O Livro dos espíritos

Capítulo XI

Dos três reinos

Parte Segunda • Do mundo espírita ou mundo dos Espíritos • Os minerais e as plantas
• Item 585 •


585: Que pensais da divisão da Natureza em três reinos, ou melhor, em duas classes: a dos seres orgânicos e a dos inorgânicos? Segundo alguns, a espécie humana forma uma quarta classe. Qual destas divisões é preferível?
“Todas são boas, conforme o ponto de vista. Do ponto de vista material, apenas há seres orgânicos e inorgânicos. Do ponto de vista moral, há evidentemente quatro graus.” Esses quatro graus apresentam, com efeito, caracteres determinados, muito embora pareçam confundir-se nos seus limites extremos. A matéria inerte, que constitui o reino mineral, só tem em si uma força mecânica. As plantas, ainda que compostas de matéria inerte, são dotadas de vitalidade. Os animais, também compostos de matéria inerte e igualmente dotados de vitalidade, possuem, além disso, uma espécie de inteligência instintiva, limitada, e a consciência de sua existência e de suas individualidades. O homem, tendo tudo o que há nas plantas e nos animais, domina todas as outras classes por uma inteligência especial, indefinida, que lhe dá a consciência do seu futuro, a percepção das coisas extramateriais e o conhecimento de Deus.

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• Item 586 •


586: Têm as plantas consciência de que existem?
“Não, pois que não pensam; só têm vida orgânica.”

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• Item 587 •


587: Experimentam sensações? Sofrem quando as mutilam?
“Recebem impressões físicas que atuam sobre a matéria, mas não têm percepções. Conseguintemente, não têm a sensação da dor.”

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• Item 588 •


588: Independe da vontade delas a força que as atrai umas para as outras?
“Certo, porquanto não pensam. É uma força mecânica da matéria, que atua sobre a matéria, sem que elas possam a isso opor-se.”

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• Item 589 •


589: Algumas plantas, como a sensitiva e a dioneia, por exemplo, executam movimentos que denotam grande sensibilidade e, em certos casos, uma espécie de vontade, conforme se observa na segunda, cujos lóbulos apanham a mosca que sobre ela pousa para sugá-la, parecendo que urde uma armadilha com o fim de capturar e matar aquele inseto. São dotadas essas plantas da faculdade de pensar? Têm vontade e formam uma classe intermediária entre a Natureza vegetal e a Natureza animal? Constituem a transição de uma para outra?
“Tudo na Natureza é transição, por isso mesmo que uma coisa não se assemelha a outra e, no entanto, todas se prendem umas às outras. As plantas não pensam; por conseguinte carecem de vontade. Nem a ostra que se abre, nem os zoófitos pensam: têm apenas um instinto cego e natural.” O organismo humano nos proporciona exemplo de movimentos análogos, sem participação da vontade, nas funções digestivas e circulatórias. O piloro se contrai, ao contato de certos corpos, para lhes negar passagem. O mesmo provavelmente se dá na sensitiva, cujos movimentos de nenhum modo implicam a necessidade de percepção e, ainda menos, da vontade.

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• Item 590 •


590: Não haverá nas plantas, como nos animais, um instinto de conservação, que as induza a procurar o que lhes possa ser útil e a evitar o que lhes possa ser nocivo?
“Há, se quiserdes, uma espécie de instinto, dependendo isso da extensão que se dê ao significado desta palavra. É, porém, um instinto puramente mecânico. Quando, nas operações químicas, observais que dois corpos se reúnem, é que um ao outro convém; quer dizer: é que há entre eles afinidade. Ora, a isto não dais o nome de instinto.”

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• Item 591 •


591: Nos mundos superiores, as plantas são de natureza mais perfeita, como os outros seres?
“Tudo é mais perfeito. As plantas, porém, são sempre plantas, como os animais sempre animais e os homens sempre homens.” Os animais e o homem

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• Item 592 •


592: Se, pelo que toca à inteligência, comparamos o homem e os animais, parece difícil estabelecer-se uma linha de demarcação entre aquele e estes, porquanto alguns animais mostram, sob esse aspecto, notória superioridade sobre certos homens. Pode essa linha de demarcação ser estabelecida de modo preciso?
“A este respeito é completo o desacordo entre os vossos filósofos. Querem uns que o homem seja um animal e outros que o animal seja um homem. Estão todos em erro. O homem é um ser à parte, que desce muito baixo algumas vezes e que pode também elevar-se muito alto. Pelo físico, é como os animais e menos bem-dotado do que muitos destes. A Natureza lhes deu tudo o que o homem é obrigado a inventar com a sua inteligência, para satisfação de suas necessidades e para sua conservação. Seu corpo se destrói, como o dos animais, é certo, mas ao seu Espírito está assinado um destino que só ele pode compreender, porque só ele é inteiramente livre. Pobres homens, que vos rebaixais mais do que os brutos! não sabeis distinguir-vos deles? Reconhecei o homem pela faculdade de pensar em Deus.”

