Espelhos da Alma: Uma Jornada Terapêutica

CAPÍTULO 27

CONFORTO E LIBERDADE



O casal dirigia-se naquele domingo pela manhã ao serviço espírita, em subúrbio distante, no Rio de Janeiro.

Conversavam animadamente sobre os planos que acalentavam em torno do futuro ridente, na fé abrasadora, sob a égide da caridade.

Em chegando à Estação da Central do brasil a fim de tomarem a condução, notaram, entre caixas vazias, um petiz que dormia tranquilamente, embora o ruído da cidade despertando.

Pararam automaticamente e entreolharam-se.

—Falávamos de caridade - disse a senhora.

– E no entanto... - Aguardemos que desperte. Talvez possamos fazer alguma coisa - alvitrou o companheiro.

Um trocador de moedas de ônibus, no local, acercou-se e esclareceu: - É pena! Esse é um excelente menino.

Aqui vive, ajuda-nos e nós o ajudamos. Não tem ninguém.

Afastou-se para atender a seu mister.

Passando algum tempo, o garoto despertou, risonho, e surpreendeu-se com o casal que o fitava.

—É servido a um café conosco? - Sugeriu o cavalheiro.

—Claro, claro.

– Agradeceu o garoto.

Ficaram, então, amigos.

Passados alguns dias, o senhor convidou-o a morar com ele, a que o pequeno aceitou de bom grado.

A vida mudou completamente: Roupas, sapatos, agasalhos, alimentação, comodidade, deveres também...


Um mês depois, enquanto os pais adotivos o olhavam na cama aquecida, ele expôs francamente:

—É, aqui, há de tudo, mas não há conforto!

—Conforto?! - Inquiriram os benfeitores.

—Sim, conforto!...

Referia-se à liberdade.

E fugiu, dias depois.

Posteriormente foi recolhido por uma batida policial e encaminhado a uma "Casa de Menores".

Fez-se adulto, tornou-se cidadão.

—Nunca me esqueci dos senhores - disse dez anos depois ao casal, numa visita inesperada. Os senhores me salvaram a vida. Eu não tinha juízo àquela época.

Mas o carinho que aqui recebi, a ternura, a bondade mudaram a minha existência. Não voltei, por acanhamento. Jurei, porém, que um dia voltaria, a fim de agradecer-lhes e dizer-lhes que a semente do bem que plantaram no meu coração nunca morreu...

Aquele menino, ao fugir, motivou o casal a ampliar as possibilidades de amor, atendendo outros.

Seu gesto, com o tempo, se transformou numa sementeira de luz e hoje alberga no seu seio centenas, milhares de crianças espalhadas por todo o Brasil, em nome de Jesus e do amor.

Quando amares pensa em dar conforto, mas não suprimas a liberdade.

Sobretudo, em qualquer situação ama e mesmo decepcionado, continua amando, porque a gota de luz, colocada na noite de um espírito, se transforma hoje ou mais tarde em rutilante estrela de esperança, clareando na direção do futuro.