No Limiar do Infinito

CAPÍTULO 14

REGIÕES DE BÊNÇÃO E DOR



Celeiros de bênçãos e escolas de reparação A variada gama de situações sociais, econômicas e morais que o Espírito elege numa existência para galgar a escada do progresso, na outra se manifesta, também, através das injunções orgânicas e psíquicas resultantes das necessidades evolutivas peculiares a cada qual.

O corpo veste transitória entretecida pelos implementos mentais do próprio ser, é sempre o reflexo do que de mais útil se faz para o usuário, que nele insculpe futuras imposições ou por meio do qual se liberta das algemas constringentes e maceradoras em que se escraviza.

Conforme, portanto, a paisagem íntima, ao desvencilhar-se das conjunturas físicas, o ser espiritual viverá no interregno entre uma e outra reencarnação, até que, ascendendo, se libere dos sucessivos renascimentos nos círculos inferiores.

Para o sexólatra, o paraíso deverá ser um oásis de luxúria, enquanto o avaro sonhará com uma região edênica onde os haveres longamente cobiçados lhe reflitam a imagem torpe, num intérmino contar de moedas e arrolar de notas fiduciárias, afinal de contas inúteis.

O homem sedento de caça, perturbado pela dominação, erguendo a clava forte sobre os mais fracos, adornará o seu céu com as imagens de animais abatidos e tribos vencidas.

O pigmeu áfricano esperará, após o breve ciclo de um amadurecimento físico prematuro e um envelhecimento precoce, que a região paradisíaca seja assinalada pela fartura de alimentos e pela comodidade procriativa.

O civilizado, conforme suas vinculações psíquicas, nas quais se atormenta ou se compraz transfere por ideoplastia para o além-túmulo os fulcros de interesse, ali edificando o céu ou o inferno em que se demorará retido.


Na Terra, a Natureza sempre responde consoante a solicitação que se lhe dirige. Asseverou Jesus com imensa e profunda sabedoria: "A cada um segundo as suas

obras", deixando evidenciado que o homem vive conforme os seus feitos.

Não há como subornar a Consciência Divina ou anestesiar indefinidamente a própria razão.

O homem é o arquiteto da própria vida, resultando isso das ideias que agasalhe e vitalize.

Fascinado, no entanto, por si mesmo e fundamente fixado ao egoísmo de que somente a penates rigorosos consegue superar, transferiu para o Pai Criador as paixões em que fossiliza, erigindo nas diversas Religiões o altar da adoração e a furna de desditas para o próximo, determinando em decretos-padrões a manifestação da Divina Justiça, à base de legislação medieval e sombria, impiedosa quão imperfeita. Estabelecida em limites finais e engendrando engodos para a usurpação dos bens materiais dos que partem, mediante técnicas militaristas de perdão e condescendência, de indulgências e arrependimentos apressados, dita imposição considerada de justiça, transfere as almas de um para outro estado punitivo ou angélico, dentro dos interesses personalistas e mentirosos.

Alguns religiosos, imanados à letra bíblica, arrolam fórmulas e metas salvadoras de emergência, estabelecendo que a crença pura e simples, na sua função libertadora, basta para conceder à eterna bem-aventurança, não obstante os largos estipêndios de loucura e insensatez, de crimes e de lascívia, de que se fazem depositários tais crentes...

Certamente que a "fé salva", não, porém, como forma simplista e precipitada de premiar a irregularidade e o erro a golpe de remorso tardio e aceitação divina imediata, no momento da desencarnação.

Predispondo o crente à renovação íntima e ao trabalho, a fé proporciona-lhe o renascimento de dentre os escombros do "homem velho" em que jaz, emulando-o à ressurreição com que refaz o caminho, modifica as estruturas emocionais e recupera-se dos delitos em que malogrou para as aquisições do patrimônio inalienável do amor, da caridade e do perdão...

Indubitavelmente que há céus e infernos além do portal do túmulo, aguardando os peregrinos da experiência carnal, quando do retorno ao Mundo Espiritual.


