Em Busca da Verdade

CAPÍTULO 2

O SER HUMANO E SUA TOTALIDADE



O ser humano é organizado por complexos elementos que transcendem a uma análise superficial, exigindo seguro aprofundamento nos seus elementos constitutivos.

De origem divina, em sua essência, desenvolveu a inteligência e o sentimento através do extraordinário périplo antropossociopsicológico.

" Criado simples e ignorante, na condição de princípio inteligente, desenvolveu-se ao largo das centenas de milhões de anos, atravessando as diversas fases da cristalização, da sensibilidade vegetal, da percepção instintiva animal até alcançar a consciência e a inteligência humanas, estagiando, momentaneamente, na experiência virtual, que lhe estava predeterminada, e que seguirá logrando conquistas mais grandiosas, Do silêncio profundo, nos estágios primários aos sons grotescos das diversas espécies animais, conseguiu expressivo passo ao lograr a verbalização do pensamento, potencializando-se com a amplitude do conhecimento de que dispõe para expressar a beleza, as formas e a vida em todas as suas manifestações.

Nesse período, desenvolveu as artes, a cultura, o pensamento filosófico, conduzindo a criatividade para descobrir os segredos ocultos em a Natureza, ensaiando os passos com audácia no empirismo, logo depois no conhecimento dos princípios racionais através das experiências em momentosas pesquisas, ensaiando os gloriosos passos na direção da ciência.

Graças a essas conquistas, alterou as paisagens terrenas, modificando as estruturas de algumas partes do planeta, tomando conhecimento dos fenômenos sísmicos e ambientais, atmosféricos e marítimos, podendo prever as ocorrências calamitosas, impossibilitado ainda de as impedir...

Grandes níveis de aquisições foram alcançados no combate às enfermidades, especialmente aquelas de natureza pandémica, tropicais, infecto-contagiosas, algumas degenerativas, aos transtornos comportamentais e psíquicos, melhorando a longevidade do ser humano com favoráveis condições de vida.

Conseguiu penetrar nos quase insondáveis mistérios do macro e do microcosmo, solucionando graves questões que pairavam ameaçadoras sobre a existência humana.

Embelezou o planeta através de edificações colossais, drenando pântanos, criando jardins e pomares em terras desérticas, construindo lares e santuários confortáveis, assim como hospitais, escolas e oficinas de trabalho com excelentes condições de dignidade para os seus funcionários.

Graças à tecnologia, que também descobriu e aprimorou, produziu veículos que transitam em altas velocidades, cortando estradas terrestres e espaciais, oceânicas e submarinas, favorecendo a comunicação por intermédio de instrumentos de alta e eficiente precisão, que favorecem o conforto e dão alegria, proporcionando espetáculos de arte e de ciência ao alcance de milhões de indivíduos.

Do homem primitivo ao moderno há um tremendo pego assinalado por incontáveis realizações e sacrifícios que mais o dignificam, impulsionando-o ao avanço contínuo na direção do infinito.

Em face da sua natureza fragmentada, a agressividade ainda não pode ser controlada, mesmo depois dos valiosos recursos da educação e da instrução, do conhecimento e da lógica, da identificação de todos os recursos que tornam a vida feliz e aprazível ou a desqualificam na ordem da evolução.

Tem havido predominância dos instintos em detrimento da razão, do egoísmo em relação ao altruísmo, da natureza animal em face da natureza espiritual.

A fixação no corpo e nas suas reais como falsas necessidades, nele desenvolveu ambições desmedidas, a princípio como básicas para a conservação da vida, mais tarde, porém, como recurso de poder para gozar, dando vazão à inferioridade moral não superada que o atrela às paixões primitivas.

Apesar de todos os embates filosóficos, sociológicos, éticos e morais, não conseguiu um desenvolvimento idêntico nessa área conforme os logrou no comportamento externo.

Isto ocorreu, porque a evolução exterior é mais fácil de ser adquirida, em relação à de natureza interior, que impõe vigilância e sacrifícios especiais na área dos sentimentos e da razão.

