Querida Iná, doce companheira de meus sonhos! Dói-me o coração profundamente, à medida que lhe escrevo esta confissão.
Sei que você notou que quase não dormia à noite. Ah! anjo adorado, acredito que o inferno possa se definir como sendo consciência em desequilíbrio. Ao vê-la dormindo, serena, senti que, por dentro de meu peito, havia um braseiro de remorso. Algo cruel. Fitei-a demoradamente;
você ressonava como um ser angélico na placidez de um paraíso de bênçãos e eu me senti lama pegajosa, que naquele instante conspurcava a alcova de uma santa.
Levantei-me e fui até o quintal. No céu ainda brilhavam, palidecentes, as estrelas. Abracei-me ao velho mamoeiro e chorei... amargamente...
Subitamente, no quintal do vizinho, o galo cantou três vezes. Era o arauto da madrugada. De repente, senti-me estremecer; pareceu-me que uma força estranha me fazia retroceder ao pretérito longínquo, quando Simão Pedro, tomado de profunda tristeza, negara o Mestre amado por três vezes. Sob o mesmo cantar do galo, essa força estranha obrigou-me a ajoelhar e, em minha tela mental, o seu encantado vulto, Iná, desfilava feliz. Seu rosto alvo, como o lírio do vale, emoldurado por dois olhos azuis, seus cabelos da cor de trigo maduro caídos fartamente sobre os ombros; em seus lábios de romã, bailava um sorriso de primavera, deixando entrever seus dentes cor de neve.
Oh! Deusa encantada dos meus sonhos! - exclamei - Que hora infeliz, mil vezes infeliz, quando me deixei levar por uma aventura, tornando-me infiel e perjuro! Balbuciei uma prece, por entre lágrimas, e retornei ao interior da casa. Você já estava de pé, seus olhos azuis eram um pequeno regato de lágrimas, o seu rosto pareceu-me envolvido por uma penumbra de indecifrável amargura.
Sabe, Iná, quase não resisti à pureza do seu olhar! Adentrei o quarto dos meninos que ainda dormiam. Ali estavam Cecília e Robertinho, frutos de nosso amor.
Rogo-lhe, por piedade, dê-me o beneplácito de seu perdão, para que a minha consciência aturdida retome a paz. Sei que não sou mais digno desse amor puro que emana de sua virgindade de alma. Doravante serei um espírita e haverei de estar lado a lado com você, tão fiel como a sombra de seu próprio corpo. Caminharemos sim, juntos, para a eternidade.
Ouça-me, Iná: eu a amo muito, sabe?