Como, porém, receber a estranha, imensa e variegada massa que a cada momento deixa a Terra, retornando às praias e portos espirituais? Como classificar os delitos e julgar as ações nobres, considerando a diferente posição em que cada grupo humano

realizou o seu compromisso terreno? Com quais medidas examinar em profundidade os fatores preponderantes e predisponentes para o mal e para o bem, tendo-se em vista que os prêmios e punições se achem limitados em duas ou três variantes: gozo eterno, punição perpétua, estágio para posterior definição...

De que forma julgar a responsabilidade, o grau de culpa, o gravame em que incidiram o selvagem, o agricultor, o industrial, o cidadão universitário, o magnata, aquele que desenvolveu a mente e o corpo nas baixas faixas da ignorância e o que formou o caráter e a psique nos altos círculos da cultura, da ética, da civilização?

De que padrões se utilizará a Divindade para classificar o criminoso, vítima de impulsão esquizofrênica, o intelectual do homicídio frio e o explorador insensível do lenocínio, da aberração tóxica que se nutrem das lágrimas e suores de milhares de vítimas inermes que estertoram nos cordões enforcantes, cujas pontas são habilmente movimentadas pelas suas mãos?

Onde alojar o caído em desgraça moral, que foi vítima da irresponsabilidade e aquele que o precipitou no abismo? Situar no mesmo plano de punição a vítima e o algoz? Liberar aquele que também desrespeitou os códigos morais, concedendo-lhe a felicidade sem jaça e a paz perpétua, com esquecimento de quem o desgraçou apenas porque é vítima? Ambos premiar?

Seria lícito conceder o "Reino de Deus" ao impenitente criminoso deste ou daquele padrão que se arrependeu no instante da morte, oferecendo-se ao cristão probo e justo, humano e caridoso, o mesmo consolo e idêntica regalia?

Como julgar o homem portador de bondade inata e aquele que se esforçou até o sacrifício, a abnegação e o martírio, tendo-se em vista a vida única? Não seria o primeiro um agraciado e o segundo um deserdado pela divina paternidade?

Da mesma forma, como condenar aquele que, vitimado pelos impositivos genéticos ou adstrito às situações sociais, padece os fatores criminógenos que o tornam revel, nos círculos viciosos em que se encontra instalado?

Seria justo outorgar-se ao religioso deste ou daquele credo que se refugia no silêncio, na meditação, longe do trabalho, ciliciando o corpo que é instrumento da vida, e o indivíduo que macera a alma nos cilícios dos deveres devocionais da famíliaproblema, dos serviços exaustivos, das tentações complexas que o rondam, e apesar disso permanece fiel a Deus, em culto de amor e devotamento nobre?


Como responsabilizar a jovem ludibriada que, após a traição de que foi vítima e o

ultraje sofrido nos seus brios de mulher, açoitada pela vergonha e empurrada ladeira moral abaixo, resvalou para as inditosas urdiduras do mercantilismo carnal? Se o seu infelicitador passa a crer em Cristo ou se se arrepende à hora da morte deve fruir o céu, enquanto ela, tragando as lágrimas salgadas e suportando o deperecer das forças, não encontra mão amiga que a soerga ou dedo generoso que lhe aponte a estrela da esperança, brilhando acima, num formoso convite de paz para o amanhã, sendo assinalada pela falta de fé ou pela ausência de arrependimento que lhe não chegam a lucilar nalma, para um inferno em que se comburirá inapelável, irremissivelmente?

Como nivelar responsabilidades tão díspares?

Não, tal assim não sucede. A justiça celeste não se utiliza de padrões fixos e inamovíveis para o exame das humanas fraquezas e das grandiosas conquistas do Espírito.

Em tudo e em toda parte vige o amor de Nosso Pai, espalhando-se em misericórdia.

