríamos, como instrumento passivo, senão a um pensamento que se nos impunha.
A ideia da vinda de um ou vários messias era mais ou menos geral, mas encarada sob pontos de vista mais ou menos errados, por força das circunstâncias de detalhes contidos em certas comunicações, e de uma assimilação demasiado literal, por parte de alguns, com as palavras do Evangelho sobre o mesmo assunto. Esses erros podiam ter inconvenientes materiais cujos sintomas já se faziam sentir. Importava, pois, não deixá-los propagar-se. Eis porque julgamos útil dar a conhecer o verdadeiro sentido no qual essa previsão era entendida pela maioria dos Espíritos, retificando, assim, pelo ensinamento geral, o que o ensino isolado podia ter de parcialmente defeituoso.
2.º ─ Disseram que os messias do Espiritismo, vindo após a sua constituição, teriam um papel apenas secundário, e se perguntaram se era esse o verdadeiro caráter dos messias. Aquele que Deus encarrega de uma missão pode vir utilmente quando o objeto de sua missão está realizado? Não seria como se o Cristo tivesse vindo após o estabelecimento do Cristianismo, ou como se o arquiteto encarregado da construção de uma casa chegasse quando esta estivesse construída?
A revelação espírita deveria realizar-se em condições diferentes de suas antecessoras, porque as condições da Humanidade não são mais as mesmas. Sem voltar ao que foi dito a respeito dos caracteres desta revelação, lembramos que em vez de ser individual, ela devia ser coletiva e ao mesmo tempo o produto do ensino dos Espíritos e do trabalho inteligente do homem; ela não devia ser localizada, mas tomar raízes simultaneamente em todos os pontos do globo. Esse trabalho se realiza sob a direção de grandes Espíritos que receberam missão de presidir à regeneração da Humanidade. Se eles não cooperam na obra como encarnados, nem por isso deixam de dirigir os trabalhos como Espíritos, do que temos as provas. Seu papel de messias, então, não se apagou, pois que o realizam antes de sua encarnação e não é senão maior. Como Espíritos, sua ação é mesmo mais eficaz, porque podem estendêla a toda a parte, ao passo que, como encarnados, ela é necessariamente circunscrita. Como Espíritos, hoje fazem o que o Cristo fazia como homem: ensinam, mas pelas mil vozes da mediunidade; eles virão a seguir fazer como homens o que o Cristo não pôde fazer: instalar sua doutrina.
A instalação de uma doutrina chamada a regenerar o mundo não pode ser obra de um dia, e a vida de um homem não bastaria para isto. Primeiro é preciso elaborar os princípios ou, se preferirem, confeccionar o instrumento; depois limpar o terreno dos obstáculos e lançar os primeiros fundamentos. Que fariam esses Espíritos na Terra durante o trabalho, de certo modo material, de limpeza? Sua vida se gastaria nessa luta. Assim, eles virão mais utilmente quando a obra estiver elaborada e o terreno preparado. A eles, então, incumbirá pôr a última demão no edifício e o consolidar; numa palavra, fazer frutificar a árvore que tiver sido plantada. Mas, enquanto esperam, eles não ficam inativos: eles dirigem os trabalhadores. A encarnação não será, pois, senão uma fase de sua missão. Só o Espiritismo podia fazer compreender a cooperação dos Espíritos da erraticidade numa obra terrestre.
3.º ─ Além disso, perguntaram se não seria para temer que o anúncio desses messias não tentaria alguns ambiciosos que se dariam pretensas missões, e realizariam esta predição: Haverá falsos cristos e falsos profetas.
A resposta a isso é muito simples; está toda inteira no Cap. XXI de O Evangelho segundo o Espiritismo. Lendo esse capítulo, ver-se-á que o papel do falso cristo não é tão fácil quanto se poderia supor, porque é o caso de dizer que não é o hábito que faz o monge. Em todos os tempos houve intrigantes que se quiseram fazer passar por aquilo que não eram. Sem dúvida eles podem imitar a forma exterior, mas quando se trata de justificar o fundo, acontece-lhes o mesmo que acontece com o jumento vestido com a pele do leão.
Diz o bom-senso que Deus não pode escolher seus messias entre os Espíritos vulgares, mas entre aqueles que ele sabe capazes de realizar seus desígnios. O que pretendesse haver recebido tal favor deveria, portanto, justificá-lo pela eminência de suas capacidades e de suas virtudes, e sua presunção seria o primeiro desmentido dado a essas mesmas virtudes. Que diriam de um rimador que quisesse passar por príncipe dos poetas? Dar-se por cristo ou messias seria dizer-se o homem mais virtuoso do Universo, e não se é virtuoso quando não se é modesto.
