As atividades absorviam-nos e o tempo transcorria generoso, ensejando-nos o aproveitamento das suas lições, gemas que incorporávamos ao patrimônio imorredouro do espírito.
A família Soares organizara singela recepção para a tarde de domingo, quando Adalberto, jubiloso com o aniversário de Mariana, assumiria o compromisso do noivado, pedindo à sua mão ao Sr. Mateus: Era natural, portanto, que nos reuníssemos naquele lar, participando das justas alegrias que chegavam como resposta divina às dores terrenas.
O genitor da família, após cinco meses de repouso e assistência médica no lar, recuperava-se maravilhosamente.
Já se conseguia pôr de pé, auxiliado pelas filhas e apoiado a uma bengala, com perspectivas de refazimento próximo. O reequilíbrio orgânico, no entanto, era de pouca significação, em se considerando as modificações reais, operadas no seu íntimo.
Se o seu passado era assinalado por descaso e desconsideração aos deveres, justo é se lhe reconheça o esforço para demonstrar o arrependimento que o afligia. Tornara-se meigo e tratava os familiares com o necessário afeto. Lamentava a perda de tempo e a idade já avançada, que lhe não permitiria refazer os caminhos percorridos para a reabilitação. O Evangelho, em lhe penetrando o espírito, rasgara visões esplendorosas de luz e vida. Emocionava-se, quando em palestras íntimas se reportava às consolações que tão tardiamente conseguira aceitar. Embora desconhecesse outros informes mais elucidativos dos dramas que abalaram os alicerces do seu lar, encontrara na reencarnação resposta às angústias e rebeldias íntimas, que tanto o atormentaram a vida inteira. Dizia-se dominado durante quase todos os anos de vida, por ódio surdo, que, semelhante a instrumento de percussão, reboava interiormente, despedaçando-o inexorável...
Todavia, o tempo lhe ensejava recomposição íntima, melhor visão das coisas e dos acontecimentos, sentindo-se em preparativos para a partida. Já não receava a desencarnação. O conhecimento do Espiritismo lhe matara o temor da morte.
Por sua vez Adalberto, que procedia do interior do Estado e residia em Casa de Pensão, sem o arrimo de uma fé segura e nobre, deixava-se conduzir por uma vida de frivolidades comuns aos da sua idade, passou também a se transformar interiormente, fascinado imensamente pelo conhecimento da Doutrina dos Espíritos. O moço, que já armazenara suficiente depósito de prazeres nas experiências da leviandade, era ardente e apaixonado. Embora não fosse portador de cultura, era esclarecido e possuidor de lúcido tirocínio intelectual. Passou a estudar a Codificação Kardequiana, e, depois, os romances mediúnicos lhe tomaram os sentimentos. A lógica da reencarnação e a programação dos destinos, obedecendo a um roteiro adrede traçado, com as naturais concessões ao livre arbítrio de cada um, era para ele especial tema de conversações. Compreendendo as responsabilidades da vida, apressou-se em abandonar os velhos hábitos, e, ante os infortúnios, que se transformaram em bênçãos no lar dos Soares, aproximou-se da família desde a enfermidade de Mariana, e fez-se quase o filho do sexo masculino que faltava naquele domicílio.
Suas mãos e braços vigorosos se tornaram inúmeras vezes no socorro eficiente ao velho doente, e sua presteza e generosidade foram alavancas de salvação por ocasião dos diversos acontecimentos...
Acreditando-se necessitado de construir o próprio lar, resolvera consorciar-se com Mariana, a quem se encontrava fortemente vinculado pelo amor.
O décimo sétimo natalício da moça era ocasião oportuna para o compromisso oficial do noivado, que deveria culminar com o matrimônio, logo estivessem em condições de fazê-lo.
Assim, a modesta e honrada família convidou os poucos amigos para o ato oficial, que estava sendo a razão da alegria de todos, desde os dias anteriores.
Fomos Petitinga, Morais e nós, encontrando a família Soares com alguns poucos convidados, e mais Adalberto e o seu genitor que viera para a ocasião.
