A construção material, por mais complexa, é possível de ser erguida cóm relativa facilidade. A de natureza moral demanda tempo, exige tenacidade, começos e recomeços até se tornar sólida, resistente a qualquer devastação.
O aplainar das arestas morais é mais sacrificial do que o desbastar os minerais, corrigir-lhes as anfractuosidades, moldá-los.
Por isso mesmo, o espírito é o construtor da sua realidade, devendo entregar-se com empenho ao mister sem descanso. Qualquer titubeio, surge a ameaça à realização. Um descuido, e abrem-se os canais para o alagamento e desastre da obra.
Judas 1scariotes não alcançara a dimensão plena do reino que Jesus viera fundar.
Sem exterioridades, seria no coração a sua base e no caráter os seus alicerces. De natureza eterna, dispensaria as formas exteriores, erguendo-se com os materiais preciosos que o ideal e o sacrifício elegem.
Suas vigas mestras, seus pilares, são, ainda hoje, a decisão irrecusável e a segurança quanto à excelência do empreendimento.
Com estas convicções, nada constitui impedimento, e o êxito faz-se-lhe natural, duradouro.
Judas, que era judeu, provavelmente de Kerioth, elegera-se o tesoureiro do grupo heterogêneo de amigos de Jesus, a quem Ele convidara para a edificação do reino. Imediatista, considerava as pessoas e ocorrências através da óptica distorcida da realidade, pelo valor relativo, amoedado, social, transitório, não real, e isto fê-lo perder-se, tornando-se a legendária personagem da traição, da desconfiança, da ingratidão.
Jesus o amava e ele também amava o Mestre a seu modo, conforme as suas possibilidades.
" decorrência da crucificação do Inocente.
Pesava sobre a cidade uma psicosfera densa e os receios dominavam os corações.
As crucificações eram relativamente comuns no monte sinistro da caveira, não, porém, aquela.
Os inimigos de Jesus sentiam-se inseguros, tomados por superstições e intrigas que deixavam entrever desforços.
Os seus amigos, que haviam ficado a distância, ocultavam-se, amedrontados, desconhecendo o que lhes estaria reservado.
Ouviram-nO e não O entenderam. Pareciam perdidos sem a voz suave de comando e as seguras mãos do Pastor.
As notícias enganosas, exageradas e deprimentes viajavam céleres de bocas a ouvidos, mais aumentando-lhes o pânico.
Foi nesse clima psicológico e social que raiou a madrugada do domingo, no qual as mulheres afetuosas foram visitar-Lhe o túmulo e o encontraram vazio.
Logo depois viram-nO, receberam as instruções que suscitariam dúvidas nos amigos mais cépticos, quanto a seguirem para a Galileia.
Judas vendera-Q por trinta moedas de prata, atormentado pelo valor efêmero das coisas — o reino dos céus pelo de metais.
E tendo o dinheiro nas mãos, percebendo que o seu Amigo não reagira, deixando-se aprisionar e sendo condenado, retornou aos comparsas do crime e ante a frieza deles, tardiamente desabafou: — Pequei, entregando sangue inocente.
As gargalhadas roufenhas e a zombaria ácida dos cínicos vencedores da mentira explodiram em resposta de indiferença: — Que nos importa? Isso é lá contigo.
Sem dimensão para compreender a extensão vil daquelas almas, o tresloucado atirou as moedas na direção do santuário, saiu e foi-se enforcar.
Os indivíduos fracos não se enfrentam. Fugindo da consciência são-lhe vítima permanente, por não poderem liberar-se do seu aguilhão.
A culpa é ferrete cravado no cerne do ser a revolver-se cortante.
Só a sujeição à realidade com honesta disposição de reequilíbrio arranca o espículo cravado, amenizando a dor.
Fugir é fácil, porém de que se foge, de quem e para onde?
Aonde quer que se vá, vai-se consigo mesmo, e Judas, arrependido quão atenazado por forças espirituais inferiores que o arrastaram ao crime por afinidade de propósitos, fugiu para o abismo do suicídio pelo enforcamento.
Abandonava o reino de luz para cuja construção fora convidado, arrojando-se no de trevas densas onde se demoraria em infinita desdita.
Antes de aparecer às mulheres que foram ao túmulo vazio, Jesus descera às regiões penosas do mundo inferior ao qual se arrojara Judas invigilante.
Debatendo-se na constrição psíquica do laço que o enforcara e sob a truanesca zombaria daqueles Espíritos que o estimularam à tragédia, tornara-se o símbolo da suprema desdita.
No aturdimento ímpar, sem poder ver o Amigo Divino, sentiu, momentaneamente, atenuarem-se-lhe as dores e a loucura, e ouviu-Lhe a voz dúlcida nos refolhos do ser: "— Judas, sou Eu. "Confia e espera! Ainda há tempo. Nenhuma das minhas ovelhas se perderá. "Perdoa-te o ultraje, a fim de que te possas libertar da culpa e recuperar-te. "Acende a candeia da esperança e a sombra cederá. "Recorda o amor, de modo que a paz se te aninhe no coração. "Nunca te deixarei, nem te condenarei. "Hoje começa época nova e amanhã é o dia da vitória. "Repousa um pouco, pois os milênios te aguardam e eu também estarei esperando por ti. " Suavizado o sofrimento pelo reconforto da Presença, Judas adormeceu por um pouco, adquirindo forças para as futuras expiações redentoras.
— Os príncipes dos sacerdotes apanhando as moedas, disseram: "Não é lícito lançá-las no tesouro, pois são preço de sangue. " Depois de terem deliberado, compraram com elas o campo do oleiro para servir de cemitério aos estrangeiros.
Por tal razão, aquele campo é chamado até ao dia de hoje — campo de Sangue.
Cumpriram-se as profecias.
O reino dos céus está no coração e deverá ser exteriorizado através do amor, da paz, em bênçãos de humildade e fé.
Frágil, a criatura humana que se empenha em distendê-lo, sofre aguerridas perseguições, tentações...
— Isso é lá contigo.
(Nota) Mateus