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• Item 593 •


593: Poder-se-á dizer que os animais só obram por instinto?
“Ainda aí há um sistema. É verdade que na maioria dos animais domina o instinto, mas não vês que muitos obram denotando acentuada vontade? É que têm inteligência, porém limitada.” Não se poderia negar que, além de possuírem o instinto, alguns animais praticam atos combinados, que denunciam vontade de operar em determinado sentido e de acordo com as circunstâncias. Há, pois, neles, uma espécie de inteligência, mas cujo exercício quase que se circunscreve à utilização dos meios de satisfazerem às suas necessidades físicas e de proverem à conservação própria. Nada, porém, criam, nem melhora alguma realizam. Qualquer que seja a arte com que executem seus trabalhos, fazem hoje o que faziam outrora e o fazem, nem melhor, nem pior, segundo formas e proporções constantes e invariáveis. A cria, separada dos de sua espécie, não deixa por isso de construir o seu ninho de perfeita conformidade com os seus maiores, sem que tenha recebido nenhum ensino. O desenvolvimento intelectual de alguns, que se mostram suscetíveis de certa educação, desenvolvimento, aliás, que não pode ultrapassar acanhados limites, é devido à ação do homem sobre uma natureza maleável, porquanto não há aí progresso que lhe seja próprio. Mesmo o progresso que realizam pela ação do homem é efêmero e puramente individual, visto que, entregue a si mesmo, não tarda que o animal volte a encerrar-se nos limites que lhe traçou a Natureza.

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• Item 594 •


594: Têm os animais alguma linguagem?
“Se vos referis a uma linguagem formada de sílabas e palavras, não. Meio, porém, de se comunicarem entre si, têm. Dizem uns aos outros muito mais coisas do que imaginais, mas essa mesma linguagem de que dispõem é restrita às necessidades, como restritas também são as ideias que podem ter.” a) Há, entretanto, animais que carecem de voz. Esses parece que nenhuma linguagem usam, não? “Compreendem-se por outros meios. Para vos comunicardes reciprocamente, vós outros, homens, só dispondes da palavra? E os mudos? Facultada lhes sendo a vida de relação, os animais possuem meios de se prevenirem e de exprimirem as sensações que experimentam. Pensais que os peixes não se entendem entre si? O homem não goza exclusivamente do privilégio da linguagem. A dos animais, porém, é instintiva e circunscrita pelas suas necessidades e ideias, ao passo que a do homem é perfectível e se presta a todas as concepções da sua inteligência.” Efetivamente, os peixes que, como as andorinhas, emigram em cardumes, obedientes ao guia que os conduz, devem ter meios de se advertirem, de se entenderem e combinarem. É possível que disponham de uma vista mais penetrante e esta lhes permita perceber os sinais que mutuamente façam. Pode ser também que tenham na água um veículo próprio para a transmissão de certas vibrações. Como quer que seja, o que é incontestável é que lhes não falecem meios de se entenderem, do mesmo modo que a todos os animais carentes de voz e que, não obstante, trabalham em comum. Diante disso, que admiração pode causar que os Espíritos entre si se comuniquem sem o auxílio da palavra articulada?

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• Item 595 •


595: Gozam de livre-arbítrio os animais, para a prática dos seus atos?
“Os animais não são simples máquinas, como supondes. Contudo, a liberdade de ação, de que desfrutam, é limitada pelas suas necessidades e não se pode comparar à do homem. Sendo muitíssimo inferiores a este, não têm os mesmos deveres que ele. A liberdade, possuem-na restrita aos atos da vida material.”

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• Item 596 •


596: Donde procede a aptidão que certos animais denotam para imitar a linguagem do homem e por que essa aptidão se revela mais nas aves do que no macaco, por exemplo, cuja conformação apresenta mais analogia com a humana?
“Origina-se de uma particular conformação dos órgãos vocais, reforçada pelo instinto de imitação. O macaco imita os gestos; algumas aves imitam a voz.”

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• Item 597 •


597: Pois que os animais possuem uma inteligência que lhes faculta certa liberdade de ação, haverá neles algum princípio independente da matéria?
“Há e que sobrevive ao corpo.” a) Será esse princípio uma alma semelhante à do homem? “É também uma alma, se quiserdes, dependendo isto do sentido que se der a esta palavra. É, porém, inferior à do homem. Há entre a alma dos animais e a do homem distância equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus.”

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• Item 598 •


598: Após a morte, conserva a alma dos animais a sua individualidade e a consciência de si mesma?
“Conserva sua individualidade; quanto à consciência do seu eu, não. A vida inteligente lhe permanece em estado latente.”

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• Item 599 •


599: À alma dos animais é dado escolher a espécie de animal em que encarne?
“Não, pois que lhe falta livre-arbítrio.”