Após o pedido feito pelo seu ao pai de Mariana, foram apresentadas as alianças representativas do compromisso e servido singelo e bem cuidado lanche.
Os sorrisos falavam das emoções daquele entardecer.
Marta e Mariana, Dona Rosa e as demais filhas pareciam crianças gárrulas, esfuziantes. O Sr. Mateus, bastante feliz, tinha, porém, o semblante velado por discreta tristeza. Era por se recordar do passado e se sentir impossibilitado de reconstruí-lo.
Por nossa vez, lembrava-me dos acontecimentos que ali tiveram palco e considerava a misericórdia de Deus, nas suas sutilezas e sabedoria infinita, que nos escapa e que não podemos de pronto compreender.
O milagre da dor produzira a bênção da misericórdia da união de todos.
Adalberto, que se encontrava muito emocionado, traçando planos para o futuro, considerou a sua posição de espírita e perguntou a Petitinga qual a solenidade religiosa que deveria haver por ocasião do seu consórcio com Mariana. Compreendia que não seria lícito submeter-se a um ato sacramental da Igreja Romana, tendo em vista o comportamento dos profitentes daquela fé, que se situava muito distante dos ensinos e práticas do vero Cristianismo.
Não seria justo, porém, que houvesse no Espiritismo uma cerimônia qualquer, lavrada nas lições evangélicas, para comemorar os grandes acontecimentos da vida? — inquiriu, interessado.
— Foi por adotar as práticas do Paganismo em crepúsculo que o Cristianismo nascente sofreu as adulterações que redundaram na sua paulatina extinção. Nas práticas externas e no culto luxuoso da atualidade, que encontramos das lições vivas e puras do Cristo? Onde e quando vimos Jesus praticando atos que tais? Muitos se referem à cena do batismo do Senhor, por João, como sendo aceitação tácita e concorde de um culto. Não foi isso, todavia, o que ocorreu. Deixando-se identificar pelos sinais das profecias e pelos ditos» antigos que caracterizariam o Messias, o Enviado, Ele se permitiu receber de João, diante de todos, aquele ato, para que se soubesse ser Elle o Esperado, fenômeno confirmado pelo que todos ouviram, naquele momento em que clamava uma voz: "Este é o meu Filho dileto, em quem me agrado", conforme anotaram os Evangelistas e que João acrescenta: "Ele é o Filho de Deus", definindo-O como o Messias...
Nunca, porém, batizou. Em toda a Sua vida não O vemos em conivência com os que se nutrem da ignorância e se permitem o abuso da fé a benefício próprio.
— O Espiritismo é a Doutrina de Jesus, em Espírito e verdade, sem fórmulas nem ritos, sem aparências nem representantes, sem ministros. É a religião do amor e da verdade, na qual cada um é responsável pelos próprios atos, respondendo por eles, conforme o conhecimento que tenha da Imortalidade, dos deveres. «É a religião da Filosofia, a Filosofia da Ciência e a Ciência da Religião, conforme predicou Vianna de Carvalho em nossa Casa, com justas razões. Não se firma em enunciados estranhos à Boa Nova e tudo quanto os Espíritos informaram ao Missionário Allan Kardec se encontra fundamentado nos Evangelhos. Alguns adversários gratuitos dizem que os Espíritos nada trouxeram de novo. E me permito indagar, repetindo o filósofo antigo: (Que há de novo sob o Sol? Novidade é também sinal de leviandade.
O que nos parece novo é atualização do que acontecia e ignorávamos.
