Aproximou-se simpático jovem.
—Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a Vida Eterna?
Interessante a expressão vida eterna.
Sob o ponto de vista reencarnatório, seria superar o ciclo das vidas sucessivas.
Viver em altos planos do infinito, sem a necessidade dessa lixa grossa que é a experiência carnal, com seu cortejo de males e dores.
Talvez o jovem se referisse a isso, já que a reencamação não era estranha ao judaísmo.
—Por que me chamas bom? Ninguém é bom senão Deus.
Deixava bem claro, como o fazia em inúmeras oportunidades, que não era Deus, desautorizando futuras especulações dos teólogos medievais, que pretenderam fazer dele uma encarnação divina.
—Se queres entrar na 5ida, guarda os mandamentos.
—Que mandamentos, senhor?
—Não matarás, não cometerás adultério, não dirás falso testemunho, não furtarás; honra a teu pai e a tua mãe...
— Ah! Senhor.
Tudo isso tenho feito, desde a minha infância...
—Então, só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no Céu.
Depois, vem e segue-me.
Ao ouvir estas recomendações o jovem entristeceu-se e, visivelmente abatido, retirou-se.
Isso não podia fazer, pois era muito rico...
—Digo-vos que dificilmente um rico entrará no Reino dos Céus; ainda vos digo que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus.
Ideia espantosa!
Impossível um camelo passar pelo buraco de uma agulha!
Estaria Jesus dizendo que o rico jamais irá para o Céu?
Não é bem assim.
Podemos atenuar o rigor da expressão, lembrando o significado das palavras camelo e agulha, naquele tempo.
Camelo - barbante grosso.
Impraticável passá-lo pelo buraco da agulha. Talvez desfiando...
Agulha - entrada para pedestres, aberta nos muros que cercavam as cidades.
Era.
muito estreita para passarem animais de grande porte.
Talvez, com algum esforço, depois de um estágio do camelo num spa...
Resumindo: O rico até pode entrar no Reino dos Céus, mas...
é complicado.
O Reino, como sabemos, é aquele estado d’alma marcado pelo equilíbrio, a serenidade, a alegria, o bom ânimo...
Vários caminhos têm sido trilhados pelos homens, de conformidade com sua cultura, conhecimentos e maturidade, em busca dessa iluminação interior.
• Para o faquir indiano: A mortificação física.
• Para o cristão medieval: A solidão contemplativa.
• Para o antigo egípcio: O culto aos mortos e à própria morte.
• Para o sábio grego: A reflexão especulativa.
• Para o católico: O culto e a comunhão com os santos.
• Para o evangélico: A fé em Jesus.
• Para o espírita: A prática da caridade.
Há esses e outros caminhos propostos, alguns ingênuos, outros confusos e até tortuosos, mas respeitáveis todos eles, como experiências na procura do Reino.
De qualquer forma, aqueles que estão procurando se situam adiante dos que ainda não se decidiram.
Estes, que constituem maioria, permanecem entregues à indiferença, à indolência e ao comodismo.
Perdem tempo, marcam passo nos caminhos da evolução.
Adiam para futuro remoto as realizações mais nobres, até que a Dor, a grande mestra, venha despertá-los.
Segundo Jesus, há um obstáculo comum, uma pedra no caminho do Reino, que costuma causar tropeços.
A riqueza.
E que, para ser conquistada, acumulada e preservada, exige amplo envolvimento com os negócios, com os interesses materiais.
Nessa selva sombria, o homem rico tende a comprometer-se moralmente, resvalando para a desonestidade, a corrupção, o abuso do poder, a exploração do próximo...
Ainda que se mantenha íntegro, estará submetido a tantas tensões e problemas, a exigirem sua ação pronta, enérgica, em constante desgaste emocional e mental, que dificilmente terá condições íntimas para cogitar do Reino.
Evidentemente, não se pode condenar a riqueza, porquanto seria absurdo, como comenta Allan Kardec, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, pretender que Deus a colocasse no Mundo como instrumento fatal de perdição.
O próprio Codificador esclarece que sua conquista exige o desenvolvimento da inteligência, que dará ao homem melhores condições para compreender as verdades morais, estiimilando-o à própria renovação.
E a riqueza pode ser usada com muito proveito, promovendo o progresso e o bem-estar da Humanidade.
Sabemos quanto o dinheiro pode fazer nesse sentido.
Nos Estados Unidos, milionários doam somas fabulosas em favor de fundações, institutos de pesquisas, escolas, associações de socorro à pobreza...
Ricos, quando generosos, habilitam-se a uma acolhida festiva na Espiritualidade.
O problema é que raros lá chegam de consciência tranquila, isentos de comprometimentos morais.
Não é por outra razão que os grandes missionários costumam escolher posição social modesta, sem atrelar-se à riqueza, a fim de não dificultarem a própria tarefa.
Podemos concluir que a riqueza é uma experiência difícil - verdadeira provação.
Paradoxalmente, uma provação desejada.
Consulto o leitor. O que prefere: Ser rico e ter saúde, ou ser pobre e tuberculoso?
Talvez você seja uma exceção, escolhendo a segunda opção.
A primeira, preferidíssima, não é fácil.
O pobre, pelas próprias limitações a que a Vida o submete, pelas privações que experimenta, situa-se, naturalmente, em processo de renovação.
Já o rico não dependerá tanto do que a Vida lhe ofereça, mas muito mais do que ele vai lhe oferecer.
O problema é que dificilmente terá tempo e disposição para descobrir o que a Vida espera dele.
Significativo que Jesus, na oração dominical, não diz: A riqueza nossa de cada dia, dai-nos hoje.
Apenas o pão.
Sugere que peçamos a Deus nos ajude a conquistar o necessário, vivendo em simplicidade.
Exatamente como exprime João de Deus: Não vos peço a miséria aborrecida, Nem tamanha riqueza que me tente, Dai-me, Senhor, o necessário à vida, Serei contente.