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• Item 600 •


600: Sobrevivendo ao corpo em que habitou, a alma do animal vem a achar- -se, depois da morte, num estado de erraticidade, como a do homem?
“Fica numa espécie de erraticidade, pois que não mais se acha unida ao corpo, mas não é um Espírito errante. O Espírito errante é um ser que pensa e obra por sua livre vontade. De idêntica faculdade não dispõe o dos animais. A consciência de si mesmo é o que constitui o principal atributo do Espírito. O do animal, depois da morte, é classificado pelos Espíritos a quem incumbe essa tarefa e utilizado quase imediatamente. Não lhe é dado tempo de entrar em relação com outras criaturas.”

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• Item 601 •


601: Os animais estão sujeitos, como o homem, a uma lei progressiva?
“Sim; e daí vem que nos mundos superiores, onde os homens são mais adiantados, os animais também o são, dispondo de meios mais amplos de comunicação. São sempre, porém, inferiores ao homem e se lhe acham submetidos, tendo neles o homem servidores inteligentes.” Nada há nisso de extraordinário. Tomemos os nossos mais inteligentes animais, o cão, o elefante, o cavalo, e imaginemo-los dotados de uma conformação apropriada a trabalhos manuais. Que não fariam sob a direção do homem?

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• Item 602 •


602: Os animais progridem, como o homem, por ato da própria vontade, ou pela força das coisas?
“Pela força das coisas, razão por que não estão sujeitos à expiação.”

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• Item 603 •


603: Nos mundos superiores, os animais conhecem a Deus?
“Não. Para eles o homem é um deus, como outrora os Espíritos eram deuses para o homem.”

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• Item 604 •


604: Pois que os animais, mesmo os aperfeiçoados, existentes nos mundos superiores, são sempre inferiores ao homem, segue-se que Deus criou seres intelectuais perpetuamente destinados à inferioridade, o que parece em desacordo com a unidade de vistas e de progresso que todas as suas obras revelam.
“Tudo na Natureza se encadeia por elos que ainda não podeis apreender. Assim, as coisas aparentemente mais díspares têm pontos de contato que o homem, no seu estado atual, nunca chegará a compreender. Por um esforço da inteligência poderá entrevê-los, mas, somente quando essa inteligência estiver no máximo grau de desenvolvimento e liberta dos preconceitos do orgulho e da ignorância, logrará ver claro na obra de Deus. Até lá, suas muito restritas ideias lhe farão observar as coisas por um mesquinho e acanhado prisma. Sabei não ser possível que Deus se contradiga e que, na Natureza, tudo se harmoniza mediante leis gerais, que por nenhum de seus pontos deixam de corresponder à sublime sabedoria do Criador.” a) A inteligência é então uma propriedade comum, um ponto de contato entre a alma dos animais e a do homem? “É, porém os animais só possuem a inteligência da vida material. No homem, a inteligência proporciona a vida moral.”

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• Item 605 •


605: Considerando-se todos os pontos de contato que existem entre o homem e os animais, não seria lícito pensar que o homem possui duas almas: a alma animal e a alma espírita e que, se esta última não existisse, só como o bruto poderia ele viver? Por outra: que o animal é um ser semelhante ao homem, tendo de menos a alma espírita? Dessa maneira de ver resultaria serem os bons e os maus instintos do homem efeito da predominância de uma ou outra dessas almas?
“Não, o homem não tem duas almas. O corpo, porém, tem seus instintos, resultantes da sensação peculiar aos órgãos. Dupla, no homem, só é a natureza. Há nele a natureza animal e a natureza espiritual. Participa, pelo seu corpo, da natureza dos animais e de seus instintos. Por sua alma, participa da dos Espíritos.” a) De modo que, além de suas próprias imperfeições de que cumpre ao Espírito despojar-se, tem ainda o homem que lutar contra a influência da matéria? “Quanto mais inferior é o Espírito, tanto mais apertados são os laços que o ligam à matéria. Não o vedes? O homem não tem duas almas; a alma é sempre única em cada ser. São distintas uma da outra a alma do animal e a do homem, a tal ponto que a de um não pode animar o corpo criado para o outro. Conquanto não tenha alma animal, que, por suas paixões, o nivele aos animais, o homem tem o corpo que, às vezes, o rebaixa até eles, por isso que o corpo é um ser dotado de vitalidade e de instintos, porém, ininteligentes estes e restritos ao cuidado que a sua conservação requer.” Encarnando no corpo do homem, o Espírito lhe traz o princípio intelectual e moral, que o torna superior aos animais. As duas naturezas nele existentes dão às suas paixões duas origens diferentes: umas provêm dos instintos da natureza animal, provindo as outras das impurezas do Espírito, de cuja encarnação é ele a imagem e que mais ou menos simpatiza com a grosseria dos apetites animais. Purificando-se, o Espírito se liberta pouco a pouco da influência da matéria. Sob essa influência, aproxima- -se do bruto. Isento dela, eleva-se à sua verdadeira destinação.