«Os Espíritos sempre se comunicaram e falaram dos renascimentos, das Leis de Causa e Efeito, conhecidas desde remotíssimas civilizações, sob a designação sânscrita de Carma. Em todos os tempos encontramos os chamados "mortos" falando aos chamados "vivos"... O que os sábios conseguiram nestes tempos foi constatar a legitimidade da existência post-mortem e comprovarem a preexistência do Espírito, antes do corpo, com a consequente sobrevivência após a morte do corpo. Allan Kardec, o Enviado para os tempos modernos, teve o incomparável mérito de codificar os ensinos esparsos, dando-lhes uma ordem filosófica, extraindo o significado moral e eterno das lições contínuas dos 1mortais. Dotado de raras faculdades de inteligência e razão, acolitado por Legião de Benfeitores e por eles fortemente inspirado, propõe questões do conhecimento, indagou sobre assuntos não devidamente esclarecidos até então. Não há, porém, em toda a Codificação um só item que se não alicerce nos ensinos do Cristo, ora confirmados universalmente pelos Espíritos.
O próprio Mestre, na sua assertiva da promessa do Consolador, informou claro e conciso que o Paracleto diria muito mais do que Ele dissera.
— Não, não há qualquer culto externo no Espiritismo e se houvera teríamos a sua morte anunciada já para breve. Sendo Doutrina dos Espíritos, revive o Cristianismo, repitamos: em espírito e verdade!
— E não poderíamos — retornou interessado, Adalberto — formular uma oração de ação de graças em momentos que tais?
— Sim, orar, podemos fazê-lo, porém, na intimidade dos corações, no silêncio do quarto. Uma oração pública requer sempre alguém mais bem adestrado, de verbo fácil e inspirado. Assim, iremos transferindo para outrem o que nos cabe fazer. E como orar é banhar-se de luz e penetrar-se de paz, pela decorrente comunhão com o Alto, devemos fazê-lo, nós mesmos, cada um, em particular. Que os compromissados o façam, está muito bem; que os nubentes o realizem, na intimidade da alcova, é de necessidade; que os aniversariantes o produzam, no altar da alma, é muito justo. Mas evitemos hoje que a nossa emoção e a nossa festividade sejam transformadas amanhã num culto exterior, que tenhamos começado... Cada um de nós, aqui presente, deve estar em oração silenciosa de bons pensamentos, em atitude de prece pela sobriedade dos atos, mediante o respeito moral e fraternal que nos devemos todos uns aos outros...
O Espiritismo é a religião que religa, permitam-nos a redundância, a criatura ao Criador, interiormente... Que tenhamos mais atitudes do que palavras!...
A frase final enunciada com um toque de bom-humor a todos nos fez sorrir, terminando, assim, a maravilhosa aula que o noivo conseguira motivar.
Todos nos despedimos jubilosos, e meditativos, quanto às nossas responsabilidades espiríticas em relação a nós mesmos, ao próximo e ao porvir.
Os nossos atos fazem escola e a nossa escola pode transformar-se, por incúria nossa, num mau Educandário.
Naquela noite, viemos a saber pelo Mentor Saturnino, durante o repouso físico, em desdobramento, que fomos reunidos na sede da União Espírita Baiana para um encontro provocado pelos 1nstrutores.
Ali nos encontramos Petitinga, nós, o médium Morais, os Soares: Dona Rosa, Sr. Mateus, Marta, e Mariana, Adalberto, Ana Maria, e os Benfeitores Espirituais. Alguns dos encarnados se apresentavam mais lúcidos; outros, menos acostumados às incursões no Mundo Espiritual para tal finalidade, pareciam sonâmbulos em inquietação.
Após a recepção de passes, todos se mostravam tranquilos.
A reunião foi presidida pelo Irmão Glaucus, o nobre Mentor que comandara os socorros e estudos desde o Anfiteatro, incorporado aos labores de desobsessão da família Soares por determinação superior.
Depois de formosa oração e de alocução muito elevada, explicou as finalidades e objetivos do encontro.
Terminava o seu prazo de estada entre nós, para aquele mister. Os serviços transcorriam com o êxito esperado. Fazia-se necessário, porém, definir roteiros para o futuro. Ultimavam-se os preparativos socorristas para os diversos desencarnados envolvidos nos dramas das personagens ali presentes.
Alguns já haviam recebido o conveniente tratamento e encontravam-se amparados em círculos fraternos do Mundo Espiritual, onde conseguiam o auxílio e o esclarecimento de que se ressentiam. Havia, no entanto, algo mais a fazer.
