Fala-se muito em tolerância.
Apregoa-se a necessidade desse preceito cristão.
Escreve-se sobre o valor de tão nobre auxiliar do amor.
Pouco, porém, se vive a mensagem da tolerância.
Sem ela, todos sabem, a própria beleza ressuma tristeza, e o cálice de licor do êxito se converte em taça de amargura, onde o tédio se demora.
No entanto, à hora de praticá-la, alega-se dificuldade.
Se alguém fere por ser doente, diz-se: "Não devemos permitir a ofensa para que o ultraje não domine".
Este emporcalha o chão por ser ignorante; aquele insiste no pedido porque é bronco; outro molesta, sem saber o que faz; outrem persegue, dominado pela própria infelicidade; alguém atropela, vencido por forças satanizantes; um erra por estupidez; mais outro desrespeita por viver num clima de animalidad e...
Todavia raros crentes e pugnadores da tolerância desculpam.
Justificando a atitude impiedosa, afirma-se que a exigência se faz necessária para que a ordem reine animando a disciplina.
Alguém se atrasa, e logo a maledicência açoita sem recordar a possibilidade de transtorno no tráfego.
O trajo não é digno, e imediatamente a censura fere, ignorando as circunstâncias que o modelaram.
O vizinho fala alto, e é classificado de mal-educado sem lembrar que pode ser um obsidiado.
O patrão é severo, e é tomado por algoz, esquecido de que ele também é servidor.
Toda reação nasce na conivência da razão, que se ajusta às justificativas da mente em desalinho.
Os que reagem perderam a força de agir.
Tolerância não é apenas um formoso roteiro teorizado: é uma diretriz atuante.
Sem os que erram, não se tem oportunidade de exercitar a tolerância. Como sabê-la constante, sem aqueles que a concitam à ação?
É imprescindível que haja descuidados e parvos, exigentes e sagazes, para que a tolerância possa fulgurar no coração.
Um santo piedoso, em excursão evangélica, foi assaltado por bandidos que lhe tomaram haveres.
Após espoliarem o modesto homem, expulsaram-no do caminho a pauladas...
Passados alguns minutos, eis que retornou o humilde e maltratado viajante.
Indagado por que retornava, respondeu que esquecera de entregar uma moeda de ouro, que guardava na bainha da túnica para uma necessidade futura, e que não fora removida...
E com a mais inocente atitude presenteou-a aos bandoleiros, seguindo, então, feliz e tranquilo.
Os bandidos, comovidos, se fizeram seus discípulos, após instarem com ela para que lhes falasse sobre a sua felicidade e a sua fé.
A tolerância perde e doa, sofre e desculpa e, parafraseando S.
Paulo, em torno da caridade, não se irrita, não maldiz, não sofre, não ultraja, não fere; ajuda sempre, disposta a servir, acendendo a clara luz do amor em todos os corações.