A compreensão que o amor propicia conduz à solidariedade nos momentos difíceis.
O amor que não compreende expressa interesse pessoal, que se projeta noutrem, não sendo o que pretende.
Quando se ama realmente, a compreensão das dificuldades e falhas do outro apresenta-se como natural, destituída de ambição retributiva. Essa compreensão é rica de doação de afeto espontâneo, que descobre o outro conforme é, não lhe exigindo modificações que ainda não pode operar, nem encontrar-se em níveis de elevação espiritual que faltam ser conseguidos.
Como consequência, ninguém pode obrigar que outrem o ame, não obstante seja o seu um grande amor e, por isso, despido da paixão que objetiva alterar o comportamento do ser amado.
Desse modo, em qualquer faixa de amor, a compreensão deve assinalar todos os passos de conquista, em constante ascendência.
O amor ilumina e harmoniza.
É a alma da felicidade que preenche todos os espaços e aspirações do ser humano.
As pessoas esvaziadas e perturbadas pelas posses externas acreditam que a felicidade reside na sucessão das glórias que o poder faculta e nos recursos que amealha.
Ledo equívoco, porque o tormento da posse aflige e impulsiona a sua vítima a logros cada vez mais desmedidos, reduzindo-lhe a existência a uma busca sem fim.
Narra-se que o sábio Sólon, grande magistrado de Atenas, visitando o rei Creso, da Lídia, considerado o homem mais rico do seu tempo, foi convidado a conhecer-lhe o suntuoso palácio, contemplar suas joias e outros tesouros, seus magníficos jardins e participar de um banquete especialmente preparado para o homenagear.
— Qual o homem mais feliz do mundo?
— Recordo-me de um homem pobre que morava em Atenas, chamado Telus que, na minha opinião, era o homem mais feliz do mundo.
— E por quê? - indagou, frustrado, Creso.
— Bem, porque era honesto, havendo trabalhado por toda a vida, a fim de criar os filhos com dignidade, oferecendo-lhes correta educação. E quando se encontrava mais velho, ao invés de receber a retribuição dos filhos, ofereceu-se ao exército, doando a vida em defesa da sua cidade.
— Haveria outrem - volveu, Creso, à interrogação - que o pudesse seguir como a segunda pessoa mais feliz do mundo?
Houve um silêncio constrangedor em face da expectativa que o rei exteriorizava, de ser apontado pelo sábio, o que não ocorreu.
— Conheci dois jovens em Atenas que, ficando órfãos na infância, trabalharam com persistência, honorabilidade, e mantiveram o lar pobre com dignidade, incluindo a genitora que era muito doente. Quando ela morreu ofereceram sua vida a Atenas, a fim de a servirem com dedicação e desapego até a própria morte.
— Como é possível ser superado por essa gente pobre, eu que tenho tanto poder e riqueza?
— Ninguém há que possa dizer que sois feliz ou desditoso antes da vossa morte, porquanto ninguém pode imaginar os infortúnios de que se pode ser vítima, de um para outro momento, ou a tristeza que sempre espia os venturosos e os vence.
Anos mais tarde, Creso foi vencido por Ciro, rei dos persas, e por pouco não morreu, tornando-se-lhe vassalo submisso.
A felicidade independe do que se tem momentaneamente, mas sim daquilo que se é, estruturalmente constituído pelo amor.
Essa compreensão que o amor propicia conduz à solidariedade nos momentos difíceis, nas grandes dores, na solidão e na amargura que periodicamente afligem todas as criaturas.
Em ocasiões de sofrimento superlativo, o amor apresenta-se solidário, em várias expressões de compreensão do que ocorre, auxiliando sem exigência, participando da aflição, erguendo o ânimo e sustentando antes que a adversidade alucine a sua vítima.
Sem a necessidade dos gestos grandiosos, manifesta-se nos pequenos acontecimentos e situações que alimentam aquele que se encontra combalido e o erguem de volta ao lugar onde deve encontrar-se, de forma a poder prosseguir e superar o incidente infeliz.
Nas tragédias, aparece gentil, impossibilitando que o outro sucumba ante o peso da amargura e do dissabor excessivo.
Além da compreensão solidária, emerge em todos os momentos como forma de gratidão pela vida e suas manifestações, nas expressivas como nas singelas formas em que se apresenta.
Enquanto a pessoa não experimenta o suave envolvimento do amor, movimenta-se nas heranças dos desejos, nos cipoais dos instintos, sofrendo sempre quando os seus interesses não se encontram atendidos e suas aspirações não são respeitadas.
Lentamente, porém, à medida que as dúlcidas vibrações do amor a tomam, desembaraça-se das penosas injunções do primarismo e liberta-se da escravidão da posse, da fantasia em torno da felicidade pelo que tem.
Um amadurecimento interior se lhe opera lento e prodigioso, facultandolhe alegria e desprendimento, consciência de dever e respeito por todos e por tudo.
Reconhece que, localizada no contexto universal, a sua tarefa essencial é a de autoiluminação, que logo se desdobra em serviço a favor do progresso, mediante a consideração pela ordem, não a violando, nem a submetendo aos caprichos e desaires que lhe predominam no mundo íntimo.
Alimentada pela seiva nutriente do amor, desenvolvem-se os demais sentimentos da compaixão e da ternura, da caridade e do perdão, que são as partituras que mantêm as melodias da vida feliz.
Envolvida nessa vibração de fraternal compreensão dos acontecimentos, das outras pessoas e suas dificuldades, dos fenômenos que se manifestam na existência, o amor desenvolve-lhe os valores mais elevados e a induz à gloriosa tarefa de servir e passar despercebida, deixando, porém, suas luminosas pegadas pelo caminho transitado...
A vida é um perene convite ao amor e à compreensão dos limites que exornam cada pessoa no seu processo de crescimento para Deus.
Quanto mais se lhe alargam os horizontes do desenvolvimento emocional e moral, mais o amor se lhe apossa do ser, alcançando as demais criaturas e inundando de bênçãos tudo a sua volta.
Ama, pois, sem qualquer tipo de limite ou de interesse passional.
O amor é luz, não a detenhas, evitando que predomine a escuridão...