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• Item 606 •


606: Donde tiram os animais o princípio inteligente que constitui a alma de natureza especial de que são dotados?
“Do elemento inteligente universal.” a) Então, emanam de um único princípio a inteligência do homem e a dos animais? “Sem dúvida alguma, porém, no homem, passou por uma elaboração que a coloca acima da que existe no animal.”

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• Item 607 •


607: Dissestes (190) que o estado da alma do homem, na sua origem, corresponde ao estado da infância na vida corporal, que sua inteligência apenas desabrocha e se ensaia para a vida. Onde passa o Espírito essa primeira fase do seu desenvolvimento?
“Numa série de existências que precedem o período a que chamais Humanidade.” a) Parece que, assim, se pode considerar a alma como tendo sido o princípio inteligente dos seres inferiores da criação, não? “Já não dissemos que tudo na Natureza se encadeia e tende para a unidade? Nesses seres, cuja totalidade estais longe de conhecer, é que o princípio inteligente se elabora, se individualiza pouco a pouco e se ensaia para a vida, conforme acabamos de dizer. É, de certo modo, um trabalho preparatório, como o da germinação, por efeito do qual o princípio inteligente sofre uma transformação e se torna Espírito. Entra então no período da humanização, começando a ter consciência do seu futuro, capacidade de distinguir o bem do mal e a responsabilidade dos seus atos. Assim, à fase da infância se segue a da adolescência, vindo depois a da juventude e da madureza. Nessa origem, coisa alguma há de humilhante para o homem. Sentir-se-ão humilhados os grandes gênios por terem sido fetos informes nas entranhas que os geraram? Se alguma coisa há que lhe seja humilhante, é a sua inferioridade perante Deus e sua impotência para lhe sondar a profundeza dos desígnios e para apreciar a sabedoria das leis que regem a harmonia do Universo. Reconhecei a grandeza de Deus nessa admirável harmonia, mediante a qual tudo é solidário na Natureza. Acreditar que Deus haja feito, seja o que for, sem um fim, e criado seres inteligentes sem futuro, fora blasfemar da sua bondade, que se estende por sobre todas as suas criaturas.” b) Esse período de humanização principia na Terra? “A Terra não é o ponto de partida da primeira encarnação humana. O período da humanização começa, geralmente, em mundos ainda inferiores à Terra. Isto, entretanto, não constitui regra absoluta, pois pode suceder que um Espírito, desde o seu início humano, esteja apto a viver na Terra. Não é frequente o caso; constitui antes uma exceção.”

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• Item 608 •


608: O Espírito do homem tem, após a morte, consciência de suas existências anteriores ao período de humanidade?
“Não, pois não é desse período que começa a sua vida de Espírito. Difícil é mesmo que se lembre de suas primeiras existências humanas, como difícil é que o homem se lembre dos primeiros tempos de sua infância e ainda menos do tempo que passou no seio materno. Essa a razão por que os Espíritos dizem que não sabem como começaram.”

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• Item 609 •


609: Uma vez no período da humanidade, conserva o Espírito traços do que era precedentemente, quer dizer: do estado em que se achava no período a que se poderia chamar anti-humano?
“Conforme a distância que medeie entre os dois períodos e o progresso realizado. Durante algumas gerações, pode ele conservar vestígios mais ou menos pronunciados do estado primitivo, porquanto nada se opera na Natureza por brusca transição. Há sempre anéis que ligam as extremidades da cadeia dos seres e dos acontecimentos. Aqueles vestígios, porém, se apagam com o desenvolvimento do livre-arbítrio. Os primeiros progressos só muito lentamente se efetuam, porque ainda não têm a secundá- -los a vontade. Vão em progressão mais rápida, à medida que o Espírito adquire mais perfeita consciência de si mesmo.”

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• Item 610 •


610: Ter-se-ão enganado os Espíritos que disseram constituir o homem um ser à parte na ordem da criação?
“Não, mas a questão não fora desenvolvida. Ademais, há coisas que só a seu tempo podem ser esclarecidas. O homem é, com efeito, um ser à parte, visto possuir faculdades que o distinguem de todos os outros e ter outro destino. A espécie humana é a que Deus escolheu para a encarnação dos seres que podem conhecê-lo.” Metempsicose

Parte Segunda • Do mundo espírita ou mundo dos Espíritos • Metempsicose
• Item 611 •


611: O terem os seres vivos uma origem comum no princípio inteligente não é a consagração da doutrina da metempsicose?
“Duas coisas podem ter a mesma origem e absolutamente não se assemelharem mais tarde. Quem reconheceria a árvore, com suas folhas, flores e frutos, no germe informe que se contém na semente donde ela surge? Desde que o princípio inteligente atinge o grau necessário para ser Espírito e entrar no período da humanização, já não guarda relação com o seu estado primitivo e já não é a alma dos animais, como a árvore já não é a semente. De animal só há no homem o corpo e as paixões que nascem da influência do corpo e do instinto de conservação inerente à matéria. Não se pode, pois, dizer que tal homem é a encarnação do espírito de tal animal. Conseguintemente, a metempsicose, como a entendem, não é verdadeira.”