Embora, na atualidade, jactando-se de ser civilizado e educado, não tem conseguido evitar as guerras que promove, utilizando-se dos notáveis descobrimentos que canaliza para o crime e a destruição, vitimado pela mesquinhez e pelos conflitos internos que o esmagam dolorosamente.

Ao lado desse tremendo infortúnio, multiplicam-se as calamidades que não tem sabido administrar, tornando o seu habitat campo de batalha, cárcere de desaires, reduto de temor e de insegurança que produzem estertor e agonia.

Inseguro na sua trajetória, vem destruindo as fontes de recursos naturais, ameaçando a Natureza e todos os seus elementos, que se encarregarão de torná-lo mais sofrido, caso não modere a utilização dos esgotáveis recursos que se encontram à sua disposição.

Essas nefastas ocorrências, porém, são filhas da sua fragmentação interior, das heranças ancestrais, das suas más inclinações.


Estrutura bipolar do ser humano

O objetivo essencial da existência humana, do ponto de vista psicológico, na visão junguiana, é facultar ao indivíduo a aquisição da sua totalidade, o estado numinoso, que lhe faculta o perfeito equilíbrio dos poios opostos.

Jung havia estabelecido que o ser humano é possuidor de uma estrutura bipolar, agindo entre esses dois diferentes estados da sua constituição psicológica, qual ocorre com os arquétipos anima e animus.


"

"Toda vez que lhe ocorre uma aspiração, o polo oposto insurge-se, levando-o ao outro lado da questão.

Qualquer comportamento de natureza unilateral logo desencadeia uma reação interna, inconsciente, em total oposição àquele interesse.

Quando o indivíduo se exalta em qualquer forma de personalismo está mascarando a outra natureza que também lhe é inerente, Se se atribui virtudes e valores relevantes, eles são defluentes de fantasias internas do que gostaria de ser, sem que o haja conseguido.

Um eu opõe-se ao outro eu em intérmina luta interior.

Um é consciente, vigilante; o outro é inconsciente, adormecido, que desperta acionado pelo seu oposto. Um se encontra na razão; o outro, no sentimento ou vice-versa.

A não vigilância e não saudável administração desse opositor se apresenta como desvario, que impede o raciocínio lúcido, a presença da razão.

Esse ser duplo é constituído, ora como resultado do conhecimento adquirido, de experiência vivenciada, enquanto o outro é de total desconhecimento, permanecendo oculto sempre à espreita.

O nobre Jung utiliza-se de imagem carregada de lógica moderna, quando esclarece: - O ser humano vive como alguém cuja mão não sabe o que a outra faz, o que induz à recordação do pensamento de Jesus, quando se refere à excelsa ação da caridade: Dai com a mão direita, sem que a esquerda o saiba.

* Conhecia Jesus as duas polaridades psicológicas do ser humano e, por isso, incitava-o a amar tão profundamente que o seu gesto de afeição sublime e consciente estivesse em plena concordância com os seus arquivos inconscientes.

Aquele que não consegue harmonizar os dois polos em uma totalidade, invariavelmente faz-se vítima das expressões desorganizadas do sentimento, induzindo-o às emoções fortes, descontroladas.


Stevenson, o inspirado poeta inglês, bem traduziu esses dois poios na sua obra genial O médico e o monstro, quando o Dr. Jekil era vítima do Sr. Hide que coabitava com ele no seu mundo interior, expressando toda a inferioridade que o médico buscava superar no seu ministério sacerdotal., Na tradição religiosa, expressam-se como o bem e o mal, ou o anjo e o demônio, continuando na feição sociológica em conceituação do certo e do errado, da treva e da luz, do belo e do feio., Essa dicotomia psicológica permanece no ser humano em desenvolvimento emocional e espiritual. -

O esforço terapêutico a desenvolver, deve ser todo voltado para a integração do outro polo, o oposto, naquele que está consciente e é relevante, produtivo, saudável, caminho seguro para a completude.

O esforço consciente do indivíduo para autopenetrar-se, autoconhecer-se, como resultado das tensões dos poios ativados pelo interesse da integração, induz o indivíduo a um comporta mento gentil, afável, compreensível das dificuldades e limitações do seu próximo.