Sua sapiência colore a flor, faz plainar a ave leve no ar, arranca do solo o fruto, transforma a água e o açúcar em lenho e galhos na planta, estimula o verme na terra a abrir e a arar o chão, a fim de que o milagre da raiz encontre sustentação e alimento... Agasalha o animal no clima frio e suavisa-lhe o pelo na região tórrida, enrija-lhe o corpo, fortalece-lhe os músculos ou adelga-o para o meio em que vive, dá-lhe pulmão, brânqueas ou traqueia, tubos respiratórios ou o faz anaeróbio de acordo com a finalidade e o local onde deverá viver.

Por que em relação ao homem deveria Ele exceder-se em severidade para com uns, aqueles a quem detesta, e benevolência para com os outros, os que lhe agradam?

A natureza divina chama-se amor e não possui os matizes do temperamento humano, que desejou fazer Deus à sua imagem, sem desejar assemelhar-se à imagem de Deus, que é misericórdia e bondade.


É certo que se multiplicam no além-túmulo as regiões de dor e sombra, os abismos de sofrimento e de amargura onde não brilham as luzes da alegria, em que se rebolcam os ultrajantes, os exploradores, os asseclas do mal, os impiedosos e calcetas, os dilapidadores da felicidade e da esperança alheias, os viciosos e toda a farta mole de acumpliciados com a desdita e o mal. Fizeram-se infelizes por prazer e vincularam-se entre si de acordo com as inclinações e motivações pessoais, aglutinando-se em colônias onde se auto supliciam e se permitem absurda justiça, porque inúmeros se consideram destacados pela Lei Universal para a aplicação do látego e a corrigenda dos

abusos, excedendo-se, eles próprios, e caindo em mais fundos precipícios de desar e alucinação, até quando lhes chega o momento da reparação que não tarda indefinidamente.

Ninguém, o mais terrível e hediondo verdugo, se encontra à margem da misericórdia celeste que a todos nos alcança e soergue para a vida, para o amor e para a perfeição, após o indispensável expurgo das construções infelizes a que se imanta...

Há, sim, redutos de indescritível agonia, escarpas de soledade e frio, vulcões de desespero para os que pensam extirpara vida através do suicídio, fugindo ao dever, à responsabilidade, às consequências dos atos...

De acordo com os interesses pessoais acalentados e vividos na Terra, formam grupos e comunidades os desencarnados, no Mundo Espiritual, vinculados uns aos outros pelas inexoráveis leis da afinidade, em que se lapidam e sofrem, até que se resolvam mudar de atitude íntima e encarem a realidade do Espírito nas sublimes finalidades para as quais foi criado.

Em toda parte, porém, vigiam os responsáveis e instrumentos da Providência atentos para auxiliar e distender mãos piedosas em favor daqueles que desejem ascender e crescer nos rumos da Luz...

Simultaneamente desdobram-se e se multiplicam refertas de bênçãos as Instituições de caridade espiritual para os que atravessaram a aduana da morte, portadores de dores honestas e enfermidades ressarcidoras, que ainda não fazem jus à plenitude da felicidade nem merecem maior quota de sofrimento reparador.

Cada Espírito desperta além do corpo conforme se comportou enquanto na sua vilegiatura.

Processo cirúrgico de profundidade, a desencarnação deixa sulcos e impõe compreensível convalescença em todos quantos não se prepararam devidamente para esse cometimento que ocorre no plano físico da vida. Assim, há legiões de abnegados médicos da caridade e de enfermeiros do auxílio que transferem recém-libertos carecentes de socorro para Entidades especializadas do lado de cá, para comunidades de trabalho, para educandários de fé e santuários de oração...

Proliferam "moradas" felizes que se diversificam, multifárias, desde aquelas que recebem os principiantes no exercício do bem até os sublimes círculos em que as bemaventuranças residem.

Em todo lugar está a Excelsa Presença.

"Na Casa de meu Pai há muitas moradas" — observou Jesus, reportando-se às que se situam nas faixas vibratórias próximas da Terra, como àqueloutras que pulsam e lucilam na escumilha da noite, em forma de ninhos de eterna luz, e às que escapam à imaginação, ao estreito entendimento da mente terrestre, exaltando a sabedoria e o amor do Senhor do Universo, como regiões de dor libertadora e de bênção luarizante esperando por nós.