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• Item 612 •


612: Poderia encarnar num animal o Espírito que animou o corpo de um homem?
“Isso seria retrogradar e o Espírito não retrograda. O rio não remonta à sua nascente.” (118)

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• Item 613 •


613: Embora de todo errônea, a ideia ligada à metempsicose não terá resultado do sentimento intuitivo que o homem possui de suas diferentes existências?
“Nessa, como em muitas outras crenças, se depara esse sentimento intuitivo. O homem, porém, o desnaturou, como costuma fazer com a maioria de suas ideias intuitivas.” Seria verdadeira a metempsicose, se indicasse a progressão da alma, passando de um estado inferior a outro superior, em que adquirisse desenvolvimentos que lhe transformassem a natureza. É, porém, falsa no sentido de transmigração direta da alma do animal para o homem e reciprocamente, o que implicaria a ideia de uma retrogradação, ou de fusão. Ora, o fato de não poder semelhante fusão operar-se, entre os seres corporais das duas espécies, mostra que estas são de graus inassimiláveis, devendo dar-se o mesmo com relação aos Espíritos que as animam. Se um mesmo Espírito as pudesse animar alternativamente, haveria, como consequência, uma identidade de natureza, traduzindo-se pela possibilidade da reprodução material. A reencarnação, como os Espíritos a ensinam, se funda, ao contrário, na marcha ascendente da Natureza e na progressão do homem, dentro da sua própria espécie, o que em nada lhe diminui a dignidade. O que o rebaixa é o mau uso que ele faz das faculdades que Deus lhe outorgou para que progrida. Seja como for, a ancianidade e a universalidade da doutrina da metempsicose e, bem assim, a circunstância de a terem professado homens eminentes provam que o princípio da reencarnação se radica na própria Natureza; são, pois, argumentos muito mais a seu favor, do que contrários a ele. O ponto inicial do Espírito é uma dessas questões que se prendem à origem das coisas e de que Deus guarda o segredo. Dado não é ao homem conhecê-las de modo absoluto, nada mais lhe sendo possível a tal respeito do que fazer suposições, criar sistemas mais ou menos prováveis. Os próprios Espíritos longe estão de tudo saberem e, acerca do que não sabem, também podem ter opiniões pessoais mais ou menos sensatas. É assim, por exemplo, que nem todos pensam da mesma forma quanto às relações existentes entre o homem e os animais. Segundo uns, o Espírito não chega ao período humano senão depois de se haver elaborado e individualizado nos diversos graus dos seres inferiores da Criação. Segundo outros, o Espírito do homem teria pertencido sempre à raça humana, sem passar pela fieira animal. O primeiro desses sistemas apresenta a vantagem de assinar um alvo ao futuro dos animais, que formariam então os primeiros elos da cadeia dos seres pensantes. O segundo é mais conforme a dignidade do homem e pode resumir-se da maneira seguinte: As diferentes espécies de animais não procedem intelectualmente umas das outras, mediante progressão. Assim, o espírito da ostra não se torna sucessivamente o do peixe, do pássaro, do quadrúpede e do quadrúmano. Cada espécie constitui, física e moralmente, um tipo absoluto, cada um de cujos indivíduos haure na fonte universal a quantidade do princípio inteligente que lhe seja necessário, de acordo com a perfeição de seus órgãos e com o trabalho que tenha de executar nos fenômenos da Natureza, quantidade que ele, por sua morte, restitui ao reservatório donde a tirou. Os dos mundos mais adiantados que o nosso (ver q.
188) constituem igualmente raças distintas, apropriadas às necessidades desses mundos e ao grau de adiantamento dos homens, cujos auxiliares eles são, mas de modo nenhum procedem das da Terra, espiritualmente falando. Outro tanto não se dá com o homem. Do ponto de vista físico, este forma evidentemente um elo da cadeia dos seres vivos; porém, do ponto de vista moral, há, entre o animal e o homem, solução de continuidade. O homem possui, como propriedade sua, a alma ou Espírito, centelha divina que lhe confere o senso moral e um alcance intelectual de que carecem os animais e que é nele o ser principal, que preexiste e sobrevive ao corpo, conservando sua individualidade. Qual a origem do Espírito? Onde o seu ponto inicial? Forma-se do princípio inteligente individualizado? Tudo isso são mistérios que fora inútil querer devassar e sobre os quais, como dissemos, nada mais se pode fazer do que construir sistemas. O que é constante, o que ressalta do raciocínio e da experiência é a sobrevivência do Espírito, a conservação de sua individualidade após a morte, a progressividade de suas faculdades, seu estado feliz ou desgraçado de acordo com o seu adiantamento na senda do bem e todas as verdades morais decorrentes deste princípio. Quanto às relações misteriosas que existem entre o homem e os animais, isso, repetimos, está nos segredos de Deus, como muitas outras coisas, cujo conhecimento atual nada importa ao nosso progresso e sobre as quais seria inútil determo-nos.

