Ainda hoje, o cristão decidido encontra dificuldades de vária ordem, a fim de manter pulcro o ideal esposado.
Incompreendido, repentinamente se vê qual ilha solitária no tumulto das multidões aturdidas.
A sua conduta é vista sob suspeição e suas palavras padecem interpretação incorreta, que se deriva de má vontade geral.
São falseados os seus propósitos, e uma conspiração quase generalizada busca bloquear-lhe os passos.
Mesmo entre os coidealistas, experimenta desafios na área do relacionamento fraternal.
Se é coerente com a mensagem de que se faz beneficiário, é tido por intransigente.
Se acata as opiniões diferentes, embora sem concordar com elas, é considerado pusilânime.
Se fala com sinceridade, expressando o que pensa, é chancelado de rude.
Se silencia e observa, é posto na conta de covarde ou de conivente.
Não há, por enquanto, lugar na Terra para o discípulo fiel do Evangelho.
As suas provas, decorrentes do passado, constituem-lhe espinho íntimo cravado no cerne da alma.
Ao seu lado, os acúleos-tentação afligem-no, ameaçando, a cada passo, a sua marcha ascensional.
A dor é-lhe companheira constante, mutilando-lhe as asas da ilusão, o que lhe resulta em benefícios excepcionais. Todavia, a sua é uma busca profunda, na qual são dispensáveis os atavios e engodos das fantasias.
Tido, às vezes, como masoquista, não foge do sofrimento, mas, igualmente, não o busca.
Encara-o com naturalidade, na condição de instrumento de libertação do ego, das emoções e paixões perturbadoras, que lhe constituem retentiva no processo de iluminação pessoal.
Afirmou Jesus, sem margem a interpretação dúbia: — Quem quiser vir comigo, tome a sua cruz e siga-me.
O convite descarta as habituais evasivas da comodidade e as justificativas do desculpismo tradicional.
A cruz, posta sobre os ombros e conduzida, dilacera as carnes em que se apoia.
Se for retirada antes do tempo e da chegada ao Calvário, a ulceração ficará exposta.
Geradora da ferida, é, também, a sua cicatrizadora, encarregada de recompor os tecidos dilacerados.
A lesão provocada pela cruz, mais tarde torna-se estrela a fulgir, apontando o rumo.
Nunca recues ante a dificuldade.
Não esmoreças, defrontando a dor.
Conduze, confiante, a tua cruz até o monte libertador.
Quem a deixa no caminho, buscando poupar-se ao sofrimento, retornará a buscá-la, pois que, sem ela, ficará interrompido o acesso ao reino da consciência tranquila.
Diante de alguém sobrecarregado, sê-lhe cireneu, emulando-o à condução ditosa.
Não o iludas com a necessidade de liberar-se antes do tempo.
Encoraja-o a seguir adiante.
Jesus, que não tinha qualquer dívida a ressarcir, sob o peso da cruz, aceitou a ajuda do estranho, no entanto levou-a, Ele próprio, ao topo da subida, onde a plantou, deixando-se nela imolar para ensinar-nos coragem e libertação.