Terminada a explicação, foram trazidos de outro recinto da Casa o irmão Teofrastus e Guilherme, por enfermeiros gentis, que os acomodaram em assentos reservados para ambos.
Adalberto, ao lado de Mariana, automàticamente lhe deu a mão, como a evitar qualquer sofrimento desnecessário à noiva.
Ana Maria, reconhecendo o antigo amor, fez-se lívida. O Sr. Mateus, ante a inesperada presença de Guilherme, contanto não estivesse no uso da plena lucidez, pareceu inquieto...
— Aqui estamos vários desafetos de há pouco, amores do passado, irmãos do futuro e de sempre, no caminho da evolução. Ódios e paixões, anseios e ternuras são etapas a vencer na rota do grande amor que um dia nos unirá a todos como irmãos verdadeiros. Não nos importem as sombras, considerando a luz soberana que brilha sobre nós, concitando-nos ao avanço. Esqueçamos as mágoas que são nuvens perturbadoras, abramos o coração e a mente à esperança que é semente de vida germinando no solo dos nossos espíritos a benefício nosso, O verdadeiro amor não se enclausura em determinadas expressões do sentimento, que desenvolvem o egoísmo e a posse anestesiante; antes se dilata em múltiplas manifestações encarregadas de ampliar os recursos entesourados da afeição, jornadeando nas manifestações do sangue, através da família, em posições diversas: filhos, pais, irmãos, parentes, ou, fora dela, na condição de amores que se abraçam em novas comunhões e efusões, experimentando, aprendendo, valorizando oportunidades. As circunstâncias e os locais são bancos e lições da Grande Escola da Evolução. Todos nascemos e renascemos para sublimar até à libertação. Não nos aflijamos, pois. Valorizemos o ensejo e aceitemos o impositivo evolutivo como diretriz abençoada para nós mesmos. Jesus é a nossa porta: atravessemo-la, seguindo-Lhe as pegadas...
Todos nos mantínhamos expectantes, comovidos.
A vida ata e desata, escrevendo nas páginas do livro de cada um de nós os próprios atos que nos esperam depois, inapelavelmente.
Convidando Mariana e Adalberto, que se levantaram seguidos por Ambrósio, o Assistente amoroso, o Irmão Glaucus apresentou Guilherme ao moço, solicitandolhe a receptividade fraterna, pois que aquele deveria renascer no seu lar, por necessidade imperiosa da sua evolução.
Vítima que fora da leviandade de si mesmo e de Mariana, algoz que se fizera da moça e de si próprio, renasceria nos seus braços na condição de filho sofredor, necessitado de imenso carinho e proteção afetuosa...
Visivelmente atormentado, Guilherme baixou os olhos e, trémulo, não conseguiu dominar as lágrimas abundantes.
Mariana avançou e o envolveu em abraço de pura ternura.
— Aproveitemos a lição, meu amigo. Unamos nossas dores numa só dor e reorganizemos nosso passado num futuro promissor. Brilha-me hoje diferente luz no espírito; conduz-me nova ética de vida; animam-me outros propósitos no coração; aquece-me a esperança um sol diverso... Se o nosso hoje foi marcado por abundantes lágrimas, o nosso futuro nos espera com sorrisos... Incapaz de ser-te esposa vigilante, tentarei ser-te mãe cuidadosa. Ajuda-me com o teu perdão e favorece-me com esta oportunidade. O nosso Adalberto, conforme pressinto, não aparece em nosso destino como um estranho, um aventureiro que nos roube as melhores ensanchas da vida. É velho amigo que tem com o nosso o seu destino entrelaçado. Desejavas nascer nas minhas carnes, recordo-me, como resultado da ilicitude para atormentar, vingar, e atormentar-te... Jesus nos permite a realização do teu desejo, não como gostarias, mas como de dever.
Serás nosso filho num matrimônio honrado e voltarás aos braços de papai, como o neto que o amará e dele receberá muito amor. Também ele mudou. Tu também mudaste. Todos nós mudamos. Agora tudo é diferente, muito diferente...