Da lei de justiça, de amor e de caridade

Parte Terceira • Das leis morais • Justiça e direitos naturais
• Item 873 •


873: O sentimento da justiça está na natureza, ou é resultado de ideias adquiridas?
“Está de tal modo na natureza, que vos revoltais à simples ideia de uma injustiça. É fora de dúvida que o progresso moral desenvolve esse sentimento, mas não o dá. Deus o pôs no coração do homem. Daí vem que, frequentemente, em homens simples e incultos se vos deparam noções mais exatas da justiça do que nos que possuem grande cabedal de saber.”

Parte Terceira • Das leis morais • Justiça e direitos naturais
• Item 874 •


874: Sendo a justiça uma Lei da Natureza, como se explica que os homens a entendam de modos tão diferentes, considerando uns justo o que a outros parece injusto?
“É porque a esse sentimento se misturam paixões que o alteram, como sucede à maior parte dos outros sentimentos naturais, fazendo que os homens vejam as coisas por um prisma falso.”

Parte Terceira • Das leis morais • Justiça e direitos naturais
• Item 875 •


875: Como se pode definir a justiça?
“A justiça consiste em cada um respeitar os direitos dos demais.” a) Que é o que determina esses direitos? “Duas coisas: a lei humana e a lei natural. Tendo os homens formulado leis apropriadas a seus costumes e caracteres, elas estabeleceram direitos mutáveis com o progresso das luzes. Vede se hoje as vossas leis, aliás imperfeitas, consagram os mesmos direitos que as da Idade Média. Entretanto, esses direitos antiquados, que agora se vos afiguram monstruosos, pareciam justos e naturais naquela época. Nem sempre, pois, é acorde com a justiça o direito que os homens prescrevem. Ademais, este direito regula apenas algumas relações sociais, quando é certo que, na vida particular, há uma imensidade de atos unicamente da alçada do tribunal da consciência.”

Parte Terceira • Das leis morais • Justiça e direitos naturais
• Item 876 •


876: Posto de parte o direito que a lei humana consagra, qual a base da justiça, segundo a lei natural?
“Disse o Cristo: Queira cada um para os outros o que quereria para si mesmo. No coração do homem imprimiu Deus a regra da verdadeira justiça, fazendo que cada um deseje ver respeitados os seus direitos. Na incerteza de como deva proceder com o seu semelhante, em dada circunstância, trate o homem de saber como quereria que com ele procedessem, em circunstância idêntica. Guia mais seguro do que a própria consciência não lhe podia Deus haver dado.” Efetivamente, o critério da verdadeira justiça está em querer cada um para os outros o que para si mesmo quereria e não em querer para si o que quereria para os outros, o que absolutamente não é a mesma coisa. Não sendo natural que haja quem deseje o mal para si, desde que cada um tome por modelo o seu desejo pessoal, é evidente que nunca ninguém desejará para o seu semelhante senão o bem. Em todos os tempos e sob o império de todas as crenças, sempre o homem se esforçou para que prevalecesse o seu direito pessoal. A sublimidade da religião cristã está em que ela tomou o direito pessoal por base do direito do próximo.

Parte Terceira • Das leis morais • Justiça e direitos naturais
• Item 877 •


877: Da necessidade que o homem tem de viver em sociedade, nascem-lhe obrigações especiais?
“Certo e a primeira de todas é a de respeitar os direitos de seus semelhantes. Aquele que respeitar esses direitos procederá sempre com justiça. No vosso mundo, porque a maioria dos homens não pratica a lei de justiça, cada um usa de represálias. Essa a causa da perturbação e da confusão em que vivem as sociedades humanas. A vida social outorga direitos e impõe deveres recíprocos.”

Parte Terceira • Das leis morais • Justiça e direitos naturais
• Item 878 •


878: Podendo o homem enganar-se quanto à extensão do seu direito, que é o que lhe fará conhecer o limite desse direito?
“O limite do direito que, com relação a si mesmo, reconhecer ao seu semelhante, em idênticas circunstâncias e reciprocamente.” a) Mas se cada um atribuir a si mesmo direitos iguais aos de seu semelhante, que virá a ser da subordinação aos superiores? Não será isso a anarquia de todos os poderes? “Os direitos naturais são os mesmos para todos os homens, desde os de condição mais humilde até os de posição mais elevada. Deus não fez uns de limo mais puro do que o de que se serviu para fazer os outros, e todos, aos seus olhos, são iguais. Esses direitos são eternos. Os que o homem estabeleceu perecem com as suas instituições. Ademais, cada um sente bem a sua força ou a sua fraqueza e saberá sempre ter uma certa deferência para com os que o mereçam por suas virtudes e sabedoria. É importante acentuar isto, para que os que se julgam superiores conheçam seus deveres, a fim de merecer essas deferências. A subordinação não se achará comprometida, quando a autoridade for deferida à sabedoria.”

