Tristeza pertinaz teima por dominar os painéis coloridos da tua alma, convertendo aspirações acalentadas anos-a-fio em amargura, fazendo que experimentes ressaibos de profundas nostalgias.
Desfilam, rapidamente, todos os quadros que te marcaram o espírito com os sulcos vigorosos da decepção.
Amigos enganados que te enganaram; irmãos insensatos que te ofenderam; bocas irresponsáveis que te atingiram com as farpas da maledicência; mãos, ditas protetoras, que esbordoaram tua honorabilidade; corações que pareciam afeiçoados e que seguiram adiante...
Repassas, emocionado, cenas que se foram mas não esquecestes: promessas ardentes, testemunhos de afeição, olhares incendiados de entusiasmo, emoções explodindo em palavras fáceis que teciam grinaldas de ternura... E perguntas, agora, em soledade, onde estão os amigos de outrora, os copartícipes das tuas horas de triunfo?
Tens a impressão de que o peso de mil deserções se acumula sobre a tua fragilidade, e temes por ti mesmo.
Desde há algum tempo a tristeza secunda os teus passos e tange monótona balada que vagarosamente te domina, conduzindo o teu carro de júbilos para o abismo dos desencantos.
E crês que não resistirás por muito tempo.
Fraco é o bastião da tua fé, poderosa a força do sítio que te ameaça.
Levanta, porém, os olhos e dirige-te a Ele, o Grande Ignorado.
Além do que consideras o teu horto, transpostas as fronteiras da tua dor, quanta dor! ...
Perdeste amigos e admiradores, fugiram afetos e simpatizantes, mas em verdade nunca os tiveste contigo.
Eram apenas acompanhantes da oportunidade. Faziam algazarra, comungavam presenças, fora, todavia, da realidade que buscavas.
E a realidade é esta: solidão com a verdade.
Tributo valioso exige a liberdade — quantas vidas físicas exige o carro da guerra para doá-la?
Preço elevado impõe o dever — quantas lágrimas são vertidas no cultivo da gleba onde ele medra?
Soma ponderável deve ser igualmente oferecida para o Consórcio com o amor — único espólio de uma existência modelar.
Não te descoroçoes, pois.
Voltarão, mais tarde, os que te deixaram.
Brilhará novamente o sol dos sorrisos.
Soarão, vibrantes, depois, as palavras em festival demorado de admiração.
Será, porém, tarde para eles, porquanto já não te terão ao lado.
Há doentes cuja gravidade do mal passa despercebida por ignorarem a doença.
Há aflições que não enlouquecem por ainda desconhecidas dos que as encontrarão logo mais.
Há delinquentes que conseguem caminhar por teimarem desconsiderar o crime.
Há solidões escondidas na balbúrdia, que se cercam de fantasias...
Por mais, porém, que todos desejem ignorar o drama que conduzem consigo, nem por isso mesmo conseguirão passar na romagem evolutiva sem o despertamento para a responsabilidade.
Mais infelizes são todos esses, cujo amanhã está assinalado por pesadas sombras, aguardando por eles.
Tu, porém, embora sofrendo e chorando, crês, já travaste encontro com a fé e és amigo da esperança.
Conserva o óleo da certeza no lume do dever e espera o dia, após esta noite demorada.
Ninguém poderia supor que a multidão exaltada que seguiu o Mestre, em Jerusalém, devidamente açulada por vândalos mercenários, seria o coro que o vilipendiaria logo depois a caminho do Calvário.
Ninguém poderia supor que aqueles que o aclamaram quando viam cegos recuperarem a visão, paralíticos recobrarem os movimentos, surdos recomporem os ouvidos, mudos voltarem a falar e leprosos sararem ao contato daquela voz e daquelas mãos, seriam as mesmas bocas estertoradas que O exortariam com sarcasmo a sair da Cruz.
Ninguém poderia supor que, embora abandonado na Terra, o Pai Celeste estava com Ele, sem O deixar a sós; nem que, depois de uma tarde de tempestade e de uma longa noite, Ele voltaria vitorioso sobre todos e tudo, para continuar o ministério junto aos que O abandonaram...