Setenta Vezes Sete

CAPÍTULO 13

DE CESAR E DE DEUS



Marcos 12:13-17 Lucas 20:20-26 Mateus 22:15-
Crescia o prestígio de Jesus naquela semana decisiva, em Jerusalém, graças aos|

prodígios que operava e aos ensinamentos que ministrava.

Depois de muito discutir quanto à maneira de neutralizar sua ação, os senhores do templo articularam nova artimanha.

Eram mestres na arte de sofísmar, de usar raciocínios ardilosos para confundir as pessoas.

Convocaram desconhecidos discípulos da escola rabínica, bem como alguns herodianos, partidários de Herodes, o príncipe judeu que governava a Galileia, e lhes confiaram uma missão.

Era muito simples, mas teria efeito devastador.

Competia-lhes fazer uma pergunta a Jesus.

Com apenas algumas palavras haveriam de lhe destruir a reputação e o comprometeríam, irremediavelmente.

A ardilosa comitiva compareceu a uma pregação.


Seus membros o ouviram atentamente, durante algum tempo e, quando surgiu o ensejo, falaram, simulando admiração:

—Mestre, sabemos que és verdadeiro e que ensinas o caminho de Deus a todos os homens, sem discriminares a ninguém. Dize-nos, então: que te parece, é lícito pagar o tributo a César?

Aparentemente inocente, era uma pergunta maliciosa.

Qualquer resposta seria comprometedora.

Se respondesse afirmativamente, ficaria desmoralizado junto à opinião pública.

Inconcebível pagar tributos aos dominadores romanos.

Feria profundamente a consciência nacional e, por vezes, fomentava rebeliões.

Como admitir o povo de Deus subjugado por aqueles gentios grosseiros e, além do mais, pagar-lhes impostos?!

Se respondesse negativamente, seria denunciado às autoridades romanas, como agitador.

Armadilha perfeita!


* * *

Mas Jesus, com a sabedoria de sempre, não se enredou.

—Por que me experimentais, hipócritas!

Em seguida pediu-lhes uma moeda.

Tratava-se de um denário, moeda que trazia a efígie do Tibério César, com a inscrição: Divus etpontifex maximus (Deus e sumo sacerdote).

O fato de portarem moedas romanas bem exprimia sua hipocrisia.

Os judeus as evitavam, porquanto exaltavam o imperador como um deus pagão, contrariando suas crenças.


Mostrando-lhes o denário que lhe fora entregue, perguntou Jesus:

—De quem é esta imagem e a inscrição?

—De César.


Jesus concluiu, magistralmente:

—Pois, então, dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.

Livrava-se do ardil aparentemente infalível com a lógica de uma resposta perfeita, que confundiu seus adversários.

A moeda tinha a efígie de César, era cunhada por César, pertencia a César...

Era, portanto, dinheiro de César.

Se os próprios inquiridores carregavam aquele dinheiro e o usavam em suas transações, implicitamente estavam aceitando a autoridade do imperador, cumprindo-lhes submeter-se às normas de Roma.

Da mesma forma, competia aos judeus pagar o imposto divino, o imposto devido a Deus, pelo dom da vida, a exprimir-se no empenho por cumprir sua vontade.

Desapontados, sem ter conseguido o seu intento, retiraram-se os membros da comitiva enviada pelos fariseus.


* * *

A sabedoria de Jesus não estava apenas em confundir seus opositores, livrando-se das armadilhas que forjavam. .

Sempre ia além, oferecendo preciosos ensinamentos.

O cristão é chamado a cumprir os regulamentos e as leis da sociedade em que vive, não por imposição do poder civil, mas por ditame da própria consciência, tanto quanto lhe compete observar as leis divinas, praticando todo o bem e evitando todo o mal.

Questiona-se: Devemos sempre respeito a César?

Não será lícito deixar de cumprir uma lei, quando fere nossos interesses?

Sob o ponto de vista evangélico, a resposta é negativa, porquanto, não obstante previsíveis limitações e falhas, as leis humanas representam um empenho de organização da vida social.

Se cada indivíduo faz as suas próprias leis, agindo de conformidade com suas conveniências, estaremos regredindo à barbárie.

E há um detalhe: quanto maior o desrespeito às leis, mais severas elas se tornam.

As pessoas alegam que sonegam impostos porque são muito pesados.

O governo faz impostos pesados para compensar a sonegação.


* * *

Só há uma situação em que somos chamados à desobediência civil: quando as autoridades nos imponham um comportamento que colide com as leis divinas.

Um militar esteve ligado aos meandros escuros do golpe militar de 1964, situando-se como inquisidor de presos políticos.

Torturava-os impiedosamente para arrancar-lhes confissões.

Quando lhe perguntaram se tinha remorsos, respondeu que não, porquanto apenas cumpria ordens.

E onde escondeu sua humanidade, o respeito ao próximo, à integridade física das pessoas, princípios elementares que devem estar presentes naqueles que se arvoram em defensores da Lei?

Certamente responderá por isso.

A intervenção dos Estados Unidos no Vietnã só acabou quando a juventude do país se mobilizou, recusando-se a participar daquela guerra suja, que, a pretexto de exaltar o direito e a justiça, apenas defendia os interesses americanos na região.


* * *

Frequentemente, quando há iniciativas governamentais que mexem com nosso bolso, ouvimos as pessoas dizerem que os governantes são uns ladrões e que deveríam ser todos fuzilados.

Não obstante, jamais moralizaremos um país apelando para a agressividade.

As soluções violentas para os problemas sociais, envolvendo revo-luções, guerras, guerrilhas, terrorismo, sempre resultaram em problemas maiores.

Os contestadores de hoje, sempre que apelam para a violência, se vitoriosos, serão os gestores de regimes indignos amanhã.

Acontece desde sempre.


* * *

Há ilustrativo axioma: Cada povo tem o governo que merece.

Sejam quais forem as condições em que assumiram o poder, os governantes são apenas representações das tendências do povo que governam.

A Alemanha de Adolfo Hitler surgiu como a materialização dos impulsos belicosos e das pretensões de superioridade racial do povo alemão.

Por isso, estaremos sempre promovendo uma inversão de valores, se pretendermos um bom governo para ter um povo bom.

Primeiro, trabalhemos por ser um bom povo, de cidadãos conscientes, participativos, observando as leis divinas para que Deus esteja presente nas leis de César.