Parte Terceira • Das leis morais • Justiça e direitos naturais
• Item 879 •


879: Qual seria o caráter do homem que praticasse a justiça em toda a sua pureza?
“O do verdadeiro justo, a exemplo de Jesus, porquanto praticaria também o amor do próximo e a caridade, sem os quais não há verdadeira justiça.” Direito de propriedade. Roubo

Parte Terceira • Das leis morais • Direito de propriedade. Roubo
• Item 880 •


880: Qual o primeiro de todos os direitos naturais do homem?
“O de viver. Por isso é que ninguém tem o de atentar contra a vida de seu semelhante, nem de fazer o que quer que possa comprometer-lhe a existência corporal.”

Parte Terceira • Das leis morais • Direito de propriedade. Roubo
• Item 881 •


881: O direito de viver dá ao homem o de acumular bens que lhe permitam repousar quando não mais possa trabalhar?
“Dá, mas ele deve fazê-lo em família, como a abelha, por meio de um trabalho honesto, e não como egoísta. Há mesmo animais que lhe dão o exemplo de previdência.”

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• Item 882 •


882: Tem o homem o direito de defender os bens que haja conseguido juntar pelo seu trabalho?
“Não disse Deus: ‘Não roubarás?’ E Jesus não disse: ‘Dai a César o que é de César?’” O que, por meio do trabalho honesto, o homem junta constitui legítima propriedade sua, que ele tem o direito de defender, porque a propriedade que resulta do trabalho é um direito natural, tão sagrado quanto o de trabalhar e de viver.

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• Item 883 •


883: É natural o desejo de possuir?
“Sim, mas quando o homem deseja possuir para si somente e para sua satisfação pessoal, o que há é egoísmo.” a) Não será, entretanto, legítimo o desejo de possuir, uma vez que aquele que tem de que viver a ninguém é pesado? “Há homens insaciáveis, que acumulam bens sem utilidade para ninguém, ou apenas para saciar suas paixões. Julgas que Deus vê isso com bons olhos? Aquele que, ao contrário, junta pelo trabalho, tendo em vista socorrer os seus semelhantes, pratica a lei de amor e caridade, e Deus abençoa o seu trabalho.”

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• Item 884 •


884: Qual o caráter da legítima propriedade?
“Propriedade legítima só é a que foi adquirida sem prejuízo de outrem.” (808) Proibindo-nos que façamos aos outros o que não desejáramos que nos fizessem, a lei de amor e de justiça nos proíbe, ipso facto, a aquisição de bens por quaisquer meios que lhe sejam contrários.

Parte Terceira • Das leis morais • Caridade e amor do próximo
• Item 885 •


885: Será ilimitado o direito de propriedade?
“É fora de dúvida que tudo o que legitimamente se adquire constitui uma propriedade. Mas, como havemos dito, a legislação dos homens, porque imperfeita, consagra muitos direitos convencionais, que a lei de justiça reprova. Essa a razão por que eles reformam suas leis, à medida que o progresso se efetua e que melhor compreendem a justiça. O que num século parece perfeito, afigura-se bárbaro no século seguinte.” (795) Caridade e amor do próximo

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• Item 886 •


886: Qual o verdadeiro sentido da palavra caridade, como a entendia Jesus?
“Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão das ofensas.” O amor e a caridade são o complemento da lei de justiça, pois amar o próximo é fazer-lhe todo o bem que nos seja possível e que desejáramos nos fosse feito. Tal o sentido destas palavras de Jesus: Amai-vos uns aos outros como irmãos. A caridade, segundo Jesus, não se restringe à esmola, abrange todas as relações em que nos achamos com os nossos semelhantes, sejam eles nossos inferiores, nossos iguais, ou nossos superiores. Ela nos prescreve a indulgência, porque de indulgência precisamos nós mesmos, e nos proíbe que humilhemos os desafortunados, contrariamente ao que se costuma fazer. Apresente- -se uma pessoa rica e todas as atenções e deferências lhe são dispensadas. Se for pobre, toda gente como que entende que não precisa preocupar-se com ela. No entanto, quanto mais lastimosa seja a sua posição, tanto maior cuidado devemos pôr em lhe não aumentarmos o infortúnio pela humilhação. O homem verdadeiramente bom procura elevar, aos seus próprios olhos, aquele que lhe é inferior, diminuindo a distância que os separa.

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• Item 887 •


887: Jesus também disse: Amai mesmo os vossos inimigos. Ora, o amor aos inimigos não será contrário às nossas tendências naturais e a inimizade não provirá de uma falta de simpatia entre os Espíritos?
“Certo, ninguém pode votar aos seus inimigos um amor terno e apaixonado. Não foi isso o que Jesus entendeu de dizer. Amar os inimigos é perdoar-lhes e lhes retribuir o mal com o bem. O que assim procede se torna superior aos seus inimigos, ao passo que abaixo deles se coloca, se procura tomar vingança.”