É verdade que a virtude é simulada pela hipocrisia; mas há uma coisa que desafia qualquer imitação: é o gênio, porque ele deve afirmar-se por obras positivas; quanto à virtude de fachada, é uma comédia que não se pode representar muito tempo sem se trair. Na primeira linha das qualidades morais que distinguem o verdadeiro missionário de Deus, há que colocar a humildade sincera, o devotamento sem limites e sem segundas intenções, o desinteresse material e moral absoluto, a abnegação da personalidade, virtudes pelas quais não brilham nem os ambiciosos nem os charlatães, que antes de tudo buscam a glória ou o lucro. Eles podem ter inteligência; é-lhes necessária para vencer pela intriga, mas não é essa inteligência que coloca o homem acima da Humanidade terrena. Se o Cristo voltasse a encarnarse na Terra, ele para cá voltaria com todas as suas virtudes. Se, pois, alguém se desse por ele, deveria igualá-lo em tudo. Uma só qualidade a menos bastaria para descobrir a impostura.
Assim como se reconhece a qualidade da árvore por seu fruto, reconhecer-seiam os verdadeiros messias pela qualidade de suas obras, e não por suas pretensões. Não são os que se proclamarão, porque talvez eles próprios se ignorem. Vários poderão estar na Terra sem ter sido reconhecidos. É vendo o que terão sido e o que terão feito que os homens dirão, como disseram do Cristo: “Aquele devia ser um messias.”
Há cem pedras de toque para reconhecer os messias e os profetas de contrabando. A definição do caráter daqueles que são verdadeiros é feita mais para desencorajar os contrafatores do que para excitá-los a representar um papel que eles não têm força para desempenhar, e só lhes acarretaria dissabores. É ao mesmo tempo dar aos que tentassem abusar, os meios de evitar serem vítimas de sua velhacaria.
4.º ─ Parece que algumas pessoas temeram que a qualificação de messias espalhasse sobre a Doutrina um verniz de misticismo.
Para quem conhece a Doutrina, ela é, de ponta a ponta, um protesto contra o misticismo, pois que tende a reconduzir todas as crenças para o terreno positivo das leis da Natureza. Mas, entre os que não a conhecem, há pessoas para as quais tudo o que escapa da Humanidade tangível é místico. Para estas, adorar Deus, orar, crer na Providência é ser místico. Nós não temos que nos preocupar com a sua opinião.
A palavra messias é empregada pelo Espiritismo na sua acepção literal de mensageiro, enviado, abstração feita da ideia de redenção e de mistério particular aos cultos cristãos. O Espiritismo não tem que discutir esses dogmas, que não são de sua alçada. Ele diz o sentido no qual emprega esse vocábulo, para evitar qualquer equívoco, deixando cada um crer conforme a sua consciência, que ele não procura perturbar.
Assim, para o Espiritismo, todo Espírito encarnado para cumprir uma missão especial junto à Humanidade é um messias, na acepção geral da palavra, isto é, um missionário ou enviado, com a diferença, entretanto, que o vocábulo messias implica mais particularmente a ideia de uma missão direta da divindade e, consequentemente, a da superioridade do Espírito e da importância da missão, de onde se segue que há uma distinção a fazer entre os messias propriamente ditos e os Espíritos simples missionários. O que os distingue é que, para uns, a missão ainda é uma prova, porque podem falir, ao passo que para os outros é um atributo de sua superioridade. Do ponto de vista da vida corporal, os messias entram na categoria das encarnações ordinárias de Espíritos, e o vocábulo não tem nenhum caráter de misticismo.
Todas as grandes épocas de renovação viram aparecer messias encarregados de dar impulso ao movimento regenerador e de dirigi-lo. Sendo a época atual uma das maiores transformações da Humanidade, terá também os seus messias, que já a presidem como Espíritos, e que terminarão sua missão como encarnados. Sua vinda não será marcada por nenhum prodígio, e Deus não perturbará a ordem das leis da Natureza para permitir que eles sejam reconhecidos. Nenhum sinal extraordinário aparecerá no céu nem na Terra, e eles não serão vistos descendo das nuvens acompanhados por anjos. Nascerão, viverão e morrerão como o comum dos homens, e sua morte não será anunciada ao mundo nem por tremores de Terra, nem pelo obscurecimento do Sol; nenhum sinal exterior os distinguirá, assim como o Cristo, em vida, não se distinguia dos outros homens. Nada, pois, os assinalará à atenção pública senão a grandeza de suas obras, a sublimidade de suas virtudes, e a parte ativa e fecunda que eles tomarão na fundação da nova ordem de coisas. A antiguidade pagã transformou-os em deuses; a História os colocará no panteão dos grandes homens, dos homens de gênio, mas, sobretudo entre os homens de bem, cuja memória será honrada pela posterioridade.