Enquanto, porém, permanece essa dissociação, essa fragmentação, esse desconhecimento da consciência, invariavelmente se tomba na cisão da personalidade, da qual irrompem os transtornos neuróticos que atormentam, aumentando a distância entre os atos conscientes e os inconscientes.

Jung sugere os símbolos como representações dos conflitos que se estabelecem nas oposições dos mesmos, encarregados de os unir e formar apenas uma realidade, como se observa na cruz, cujos braços têm o seu ponto de segurança no centro em que se encontra a haste vertical com a horizontal, representando a segurança, a unidade daqueles contrários...

Nesse sentido, o emérito mestre suíço recorre ao comportamento do cristão, na sua rendição à Divindade, sem esfacelar-se nela, mas tornando-se um eleito, capaz de conduzir o próprio fardo, a própria cruz.

Pessoas inexperientes, quando se dão conta dos opostos no seu mundo interior, afligem-se desnecessariamente, formulando conceitos indevidos e punitivos, como se as manifestações do inconsciente signifiquem inferioridade, promiscuidade, dando origem a culpas injustificáveis pelo fato de existirem.

Supõem, precipitadamente, que podem forçar a mudança, tornando-se puras, embora os conflitos, culminando em descobrimentos dolorosos de existências vazias.

Esses conflitos não devem ser combatidos como inimigos num campo de batalha, mas atendidos, orientados, esclarecidos, libertando-se deles pela sua conscientização, de forma que a autoconsciência experimente bem-estar pela conquista realizada interiormente.

É comum a ocorrência de pensamentos infelizes no momento da oração, da meditação, o que não é habitual noutras ocasiões, gerando inquietação e mal-estar.

Ocorre que, estando arquivados no inconsciente, quando esse é ativado pelo polo edificante, logo o outro descerra a sua cortina e libera o adversário.

A atitude a tomar com tranquilidade consiste em permanecer não reativo, insistindo no propósito ora em vivência até a unificação dos oponentes.

A fragmentação leva ao desfalecimento, à perda do entusiasmo.

Um eu em luta contra o outro eu deteriora o sentimento ou aturde a razão.


A contínua luta entre o ego e o Self

Invariavelmente, o indivíduo busca superar esse eu opositor frequente, adotando comportamento castrador, por intermédio do esforço consciente para suprimi-lo, o que redunda em grande fracasso, porque o polo que orienta o outro eu permanece vivo, embora disfarçado pela aparência que se adquire.

Não são poucos os indivíduos que se refugiam em ideais, especialmente nas doutrinas religiosas, como evasão da realidade, adotando comportamentos nobres, no entanto, mascaradores dos seus conflitos, como, por exemplo, quando na adoção de condutas violadoras das funções orgânicas, especialmente as genésicas, liberando, embora inconscientemente, a sexualidade, nos abraços e beijos fraternais...

A sombra existente no ser humano não deve ser combatida, senão diluída pela integração na sua realidade existencial.

Ela desempenha, portanto, um papel fundamental no equilíbrio entre o ego e o Self, no que resulta a unificação também dos poios quando se consegue a sua diluição.

A cisão existente, defluente da fragmentação psicológica, deve avançar para a integração, a unidade.

O ego, no conceito freudiano, conforme bem o define o dicionário Aurélio, é: A parte mais superficial do id, a qual, modificada, por influência direta do mundo exterior, por meio dos sentidos, e, em consequência, tornada consciente, tem por funções a comprovação da realidade e a aceitação, mediante seleção e controle, de parte dos desejos e exigências procedentes dos impulsos que emanam do id.

Nele se encontram, portanto, os impositivos dos instintos que se derivam do princípio do prazer e pela compulsão ao desejo.

São esses impulsos o resultado dos instintos procedentes das faixas primárias da evolução, que se destacam em oposição quase dominante contra a razão, a consciência de solidariedade, de fraternidade, de tolerância e de amor.

Dominador, o ego mascara-se no personalismo, em que se refugiam as heranças grosseiras, que levam o indivíduo à prepotência, à dominação dos outros, em face da dificuldade de fazê-lo em relação a si mesmo, isto é, libertar-se da situação deplorável em que se encontra.