Guilherme deixou-se conduzir por aquela voz de terna bondade e se rendeu ante a força do amor verdadeiro.
Ambrósio foi tomar Dona Rosa e o Sr.
Mateus e os trouxe ao grupo em confabulação.
A veneranda senhora fitou o Irmão Glaucus, que lhe compreendeu o desejo íntimo, assentindo, com um leve sorriso.
— Serás, meu filho, a alegria da nossa velhice, como foste a preocupação dos nossos dias já passados. Eu terei em ti o sorriso do meu coração fatigado e Mateus encontrará na tua irrequietude juvenil os motivos de júbilos que por muitos anos o seu coração dorido não experimentou.
Também ele tem sofrido muito e espera que as tuas mãos, quando pequeninas no corpo, lhe enxuguem os suores e as muitas lágrimas que verterá. Ver-te-á como alguém que irrompe de um passado longínquo, sedento de amor e amoroso também...
O Sr.
Mateus, sem palavras, meio acanhado, canhestramente tocou o antigo adversário e permaneceu mudo.
— Todos se reencontrarão mais tarde, como chegados de um sonho impreciso, de contornos confusos; no entanto, com lembranças queridas desta madrugada ainda imersa em trevas, em que confabulamos e delineamos nosso porvir redentor.
Guilherme será conduzido a necessário tratamento em Organização especializada, do lado de cá, e receberá preparação para o tentame próximo.
Foram separados, retornando aos seus lugares.
—Devolvo-te o amor não fruido. Tê-lo-ás no seio materno e nos braços da ternura. Amamentá-lo-ás e lhe fornecerás a forma orgânica. Ele, porém, terá incontáveis limitações de muita natureza, exigindo-te sacrifícios e vigílias. Talvez não consiga firmar-se na primeira tentativa de renascimento. Os seus fluídos possívelmente intoxicarão venenosamente a forma débil do feto... Mas voltará, sim, aos teus anelos, às tuas ansiedades. Antes dormirá demorado sono em nossa Esfera de ação, para esquecer e recomeçar sem o peso das lembranças causticantes... Teu amor ajudá-lo-á a carregar o fardo das próprias dores. Não seguirás a sós: teus Amigos Espirituais te ajudarão, todos oraremos por ti e por ele.
Ana Maria tocou a face do inditoso afeto.
Misturou as suas nas lágrimas dele, que fluiam silenciosas e doloridas.
— Ajuda-me, amado Teo — disse lenta, lacônicamente.
— Ajuda-me com o teu vigor, o teu entusiasmo e a tua sabedoria, tu que sempre foste mais eloquente do que eu. Socorre-me com a tua presença e não me deixes mais sozinha... pois eu não suportaria, agora que te reencontrei.
— Pede-o a Deus — respondeu, lamentoso e débil —, não a mim.
Eu sou um infeliz, já que tu não caíste tanto, não te comprometeste tanto quanto eu... Sou agora muito fraco, vencido por mim mesmo. Roga-Lhe, tu, que serás mãe e a mãe é sempre abençoada. Roga, por nós dois.
—Se somos fracos em forças, nosso amor é forte em esperança.
Nossa fraqueza será nossa resistência, porque nos dependeremos e, assim, nos ajudaremos.
—Tudo quanto não tivemos, até agora, o amanhã nos ajudará a possuir.
Estaremos mais entrelaçados do que em qualquer ocasião. Por ti, receberei também, nos braços, a Jean...
— Jean? — interrogou, surpreso, o Espírito.
— Sim, Jean Villemain, recordas? Comprometi-me a ajudá-lo, também, e assim nossa felicidade não terá manchas.
Ajudando-o, ajudar-nos-emos. Ele foi mau porque deixou que o seu amor por mim o enlouquecesse. Guardadas as proporções não foi, também, de loucura, o nosso amor? Desse modo nos refaremos e marcharemos juntos.