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• Item 888 •


888: Que se deve pensar da esmola?
“Condenando-se a pedir esmola, o homem se degrada física e moralmente: embrutece-se. Uma sociedade que se baseie na Lei de Deus e na justiça deve prover à vida do fraco, sem que haja para ele humilhação. Deve assegurar a existência dos que não podem trabalhar, sem lhes deixar a vida à mercê do acaso e da boa vontade de alguns.” a) Dar-se-á reproveis a esmola? “Não; o que merece reprovação não é a esmola, mas a maneira por que habitualmente é dada. O homem de bem, que compreende a caridade de acordo com Jesus, vai ao encontro do desgraçado, sem esperar que este lhe estenda a mão. A verdadeira caridade é sempre bondosa e benévola; está tanto no ato, como na maneira por que é praticado. Duplo valor tem um serviço prestado com delicadeza. Se o for com altivez, pode ser que a necessidade obrigue quem o recebe a aceitá-lo, mas o seu coração pouco se comoverá. Lembrai-vos também de que, aos olhos de Deus, a ostentação tira o mérito ao benefício. Disse Jesus: ‘Ignore a vossa mão esquerda o que a direita der.’ Por essa forma, Ele vos ensinou a não tisnardes a caridade com o orgulho. Deve-se distinguir a esmola, propriamente dita, da beneficência. Nem sempre o mais necessitado é o que pede. O temor de uma humilhação detém o verdadeiro pobre, que muita vez sofre sem se queixar. A esse é que o homem verdadeiramente humano sabe ir procurar, sem ostentação. Amai-vos uns aos outros, eis toda a lei, Lei divina, mediante a qual governa Deus os mundos. O amor é a lei de atração para os seres vivos e organizados. A atração é a lei de amor para a matéria inorgânica. Não esqueçais nunca que o Espírito, qualquer que seja o grau de seu adiantamento, sua situação como reencarnado, ou na erraticidade, está sempre colocado entre um superior, que o guia e aperfeiçoa, e um inferior, para com o qual tem que cumprir esses mesmos deveres. Sede, pois, caridosos, praticando, não só a caridade que vos faz dar friamente o óbolo que tirais do bolso ao que vo-lo ousa pedir, mas a que vos leve ao encontro das misérias ocultas. Sede indulgentes com os defeitos dos vossos semelhantes. Em vez de votardes desprezo à ignorância e ao vício, instruí os ignorantes e moralizai os viciados. Sede brandos e benevolentes para com tudo o que vos seja inferior. Sede-o para com os seres mais ínfimos da criação e tereis obedecido à Lei de Deus.” São Vicente de Paulo


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• Item 889 •


889: Não há homens que se veem condenados a mendigar por culpa sua?
“Sem dúvida; mas, se uma boa educação moral lhes houvera ensinado a praticar a Lei de Deus, não teriam caído nos excessos causadores da sua perdição. Disso, sobretudo, é que depende a melhoria do vosso planeta.” (707) Amor materno e filial

Parte Terceira • Das leis morais • Amor materno e filial
• Item 890 •


890: Será uma virtude o amor materno, ou um sentimento instintivo, comum aos homens e aos animais?
“Uma e outra coisa. A Natureza deu à mãe o amor a seus filhos no interesse da conservação deles. No animal, porém, esse amor se limita às necessidades materiais; cessa quando desnecessários se tornam os cuidados. No homem, persiste pela vida inteira e comporta um devotamento e uma abnegação que são virtudes. Sobrevive mesmo à morte e acompanha o filho até no além-túmulo. Bem vedes que há nele coisa diversa do que há no amor do animal.” (205 a 385)

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• Item 891 •


891: Estando na Natureza o amor materno, como é que há mães que odeiam os filhos e, não raro, desde a infância destes?
“Às vezes, é uma prova que o Espírito do filho escolheu, ou uma expiação, se aconteceu ter sido mau pai, ou mãe perversa, ou mau filho, noutra existência (392). Em todos os casos, a mãe má não pode deixar de ser animada por um mau Espírito que procura criar embaraços ao filho, a fim de que sucumba na prova que buscou. Essa violação das Leis da Natureza, porém, não ficará impune e o Espírito do filho será recompensado pelos obstáculos de que haja triunfado.”

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• Item 892 •


892: Quando os filhos causam desgostos aos pais, não têm estes desculpa para o fato de lhes não dispensarem a ternura de que os fariam objeto, em caso contrário?
“Não, porque isso representa um encargo que lhes é confiado e a missão deles consiste em se esforçarem por encaminhar os filhos para o bem (582 a 583). Ademais, esses desgostos são, amiúde, a consequência do mau feitio que os pais deixaram que seus filhos tomassem desde o berço. Colhem o que semearam.”