A luta interna dos dois poios faz-se cruel, embora o ego aparente ignorá-la, mantendo uma superficial consciência do valor que se atribui, do poder que exterioriza, da condição com que se apresenta.

Sendo o Self o arquétipo básico da vida consciente, o princípio inteligente, ele é o somatório de todas as experiências evolutivas, sempre avançando na direção do estado numinoso.

Nessa dissociação dos poios, muitas vezes pode parecer que o indivíduo, a grande esforço, conseguiu a integração, até o momento em que se surpreende com o terror da cisão inesperada que o leva a um transtorno profundo, especialmente se viveu em razão de um ideal que asfixiou o conflito, mas não o solucionou, despertando com sensação de inutilidade, de vazio existencial.

Sucede que o ego exige destaque, compensação, aplauso, embora nos conflitos entre razão e instinto, originando-se nele um tipo de sede de água do mar, que não é saciada por motivo óbvio.

Mesmo encontrando compensações de prazer, do impulso instintivo que leva à compulsão do desejo, a insatisfação defluente da ansiedade do poder empurra a sua vítima ao transtorno depressivo, porque a sua ânsia de dominação termina por esvaziá-lo interiormente.

O mesmo ocorre na vida monástica, no período em que diminuem o entusiasmo e o egotismo no postulante ou no religioso, quando então é acometido pela melancolia que se agrava em afligente depressão, falsamente interpretada como interferência demoníaca, pelo fanatismo que ainda vige em muitos setores da fé espiritualista.

" Com alguma razão, Alfredo Adler referia que o instinto de dominação no indivíduo, quando não encontra compensação ou não se sente reconhecido e aceito, foge, oculta-se na depressão, na qual expressa a agressividade e a violência.


Nesse sentido, o paciente não tem problema, pois que o estado em que se encontra de alguma forma faz-lhe bem, tornando-se um problema para o grupamento social saudável, que busca manipular, dominando-o, tornando-se fator de preocupação para os outros. *

Conscientizar a sombra, diluindo-a, mediante a sua assimilação, ao invés de ignorá-la, constitui passo avançado para a perfeita identificação entre ego e Self.

" Jung percebeu com clareza esses dois eus no indivíduo, que se podem explicar como resultantes do Self, aquele que é bom e gentil, e do ego que preserva o lado feroz, vulgar, licencioso, negativo.

Poder-se-ia dizer que o indivíduo possuiria duas almas em contínuo antagonismo no finito de si mesmo.

Essas expressões apresentam-se na conduta humana, quando em público, aparenta-se uma forma de ser e, quando, no lar, na família ou a sós, outra bem diferente.


O que representa gentileza transforma-se em mal-estar, azedume e aspereza. /

Aceitar-se com naturalidade esses opostos é recurso salutar, terapêutico, para melhor contribuir-se em favor da harmonia entre os outros litigantes, que são o ego e o Self.

No comportamento social não é necessário mascarar-se de qualidades que não se possuem, embora não se deva expor as aflições internas, os tormentos do polo negativo, Assumir-se a realidade do que se é, administrando, pela educação - fonte geradora dos valores edificantes e enobrecedores - os impulsos do desejo e do prazer, transformando-os em emoções de bem-estar e alegria, saindo da área das sensações dominantes, constitui maneira eficiente para diminuir a luta existente entre os dois arquétipos básicos da vida humana.

Uma religião racional como o Espiritismo, destituída de fórmulas que ocultam o seu conteúdo, que é otimista e não castradora, que convida o indivíduo a assumir as suas dificuldades, trabalhando-as com naturalidade, sem a preocupação de parecer o que ainda não consegue, estruturada na realidade do ser imortal, com as suas glórias e limitações, é valioso recurso terapêutico para a união de todos os opostos, que passarão a fundir-se, dando lugar a um eu liberado dos conflitos, que se pode unir à Divindade, sem os artifícios que agradam os indivíduos ligeiros e seus supérfluos comportamentos existenciais.

A luta, portanto, existente entre o ego e o Selfé saudável, por significar atividade contínua no processo de crescimento, e não postura estática, amorfa, que representa uma quase morte psicológica do ser existencial.

