recompensa: a cabeça de João Batista.
Pequeno detalhe: O Evangelho não registra seu nome.
Quem o declina é Flávio Josefo, historiador judeu.
A Salomé da epopeia evangélica era respeitável senhora, esposa de Zebedeu e mãe dos apóstolos Tiago e João. Discípula fiel de Jesus, esteve presente no Drama do Calvário; participou de seu sepultamento e foi uma das mulheres que testemunharam o desaparecimento de seu corpo.
Alguns historiadores consideram a possibilidade de Salomé ser irmã de Maria de Nazaré ou, talvez, sua sobrinha.
Jesus estaria ligado a ela e seus filhos por laços de consanguinidade.
Encantada com a mensagem evangélica, Salomé empolgava-se com o Reino Divino que Jesus viera instituir e pensava no futuro dos filhos.
A semelhança dos demais discípulos, não tinha ideia muito clara a respeito do assunto.
Estavam todos imbuídos do espírito da raça, das tradições dos profetas, que proclamavam, há séculos, a vinda do mensageiro divino, que libertaria Israel do jugo romano e a elevaria à sua gloriosa destinação.
Como toda mãe, Salomé desejava o melhor para os filhos.
Esperava, portanto, uma situação de destaque para João e Tiago, na nova ordem.
Eram jovens, fortes, inteligentes...
Seriam seus principais prepostos, quando Jesus fosse coroado rei...
Tanto alimentou essa fantasia que não se conteve.
—Que queres?
—Quero que estes meus dois filhos sentem-se, um à tua direita, outro à tua esquerda, em teu Reino.
Não fora o Mestre profundo conhecedor da natureza humana e, certamente, ficaria muito aborrecido.
Tantas lições, tantos exemplos...
Salomé não entendera nada!
Raciocinava em termos de imediatismo, de interesses humanos, envolvendo prestígio e poder, sem assimilar o que se esperava dos seguidores do Evangelho.
—Não sabes o que estás pedindo.
—Podeis beber do.
cálice que beberei?
—Sim, Senhor, podemos beber.
—Sem dúvida bebereis meu cálice.
Mas sentar à minha direita ou à minha esquerda, não me compete sabê-lo, e, sim, a meu Pai.
Podemos definir o cálice como as experiências impostas pela Vida.
Em algumas ocasiões, amargo, como fel.
Noutras, doce, como mel.
O cálice de Jesus, no desdobramento de seu apostolado, seria amargo.
Enfrentaria humilhações e zombarias, estaria sozinho nos testemunhos finais e morreria na cruz.
Os dois irmãos beberiam de seu cálice.
Experimentariam duros testemunhos, semelhantes aos que lhe seriam impostos.
Ambos foram vítimas das perseguições ao Cristianismo nascente.
Tiago foi o primeiro apóstolo a ser martirizado, decapitado no ano 44, a mando de um príncipe judeu.
Mas somente Deus poderia decidir de seus méritos ou qual a posição de ambos no Reino.
Isso significa que do ponto de vista espiritual o valor de um homem não está no cálice que lhe foi reservado.
Depende de como bebe seu conteúdo, de como se comporta ante os desafios da Vida.
O homem mais humilde na Terra poderá ser o mais importante no Céu.
Malba Tahan reporta-se ao assunto ao relatar a história de um rabi, famoso por sua palavra fácil e fluente.
Deus brilhava em seus lábios!
Certa feita, em sonho, sentiu-se transportado às regiões espirituais e lá constatou que sua situação era inferior à de um moço, pouco assíduo frequentador da sinagoga.
—Eu, figura de destaque na comunidade, intérprete da Lei, orientador espiritual do povo, abaixo de alguém que raramente aparece!
Decidiu ir à sua casa, a fim de decifrar o enigma.
Lá ficou sabendo que o moço cuidava de pais idosos e doentes.
Dotado de piedade filial raramente observada, dedicava suas horas livres em cuidar dos genitores, dando-lhes atenção e carinho.
Então o rabi entendeu por que estava em posição inferior.
Ele tinha Deus nos lábios.
O jovem estava melhor: Tinha Deus no coração.
Os membros do colégio apostólico indignaram-se com os dois irmãos.
Que atrevimento! Pretenderem os primeiros lugares!
O ambiente turvou-se.