Tais serão os messias do Espiritismo. Grandes homens entre os homens, grandes Espíritos entre os Espíritos, eles marcarão sua passagem por prodígios da inteligência e da virtude, que atestam a verdadeira superioridade, muito mais que a produção de efeitos materiais que o primeiro que aparece pode realizar. Este quadro um pouco prosaico talvez faça caírem algumas ilusões, mas é assim que as coisas se passarão, muito naturalmente, e os seus resultados não serão menos importantes por não serem rodeados das formas ideais e um tanto maravilhosas com que certas imaginações gostam de cercá-los.
Dissemos os messias porque, com efeito, as previsões dos Espíritos anunciam que haverá vários, o que nada tem de admirável, segundo o sentido ligado a essa palavra, e em razão da grandeza da tarefa, pois que se trata, não do adiantamento de um povo ou de uma raça, mas da regeneração da Humanidade inteira. Quantos serão? Uns dizem três, outros mais, outros menos, o que prova que a coisa está nos segredos de Deus. Um deles teria a supremacia? É ainda o que pouco importa, o que até seria perigoso saber antecipadamente.
A vinda dos Messias, como fato geral, está anunciada, porque era útil que dela estivéssemos prevenidos; é uma dádiva do futuro e um motivo de tranquilidade, mas as individualidades não se devem revelar senão por seus atos. Se alguém deve abrigar a infância de um deles, o fará inconscientemente, como para o primeiro vindo; assisti-lo-á e o protegerá por pura caridade, sem a isto ser solicitado por um sentimento de orgulho, do qual talvez não se pudesse defender, que malgrado seu deslizaria para o coração e lhe faria perder o fruto de sua ação. Seu devotamento talvez não fosse tão desinteressado moralmente quanto ele próprio o imaginasse.
Além disso, a segurança do predestinado exige que ele seja coberto por um véu impenetrável, porque ele terá seus Herodes. Ora, um segredo jamais é melhor guardado do que quando por todos desconhecido. Ninguém, pois, deve conhecer a sua família, nem o lugar de seu nascimento, e os próprios Espíritos vulgares não o sabem. Nenhum anjo virá anunciar sua vinda à sua mãe, porque ela não deve fazer diferença entre ele e seus outros filhos; magos não virão adorá-lo em seu berço e lhe oferecer ouro e incenso, porque ele não deve ser saudado senão quando tiver dado suas provas.
Ele será protegido pelos invisíveis encarregados de velar por ele e conduzido à porta onde deverá bater, e o dono da casa não conhecerá aquele que receberá em seu lar.
Falando do novo Messias, disse Jesus: “Se alguém vos disser: O Cristo está aqui, ou está ali, não vades lá, porque ele lá não estará.” Há, pois, que desconfiar das falsas indicações, que têm por fim ludibriar, visando fazer procurá-lo onde ele não está. Levando-se em conta que não é permitido aos Espíritos revelar o que deve ficar secreto, toda comunicação circunstanciada sobre este ponto deve ser tida por suspeita, ou como uma provação para quem a recebe.
Pouco importa, pois, o número dos messias. Só Deus sabe o que é necessário. Entretanto, o que é indubitável, é que ao lado dos messias propriamente ditos, Espíritos superiores em número ilimitado encarnar-se-ão, ou já estão encarnados, com missões especiais para secundá-los. Surgirão em todas as classes, em todas as posições sociais, em todas as seitas e em todos os povos. Havê-los-á nas Ciências, nas Artes, na Literatura, na Política, nos chefes de estado, enfim por toda parte onde sua influência poderá ser útil à difusão das ideias novas e às reformas que serão sua consequência. A autoridade de sua palavra será muito maior porque será fundada na estima e na consideração de que serão cercados.
Mas, perguntarão, nessa multidão de missionários de todas as classes, como distinguir os messias? Que importa se os distinguem ou não? Eles não vêm à Terra para aí se fazerem adorar, nem para receber homenagens dos homens. Eles não trarão, pois, nenhum sinal na fronte; mas, assim como pela obra se conhece o artífice, dirão após a sua partida: Aquele que fez a maior soma de bens deve ser o maior.
Sendo o Espiritismo o principal elemento regenerador, importava que o instrumento estivesse pronto quando vierem os que dele devem servir-se. É o trabalho que se realiza neste momento, e que os precede de pouco. Mas antes é preciso que a grade tenha passado pelo chão para expurgá-lo das ervas parasitas que abafariam o bom grão.
É sobretudo o vigésimo século que verá florescerem grandes apóstolos do Espiritismo, e que poderá ser chamado o século dos messias. Então a antiga geração terá desaparecido e a nova estará em plena força; livre de suas convulsões, formada de elementos novos ou regeneradores, a Humanidade entrará definitivamente e pacificamente na fase do progresso moral que deve elevar a Terra na hierarquia dos mundos.