que o homem não pode dispensar a mulher ao seu bel-prazer, como quem se desfaz de uma serviçal, seus interlocutores levaram um susto.
A ideia era inconcebível para a mentalidade machista da época.
Como impor submissão à esposa, sem a prerrogativa de despachá-la quando não estivesse agradando?!
Como suportar as impertinências femininas, a se acentuarem com os achaques da velhice?!
Como sustentar a virilidade, sem os estímulos do contato com novas companheiras, de preferência jovens e ardentes?!
—Se tal é a condição de um homem relativamente à sua mulher, é melhor não casar.
—Nem todos podem aceitar este conceito, mas somente aqueles a quem foi dado.
Há os homens-instinto.
Vivem em função dos chamados prazeres da carne, envolvendo particularmente o sexo.
São promíscuos. Enxergam, em qualquer mulher dotada de atrativos físicos, uma aventura em potencial.
Há os homens-sentimento.
Buscam a comunhão autêntica no relacionamento afetivo, envolvendo, além do sexo, o companheirismo, a amizade, a capacidade de se doarem em favor do ser amado.
Estes podem entender Jesus, quando fala em monogamia e indissolubilidade do casamento.
—Há eunucos, que nasceram assim; outros foram feitos eunucos pelos homens; e outros há que se fizeram eunucos por causa do Reino dos Céus...
Eunuco, como sabe o prezado leitor, é o indivíduo impotente, cujas glândulas sexuais estão atrofiadas ou foram extraídas.
• Os que nasceram assim.
Em virtude de deficiência fisiológica congênita, estão impedidos de uma vida sexual normal.
—Por quê?
—Por que comigo?
Se aceitamos a existência de Deus e concebemos que é absolutamente justo, será impossível responder a.
essas indagações sem admitir a reencarnação.
O eunuco congênito está em resgate cármico.
Paga por deslizes de pretéritas existências.
O libertino, empolgado com aventuras nos domínios do sexo, que elegeu a irresponsabilidade por padrão de conduta, candidata-se a renascer com problemas dessa natureza.
A impossibilidade de dar vazão aos seus impulsos o ajudará a refrear suas tendências, ao mesmo tempo que o situará em conflitos íntimos, quais tormentas reparadoras em seu Espírito.
• Os eunucos feitos pelos homens.
No passado, potentados orientais tinham em seus palácios uma dependência especial, o harém, onde desfrutavam de mulheres selecionadas dentre as mais belas.
Para protegê-las e ao mesmo tempo evitar que fugissem, eram montados fortes esquemas de segurança.
Mas, como impedir que os próprios guardas molestassem ou seduzissem as mulheres?
Solução simples: eram castrados, tornando-se impotentes.
Nesse segundo grupo podemos situar outro tipo de eunuco, envolvendo as ordens religiosas que impõem a castidade.
E o que situaríamos por castração moral, também geradora de conflitos, porquanto o indivíduo pode ter aptidão para a vida religiosa, sem vocação para a castidade e o celibato.
Frequentemente gera problemas.
Passada a fase heróica, de empenho por seguir tão rígida imposição, quando cessa a luta íntima por forçar um comportamento para a qual não está preparado, o religioso poderá: Cair na hipocrisia, simulando castidade.
Desistir de seus votos e ir cuidar da vida.
Celibato e castidade não encontram respaldo nas tradições cristãs.
Discípulos de Jesus, que pontificaram no movimento inicial, eram casados, tinham vida sexual, cuidavam da prole, a começar pelo próprio Simão Pedro, que a ortodoxia religiosa situa como o primeiro papa.
Na primitiva igreja, sacerdotes, bispos e diáconos, bem como os demais membros engajados na sustentação do serviço, constituíam família, sem nenhum inconveniente.
Ao contrário, era até desejável, colocando-os a salvo das tentações.
Outra vantagem: o relacionamento conjugal lhes dava a experiência necessária para cuidar de problemas familiares dos fiéis.
• Os que se fizeram eunucos por causa do Reino dos Céus.
Espíritos superiores, participando de sagradas tarefas no Bem, fazem-se castos para produzir mais e melhor.
Na energia sexual manifesta-se o impulso criador, estimulado pela procura de prazer que, segundo Freud, é o móvel de nossas ações.
O homem comum realiza-se, canalizando-a para os domínios das sensações, no arrebatamento da comunhão física que gera filhos.
O homem superior realiza-se canalizando a energia sexual para gloriosas realizações nos domínios da arte, da ciência, da religião, da filosofia...
Temos em Francisco Cândido Xavier um exemplo típico.
Lembro-me de que, certa feita, numa entrevista, revelou que jamais experimentou um orgasmo.
Mas, certamente, terá experimentado incontáveis êxtases, o prazer do Espírito superior que sublimou o impulso criador.
Liberando-se das imposições do sexo carnal, fez-se agente do Céu a fecundar a Humanidade para as realizações supremas da Virtude e do Bem.
Na adolescência, quando o Espírito desperta para a experiência terrestre, em plenitude de energias, o impulso sexual, como elemento de perpetuação da espécie, tende a manifestar-se fortemente, estimulando a comunhão carnal.
Com o avançar do tempo, arrefece o ardor físico, mas não cessa o impulso criador do sexo.
É quando somos convidados a sublimar a energia sexual, em favor das realizações mais nobres.
O idoso gera sérios problemas para si mesmo quando não atende à sabia orientação da Natureza e pretende sustentar a virilidade da juventude, apelando para os estímulos das aventuras extraconjugais e do sexo promíscuo, comprometendo-se em desvios que lhe imporão amargas retificações.
Acabará por descobrir que há muito mais prazer e uma satisfação muito mais duradoura na comunhão de ideais, envolvendo pessoas que se decidem a nobres realizações no campo do Bem e da Verdade do que na empolgação de fugaz comunhão carnal.
É a partir dessa constatação que começam a surgir os eunucos por causa do Reino dos Céus, em gloriosa jornada da animalidade para a angelitude.