"Assim também não é vontade de vosso Pai, que está nos céus, que um destes pequeninos se perca".
Mateus
Assim surgiram as conceituações sobre o céu e o inferno com as características eternas...
Concomitantemente apresentaram as fórmulas ingênuas e simplistas através das quais se poderia evitar um e conseguir outro, mediante processos, aliás condicentes àqueles que firmaram, em definitivo, os padrões da Soberana Justiça de Deus, em manifestações de culto externo e apresentações simbólicas, tendo em vista somente a forma.
Para o adepto do Romanismo(1), por exemplo, a aceitação tácita, embora inconsciente, dos dogmas da Igreja e a submissão a eles, equivale a um salvo-conduto de fácil aquisição para repouso no Paraíso...
Para os crentes das diversas igrejas da Reforma Protestante a fé, acompanhada de arrependimento, ao som dos recitativos bíblicos, constitui passaporte valioso para o Jardim de Eternas Bênçãos...
E lamentável é que em alguns espiritistas pouco afeiçoados ao estudo e conhecimento do Espiritismo, nos moldes em que o apresentou Allan Kardec, a suposição de que a frequência a um Centro Espírita, o uso da água fluidificada e a recepção de passes, constituem bilhete de segurança para a viagem de além-túmulo, onde os aguardam Espíritos de Luz para conduzi-los às Regiões Inefáveis da Imortalidade.
Felizmente o Missionário lionês desde o princípio da Codificação Espiritista elegeu a Caridade como a base sobre a qual se levanta o edifício da felicidade e, ao mesmo tempo, consignou como normativas de segurança o Trabalho, a Solidariedade e a Tolerância, numa admirável síntese dos ensinos evangélicos.
Não há como negar a existência de regiões de sofrimento, que variam ao infinito, para os espíritos culpados e irresponsáveis que habitaram a Terra, tanto quanto locais de repouso temporário e refazimento para os que edificaram o bem e a moral no próprio imo.
Enxameiam, desde a Terra, os redutos de aflição corretiva e províncias de dor reparadora, ensejando aos trânsfugas do dever oportunidade de expungir, meditar, formular propósitos de retificação para novo berço, na carne, onde completarão o aprendizado evolutivo, com a paz de consciência ante os que foram afligidos e atormentados por sua incúria ou maldade.
Da mesma forma se multiplicam estâncias de trabalho e edificação, onde o amor não repousa nem a felicidade se transforma em parasito, convidando o espírito ao retorno à retaguarda para levantar e conduzir os que se demoram nos charcos da aflição punitiva...
A Divina Justiça dispõe de mil processos para manifestar o Amor de Nosso Pai.
Trabalho desinteressado em favor do próximo, aprendizado contínuo, oração ativa, vigilância na romagem, exercícios de paciência e humildade, amor sempre, eis alguns dos recursos valiosos que o cristão não pode relegar a plano secundário.
Se alguém te ofende, ferindo os teus sentimentos, enfloresce teu coração com o amor e perdoa.
Se alguém se diz por ti ofendido, apresentando mágoas, recama teu pensamento de luzes em forma de entendimento e solicita que te perdoe.
Não adies a oportunidade de desculpar nem atrases o momento de pedir desculpas.
A carne é oportunidade sublime... e breve — passa mui rapidamente.
Depois da aduana em que o corpo se consome em cinza e lama a consciência desperta cintilante e lúcida azorragando ou abençoando e, só então, se pode ter ideia do valor de um minuto gasto na tarefa-bondade ou de um momento na sementeira-aversão.
Se desejas o céu da consciência tranquila em porto de luz, envolve-te na lã do Cordeiro de Deus e alcatifa tua senda com os dosséis da humildade, do amor e da caridade, seguindo imperturbável até à hora da desencarnação.
Tendo, todavia, embora as tuas melhores intenções, remordimentos íntimos, para, medita e, antes de fazer a oferenda, no altar, consoante o ensinamento evangélico, vai fazer as pazes com o teu adversário amando-o com a um irmão.
É preferível seres tu quem ama e perdoa, a carregares a chaga odienta do remorso, por ter perdido a oportunidade de tranquilizar alguém, hoje em sofrimento por tua causa, por falta do acolhimento fraterno que lhe negaste.
Embora ignorado pelos mais amados companheiros, à hora do testemunho, Jesus perseverou amando... E Allan Kardec, dez anos depois da publicação de "O Livro dos Espíritos", fazendo um balanço da vida, anotou em apontamentos particulares: " ... Andei em luta com o ódio de inimigos encarniçados, com a injúria, a calúnia, a inveja e o ciúme; libelos infames se publicaram contra mim; as minhas melhores instruções foram falseadas; traíram-me aqueles em quem eu mais confiança depositava, pagaram-me com a ingratidão aqueles a quem prestei serviços... Nunca mais me foi dado saber o que é o repouso; mais de uma vez sucumbi ao excesso de trabalho, tive abalada a saúde e comprometida a existência... Mas, também, a par dessas vicissitudes, que de satisfações experimentei, vendo a obra crescer de maneira tão prodigiosa! Com que compensações deliciosas foram pagas as minhas tribulações! Que de bênçãos e de provas de real simpatia recebi da parte de muitos aflitos a quem a Doutrina consolou! ... Quando me sobrevinha uma decepção, uma contrariedade qualquer, eu me elevava pelo pensamento acima da Humanidade e me colocava antecipadamente na região dos Espíritos e desse ponto culminante, donde divisava a da minha chegada, as misérias da vida deslizavam por sobre mim sem me atingirem. Tão habitual se me tornara esse medo de proceder, que os gritos dos maus jamais me perturbaram"(1).
O céu ou o inferno, são, pois, estados de consciência.
(1) "Obras Póstumas" - Edição da F. E. B., página 354/6 Nota da Autora Espiritual.
(1) Nota digital: Romanista: estudioso das línguas românicas e de suas literaturas. "Quando afirmamos que os católicos negam que a salvação seja pela graça, mentimos. Os católicos concordam que a salvação é pela graça, mas o que os reformadores afirmam, e que difere do romanismo é que a salvação do homem é única e exclusivamente pela graça de Deus, sem a participação do homem".