Humanizar-se, do ponto de vista psicológico, é integrar-se.

Jesus Cristo foi peremptório, demonstrando a Sua perfeita integração com o Pai, quando enunciou: - Eu e o Pai somos um, dando lugar à perfeita identificação entre ambos, aos comportamentos nobres, às propostas libertadoras sem poios de oposição.

Mais tarde, o apóstolo Paulo, superando as lutas entre o ego dominante e o Self altruísta, universal, proclamou: — Já não sou eu quem vive, mas o Cristo que vive em mim.

A sombra que nunca teve existência em Jesus, dele fez a Luz do mundo e a que existia em Saulo, Paulo, por fim, iluminou-a, diluindo-a no amor.


A aquisição da totalidade

Quando se conquista uma floresta densa, o primeiro movimento é o de abrir-se clareiras na sua escuridão e densidade, a fim de que entre a luz e haja espaço para a edificação do que se transformará em posto avançado de serviço e de repouso.

* O inconsciente é uma floresta densa, a parte submersa de um iceberg flutuando sobre as águas tumultuadas da existência física.

* A grande maioria dos atos e comportamentos humanos, na sua expressão mais volumosa, procede do inconsciente, sem a interferência da consciência lúcida.

No inconsciente coletivo, encontram-se arquivados toda a história da Humanidade, os diferentes períodos vivenciados, abrindo pequeno espaço ao inconsciente individual, encarregado dos registros atuais, desde a concepção até a atualidade.

Há profunda sensatez e veracidade na informação, considerando-se que o Self se estruturou ao largo das sucessivas reencarnações, por onde esse princípio inteligente desdobrou os conteúdos adormecidos em germe, seu Deus interno, até o momento da consciência.

As impressões que dizem respeito às memórias coletivas nesse grandioso inconsciente, têm procedência, porque se referem às vivências individuais ou às informações transmitidas pelos contemporâneos ou ascendentes que as viveram.

Para que haja uma real integração desses arquétipos predominantes em o ser humano, torna-se indispensável o amor a si mesmo, conforme a recomendação do sublime Psicoterapeuta Jesus Cristo.

Ele sabia da existência da sombra individual e coletiva, que aturdia o ser humano.

Na Sua proposta psicoterapêutica através do amor, Ele destacou aquele de natureza pessoal, a si mesmo, em razão dos escamoteamentos, quando se procura amar ao próximo, impossibilitado daquele que é devido a si mesmo, ao Self.

Essa é uma artimanha da sombra, disfarçando o transtorno da indiferença ou animosidade contra o próprio ser, dos conflitos perturbadores no íntimo, em fuga espetacular para a valorização do outro com desprezo pelos seus sentimentos, suas conquistas e seus prejuízos.

Quando o indivíduo não se ama, certamente apaixona-se, deslumbra-se, admira o outro a quem diz amar, até a convivência demonstrar que se tratou apenas de uma explosão sentimental sem profundidade nem significado.

Não são poucos aqueles que afirmam amar, para logo apresentar-se decepcionados por haverem constatado que o outro lhes é semelhante, portador também dos polos opostos, atrelado a dificuldades e limites, que o dito afetuoso gostaria que ele não tivesse, esperando compensações pelas próprias fraquezas.

O amor a si mesmo deve centralizar-se no autorrespeito e na autoconsideraçao que cada um se merece, identificando a sua sombra, que é familiar aos demais, aceitando-a e diluindo-a na mirífica luz da amizade e da compreensão.

Não se trata de ficar contra as imperfeições - a sombra interior - mas de identificá-la, para mais reforçá-la, o que equi vale dizer, conscientizar-se da sua existência e considerá-la parte da sua vida.

Lutar contra a sombra representa proceder a um desgaste inútil de energia.

Quando é identificada, a energia retorna à psique, e, à medida que a mesma é integrada, mais vigor se apresenta no ser consciente.

