O homem carnal, mais preso a vida corpórea do que à vida espiritual, tem, na Terra, penas e gozos materiais. Sua felicidade consiste na satisfação fugaz de todos os seus desejos. Sua alma, constantemente preocupada e angustiada pelas vicissitudes da vida, se conserva numa ansiedade e numa tortura perpétuas. A morte o assusta, porque ele duvida do futuro e porque tem de deixar no mundo todas as suas afeições e esperanças. (Comentários de Allan Kardec à resposta da questão n° 941.) Mediante a cessação dos fenómenos biológicos tem início o evento da morte orgânica. O natural processo de desgaste e de degenerescência que é imposto à organização física constitui mecanismo de transformação das moléculas que, em razão da lei de destruição, se desorganizam para produzir a renovação. Esse impositivo constitui elemento basilar do desenvolvimento e da ampliação da vida nos seus mais diversos mecanismos.
Dessa forma, todos os seres vivos marcham inexoravelmente para a morte que, de forma alguma, representa o fim ou aniquilamento.
A morte é, portanto, veículo de transformação renovadora que enseja às expressões orgânicas inúmeras modificações de estrutura no incessante intercâmbio entre os elementos de que se constituem.
Como o ser real se utiliza da matéria, de que prescinde, não sendo ela mesma, a morte liberta-o do cárcere físico no qual se movimenta durante o percurso da evolução.
Retido pelo instinto de conservação à aparelhagem orgânica, e por falta de adequada orientação espiritual, receia que, ao perder o invólucro em que se encontra, seja processado o seu aniquilamento, o que destruiria todo o sentido e significado da existência terrestre, especialmente para os indivíduos humanos.
O empenho na luta, os esforços para a conquista do conhecimento intelectual, dos valores ético-morais, do desenvolvimento tecnológico e artístico, dos sentimentos afetivos e enobrecidos não são destruídos quando se opera a disjunção molecular. Inerentes ao Espírito e não ao corpo, são indissociáveis daquele, continuando como património que faz parte da vida e jamais desaparecem.
O temor da morte decorre de impositivos atávicos que se desenvolveram nos mecanismos íntimos do ser, mediante a incerteza da sobrevivência do Espírito, não obstante as incessantes manifestações dos mesmos, afirmando a continuidade da vida aos despojos carnais.
Por outro lado, o exorbitar religioso no passado, decorrente do fanatismo e dos dogmas ultramontanos, portadores de ameaças punitivas e de concessões de felicidade eterna, gerou nos indivíduos o pavor do enfrentamento da consciência após a morte, ou simples mente sepultou a crença no materialismo, em face do absurdo dessa imposição perversa.
Acreditando que tudo se resume ao breve período que medeia entre o berço e o túmulo, o ser humano, não raro vê, na morte, o término dos prazeres, mas também dos sofrimentos, provocando receios nuns e anseios noutros, distanciados ambos da realidade de que se reveste a eliminação do corpo no mecanismo da evolução.
Diariamente é constatada a independência da mente ao cérebro, do pensamento aos neurónios, demonstrando-se que o ser biológico não é o ser real, mas um instrumento deste.
Desde há muito, os desdobramentos da personalidade ou viagens astrais, os fenómenos de bicorporeidade e transfiguração, de aparição de mortos anunciando o próprio falecimento ou provocando efeitos de natureza física, têm tentado despertar as mentes para a compreensão da imortalidade e das faculdades inerentes ao Espírito.
A partir do surgimento do Espiritismo, em razão da imensa fenomenologia catalogada e demonstrada por meio da mediunidade, as dúvidas que remanesciam a respeito da sobrevivência do ser ao desgaste fisiológico, cederam lugar à crença na sua indestrutibilidade e na sua comunicabilidade inteligente com aqueles que ficaram na retaguarda terrestre.
A morte, embora a feição patética de que foi revestida pela ignorância ou pela fertilidade da imaginação mítica, constitui libertação do ergástulo material, restituindo a liberdade do ser prisioneiro conforme sejam os seus valores íntimos.
Para aqueles que souberam utilizar os recursos preciosos da oportunidade, ala-os às regiões de paz e felicidade que os aguardam, enquanto que, para os outros, aqueles que se detiveram no exclusivo gozo dos seus impositivos orgânicos ou se escravizaram aos ditames das paixões, dá continuidade aos mesmos hábitos, agora ampliados pelo arrependimento e pela aflição, decorrentes do mau uso das faculdades que deveriam ser instrumentos para a conquista da felicidade.
Eis por que a morte não deve constituir motivo de pavor ou mesmo desejo de libertação, em face das leis que regem a vida e que estabelecem os hábeis mecanismos necessários ao desenvolvimento do Espírito mediante as sucessivas reencarnações.
Recolher os melhores proveitos de cada oportunidade, eis a finalidade existencial, de modo que, ao chegar o momento da libertação do vaso carnal, resultem a alegria e a auto-realização como decorrência das conquistas iluminativas.
Respeitar o corpo, proporcionando-lhe recursos de preservação dos equipamentos através da conduta moral saudável e do direcionamento mental enriquecido de bênçãos, toma-se meta a ser alcançada por todos aqueles que se dão conta da fragilidade orgânica e da perpetuidade do ser.
Inexoravelmente a morte ocorrerá, e vem sucedendo lentamente em cada instante de vida física, que culminará no momento em que se tornará total, abrindo, então, as portas da Espiritualidade para o Espírito que retoma à Vida em plenitude.