— Aprendi, quando estudava o Evangelho, em criança, em Ruão, este conceito que nunca esqueci: «Quando eu buscava Deus fora de mim, não O achava; quando o procurava dentro de mim, tinha-O perdido; resolvi amar e ajudar o meu próximo e deparei-me comigo, com Deus e com o meu irmão.
Buscando Jean e o ajudando, achar-nos-emos os três na felicidade...
O irmão Teofrastus assentiu, cansado, com a cabeça caída sobre o ombro da noiva antes infortunada.
—Jean não poderia participar desta reunião, pois que se encontra em tratamento... Os nossos compromissos redentores nos desenham, também, aflições e resgates. Não serão incursões românticas ao jardim das delícias ou aos oásis do repouso. Serão tarefas e responsabilidades que assumimos perante nós mesmos. Poderemos lograr êxito, poderemos falhar, dependendo exclusivamente de como refaçamos a senda. O amor nos ajudará, sem dúvida. Convém recordar, também, que não temos sabido valorizar devidamente as concessões do amor verdadeiro e, assim, o nosso sonho de amor será, também, ministério de sacrifício e renunciação, pesados tributos de dor redentora. Tenhamos em mente a necessidade da oração e do trabalho como meios de sustentação da fé, nos momentos ásperos que surgirão indubitàvelmente.
Repontarão à nossa frente outros amores e outros desafetos. O nosso pretérito não está aqui todo representado, definido... Fortaleçamo-nos no bem, pois que só o bem nos fortalecerá devidamente para os embates porvindouros.
«Roguemos ao Pai que abençoe os nossos propósitos de luz e respeitemos no porvir a glória da nossa felicidade.
Concentrando-se, demoradamente, o Benfeitor começou a refletir luz prateada que lhe fluía do cérebro, vestindo-o totalmente.
A sala humilde fez-se brilhante e tínhamos a impressão de que sutil aroma perfumava o ar.
Transfigurado, o Mensageiro orou: Senhor Jesus, Amigo Excelente: Chegamos cansados dos caminhos percorridos, Trazendo poeira transformada em lama nos pés da alma, Sedentos e feridos, de mãos vazias e dilaceradas;
Tombada, a nossa fronte não se levamta para olhar o amanhã;
Os ombros arriados não suportam o fardo das próprias dissipações.
Socorre-nos, Celeste Benfeitor!
Não é a primeira vez que te esquecemos, envolvendo-nos no crime.
Não é a primeira tentativa que fazemos com insucesso.
«eu».
Apiada-te ainda mais de nós!
Fitamos o céu e nossos olhos não vêem as estrelas, olhamos o dia e o sol nos enceguece, seguimos a rota e tropeçamos sem a visão do solo...
Pensamos em ti e brilha em nosso espírito a Tua luz.
Ampara-nos, Construtor da Vida! Amanhece o dia do novo ensejo e logo mais mergulharemos no caudaloso rio da reencarnação.
Reencontraremos as dívidas chamando por nós e as dores reclamandonos;
Defrontaremos o ódio ultrajando nossas aquisições de amor e o sofrimento dificultando nosso avanço.
Dá-nos a Tua mão protetora!
Somos o que fomos, ajuda-nos a ser o que devemos! A Ti entregamos nossas vidas: Salva-nos, Jesus, através do trabalho redentor!
Quando o Mensageiro silenciou, nossos olhos estavam deslumbrados.
Recebêramos a visita dos Céus para termos força de prosseguir nos deveres da T erra.
Chegou o momento das despedidas.
De coração túmido abraçamos o nobre Irmão Glaucus.
Ele sorria gentil e confiante para todos nós.
O grupo foi sendo reconduzido aos seus lares.
Os irmãos que se reencarnariam foram atendidos por Assistentes Espirituais diversos que participaram das inúmeras tarefas e transferidos para o Mundo Maior.
Saturnino e Ambrósio conduziram-nos ao lar, assim como os demais membros do labor desobsessivo.
O manto da noite estava sendo erguido pelo ouro do sol e as nuvens brincavam de sombra e claridade na festa do Dia.
O perene amanhã com Jesus esperava por nós.