Minha filha, que a paz do Senhor seja conosco!
Desde o momento em que o anjo da morte me dirigiu seu pensamento, enviando-me a lúgubre mensagem da "angina-pectoris", umturbilhão indescritível tomou conta do meu Espírito.
A princípio, com as carnes sacudidas pelos estertores do coração que não mais podia cooperar com a vida física, inenarrável sofrimento tomou-me todas as fibras, do peito ao cérebro e deste aos pés, fazendo-me enlouquecer. Atormentada entre as ideias da "morte" apavorante que eu temia e a ansiedade da "vida" que escapava ao peso cruel do sangue que se negava a irrigar artérias, veias e vasos, senti que ia tombar.
Reuni as forças que desapareciam céleres, abandonando-me impiedosamente, tentando resistir à violência da dor que me despedaçava toda, e mais não consegui senão emitir gritos desesperados, semi louca. Tinha a impressão de que vigorosa mão de ferro me estraçalhava o coração e, a par da agonia que não posso descrever, sentia que a vida fugia rápida, fazendo-me desmaiar, sem que, contudo desaparecesse a dor superlativa que durante muito tempo iria conservar-me envolta em angústia sombria e inquietante.
Não poderei dizer o tempo em que demorei desfalecida. Guardo, ainda hoje, a impressão de que, em volta, um torvelinho me arrastava, dando-me a sensação de queda, em profundo abismo sem fim.
Subitamente, como se me chocasse de encontro ao solo, despertei agonizante, tateando em trevas aos gritos de lamentável perturbação. O peito continuava a doer desesperadamente como se estivesse estilhaçado por violento projétil que o varasse, rompendo carne e ossos e deixando-o a sangrar...
Oh! Jesus, o sofrimento daquela hora!...
O tempo passava sem que eu tivesse notícia, senão através da agonia que parecia não ter fim.
Como a dor não cessasse, simultaneamente impressões diferentes me acudiram ao cérebro turbilhonado, agigantando meu desespero. Frio glacial apoderou-se lentamente dos membros inferiores, ameaçando imobilizar-me. Ante essa inesperada sensação, tive a impressão de que pesadelo muito cruel me torturava, mas do qual me libertaria em breve. Aquietei-me um pouco, acarinhando a expectativa do agradável despertar... porque tudo aquilo não passaria certamente de um sonho mau.
Além do frio, dores generalizadas paralisaram-me os movimentos, enquanto o enregelamento me tornara rígida, O pavor rondava-me, implacável. Sem poder mais raciocinar, sacudida nas ondas crispadas desse mar de desconhecidos sofrimentos, vislumbrei tênue claridade, como se a alva tocasse meus olhos. Tive, então, as primeiras noções do lugar em que me encontrava, permanecendo, entretanto, imóvel.
De início, turvas e embaçadas, as imagens não se tornavam reconhecíveis. Inquieta, percebi-me deitada no leito costumeiro, hirta e pálida.
Desejei levantar-me, andar, correr, suplicar auxílio; estava paralisada, atada a cadeias poderosas. A língua já não se articulava. O cérebro parecia-me devorado por labaredas crepitantes. Os olhos, fechados, negavam-me fitar a luz, embora eu "visses tudo e acompanhasse os movimentos exteriores. Escorria-me o pranto incessante, queimando-me a face, e o pensamento se me afigurava qual incandescida caldeira, cheia de desesperos a destruir-me.
Não tinha ideia das horas.
Indagava mentalmente, no martírio, o que me acontecera. Onde estava o companheiro de tantos anos? Os irmãos de fé espírita, onde se encontravam eles que me não socorriam? Os cooperadores dedicados do nosso programa de assistência social, para onde fugiram? Para onde conduziram as criancinhas a que me acostumara a amar; por que não me falavam? E lembrei-me do Mestre bondoso que se fizera a segurança de todos os infelizes.
No tumulto do meu cérebro, a figura incomparável de Jesus tomou vulto, amenizando lentamente meus sofrimentos. Embora não cessassem de todo, as dores diminuiram e uma quietação momentânea aplacou-me o incêndio interior.
Respirei algo facilmente.
De longe, pareciam-me chegar aos ouvidos sons e vozes abafados. Embora de olhos fechados, "vi" que algumas pessoas choravam.
Atraída, desejei erguer o corpo; senti-me sair de dentro do casulo carnal, que então pude ver. Encontrava-me deitada, no esquife mortuário, e de pé, ao seu lado, simultaneamente. Apalpei-me apressada e senti-me físicamente. Tudo em mim vibrava com a mesma intensidade doutrora, avolumando-se às impressões da carne a agressão da dor.
Procurei alargar os movimentos e percebi que o frio terrível desaparecia, desatando-me do porto da rigidez. Andei um pouco vacilante e, de súbito, na minha mente brilhou inesperada ideia: eu não estaria morta, porventura! — indagava-me. Atirei-me apressadamente ao corpo, tentando erguê-lo para fugir a esse pensamento "tenebroso" e libertar-me das aflições. Não consegui, entretanto, o meu intento. As lágrimas voltaram a romper as represas e corriam volumosas.
Não, não era possível, afirmava intimamente, tentando aquietar-me. Tudo aquilo não passava certamente de um sonho fantástico ou de um desdobramento mediúnico, no Reino da Morte. Não era crível que eu tivesse morrido. Sentia-me viva, não obstante as dores que me cruciavam. Encontrava-me lúcida, raciocinava, sofria... Não podia estar morta. Quando acordasse, oraria e procuraria apagar das lembranças aqueles momentos de pavor.
Estive quase aliviada com esses raciocínios. No entanto, a realidade era outra.
Ao abraçar-me ao corpo, senti-lhe a frieza e verifiquei, apesar de deitar-me sobre ele, que não me conseguia ajustar qual ocorre à mão calçada em luva apropriada. Esforçando-me "vesti-lo" outra vez, verifiquei, atribulada, que minha vontade não mais o acionava.
Compreendi, embora relutante: estava "morta".
Ao admitir esta ideia, fui acometida de profundo terror. Voltaram-me à mente as explanações do nosso Diretor Espiritual, ouvidas em nosso Cenáculo de orações. Antes de refazer-me da surpresa, descobri-me profundamente ignorante em Doutrina Espírita, que é abençoado roteiro no país dos "mortos". Tentei recapitular os ensinamentos ouvidos antes; todavia, o inesperado daquela hora descontrolava-me, prostrando-me abatida, mais uma vez.