É necessário, portanto, uma atitude ativa e não passiva, porque essa passividade, essa anuência com a ignorância, nada fazendo para modificar-lhe a estrutura, alterando-a e dissolvendo-a, fomenta a violência de todo porte, que desagua entre os poderosos terrestres em guerras hediondas, espraiando a sombra coletiva da arbitrariedade e da prepotência.

O bem e o mal têm a mesma origem na psique humana, resultando de experiências ancestrais que foram vividas pelo Self.

Da mesma forma, a sombra, os antagonismos podem e devem ser enfrentados através de diálogos com os opostos, que elucidam a sua finalidade e os seus gravames.

Nos relacionamentos entre amigos e parceiros, sempre ocorre a fragmentação, na qual a duração dessa convivência é de curto prazo, mesmo quando se inicia com entusiasmo e ardor.

De um para outro momento alguém nota que a sua voz interior não apenas critica-o, lamentando a conivência, informando da sua indignidade ou inferioridade em relação ao outro, como também pelo surgimento de uma agressão ferina, de apontamentos desagradáveis sobre o amigo ou parceiro...

Tal ocorrência produz o comportamento exterior sem correspondente íntimo, dando lugar ao cansaço ou à indiferença, ou a uma forma de saturação emocional, destituindo o prazer que antes era haurido naquele convívio.

Ninguém deve ignorar a voz interior, especialmente quando crítica ou mordaz, responsável por comentários depreciativos da própria pessoa ou de referência a outrem. .

Torna-se necessário o seu enfrentamento lúcido e natural, diluindo a tensão que se estabelece entre o consciente e o inconsciente.

Normalmente, diante de uma bela performance exterior, irrompe interna a voz que censura, que abomina, que recalcitra em relação àquele desempenho.

Essa tormentosa sombra imanente na psique faz parte do ego à espera da valiosa contribuição do Self libertador.

Considere-se a existência da sombra como uma questão moral, não a ocultando através de sacrifícios, de sevícias e de autoflagelações para vencer o que se denominou como as tentações, porque tais comportamentos são pertinentes a ela mesma que, submetida por algum tempo, um dia irrompe em forma de desencanto ou de vulgaridade a que se entregam aqueles que, longamente, impediram-na de manifestar-se, acreditando falsamente na vitória sobre ela.

Devorar a sombra com integração lúcida na psique, é também uma forma de diluí-la, incorporando-a ao conjunto, trabalhando pela unidade.

Qualquer tipo de violência ou obstinação contrária, mais a reforça, enquanto que toda expressão de amor e de humildade em relação à mesma, libera-a.

Reconhecer-se imperfeito, como realmente se é, portador de ulcerações e de cicatrizes morais, é um ato de humildade real, que se deve manter com dignidade, enquanto que, divulgá-los, demonstrando simplicidade, é maneira de permanecer-se no estágio de dominação pela sombra que somente mudou de expressão e de comportamento.

Nada mais desagradável e mórbido do que a falsa humildade, aquela que exclui o indivíduo dos valores éticos elevados, que o subestima, expressando, disfarçadamente, presunção, diferenciamento das demais pessoas.

Jesus, que é inabordável psicologicamente, porque paira acima de todas as criaturas, como biótipo especial, jamais se subestimou ou adotou epítetos depreciativos para demonstrar humildade.

Pelo contrário, sempre referiu-se como o Enviado, o Messias, o Filho de Deus, a Luz do mundo, o Pão da vida, etc, demonstrando a Sua autoconsciência.

Entre a humildade e o exibicionismo permanece uma grande diferença.

Muita aparência humilde torna-se ostentação disfarçada, portanto, presença da sombra dominadora na conduta psicológica.

Em qualquer movimento religioso, que busca a superação dos conflitos, vale a pena considerar-se que convivem no mesmo indivíduo o anjo e o demônio, que necessitam harmonizar-se, descendo um na direção do outro que ascende no rumo do primeiro.

Quando se reconhece essa dualidade presente na psique, que é representativa do ser humano, uma das suas características, portanto, torna-se fácil a terapia equilibradora, unindo-a em um ser lúcido psiquicamente e generoso emocionalmente.

A integração é necessidade de vivenciar-se um labor consciente, de amadurecimento psicológico, de conquista emocional e espiritual.