Acusações foram trocadas. Instalou-se a discussão.
Serenamente, Jesus observou durante algum tempo o lamentável bate-boca.
— Sabeis que reis e governos dominam sobre seus vassalos e impõem a sua vontade.
Assim, entretanto, não deve ser entre vós. Quem quiser ser grande seja aquele que serve; quem quiser ser o primeiro seja o servo de todos.
É assim que o filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate de muitos.
Imaginamos o ato de servir como uma contribuição pecuniária ou a doação de algumas horas de trabalho numa entidade assistencial, num serviço em favor do próximo.
Nada disso!
Servir não é um programa a cumprir, com hora marcada e lugar determinado.
Trata-se de uma maneira de ser, em todas as horas e em todos os lugares, a começar pelo elementar cuidado com aqueles que habitam sob o mesmo teto.
Diga-se de passagem: Doce como mel ou amargo como fel, a melhor maneira de sorvermos o cálice da vida é com espírito de serviço.
Quem o Bem serve, é servido pelo Bem.
Detalhe importante: Os problemas de relacionamento humano decorrem, geralmente, da ausência do espírito de serviço.
Começa no lar.
Com poucas exceções, a criança encara qualquer compromisso, até mesmo o de guardar seus brinquedos, como intolerável prepotência dos genitores.
O adolescente quer morrer quando lhe passam elementares tarefas, como ajudar na limpeza ou arrumar seu quarto.
A dona-de-casa decreta estado de calamidade quando falta a doméstica.
O marido sente-se acima de qualquer compromisso no lar, proclamando que lhe compete batalhar pelo pão de cada dia.
No ambiente profissional, os funcionários mais conscientes e dedicados são tomados à conta de bajuladores e subservientes por seus colegas.
Na vida comunitária, muitos reclamam do poder público, cobrando providências relacionadas com problemas comunitários.
Raros se dispõem a participar de mutirões para resolvê-los.
Há incontáveis tratados de psicologia, sociologia e economia para explicar e sugerir soluções para as injustiças sociais, a miséria e o infortúnio que grassam na sociedade, sem nenhum resultado prático.
Para que tratados?
Precisamos apenas do cumprimento dessa cartilha divina - o Evangelho, onde está bem claro que o espírito de serviço é a base fundamental para edificação de uma sociedade igualitária, justa, e feliz.
Quando todos estivermos empenhados em fazer algo em favor do lar, da sociedade, da pobreza, edifícaremos o paraíso na Terra.
Ficamos espantados quando encontramos crianças, jovens e adultos dispostos à colaboração irrestrita, fazendo o melhor em favor do lar e da sociedade.
Serão etês em trânsito pela Terra?
Nada disso!
É gente como a gente.
Distinguem-se apenas porque já aprenderam que o espírito de serviço é a chave mágica que acerta o compasso da vida, ajustando-nos ao ritmo da harmonia universal.
Exatamente como ensina Gabriela Mistral, em O Prazer de Servir: Toda a Natureza é um anelo de serviço.
Serve a nuvem, serve o vento, serve o sulco.
Onde houver uma árvore a plantar, planta-a tu;
Onde houver um erro a corrigir, corrige-o tu;
Onde houver uma tarefa que todos recusem, aceita-a tu.
Sê tu quem tira a pedra do caminho, o ódio dos corações e as dificuldades dos problemas.
Há a alegria de ser sincero, a alegria de ser justo; Há, sobretudo, a incomparável alegria de servir.
Como seria triste o Mundo se tudo já estivesse feito. Se não houvesse uma roseira para plantar, uma iniciativa a desenvolver.
Não te seduzam somente as obras fáceis.
E belo fazer o que outros se recusam a executar.
Não cometas, porém, o erro de pensar que só tem merecimento executar as grandes obras; há pequenos préstimos que são bons serviços: enfeitar uma mesa, arrumar uns livros, pentear uma criança...
Aquele é quem critica, este é quem destrói.
Sê tu quem serve.
O servir não é só de seres inferiores.
Deus, que nos dá o fruto e a luz, serve sempre.
Poder ia chamar-se O Servidor.
E tem seus olhos fixos em nossas mãos, e nos pergunta todos os dias: Serviste hoje?A quem?
A árvore? Ao teu amigo? Aos teus familiares?