Trigo de Deus

CAPÍTULO 4

EU QUE SOU BRANDO...



Os astros eram crisântemos luminiferos encrustrados no velário da noite; no entanto, pareciam lanternas mágicas lucilando ao longe...

O dia fora especialmente sufocante.

À ardência do Sol uniam-se as necessidades que empurraram multidões compactas a Cafarnaum, na busca de consolo e pão, que as mãos generosas do Rabi distribuíram em abundância.

Mar humano em agitação, os grupos sucediam-se intérminos, como se todas as dores se houvessem homiziado nos seus corações e o Mestre devesse atendê-las, sem cessar...

O aspecto dos infelizes enternecia e chocava.

As chagas morais expostas, na maioria, em feridas purulentas, confraternizavam com as perversões que a muitos levaram aos estados de alucinação.

Aos magotes, misturavam-se leprosos a crianças em andrajos, e os estropiados conduziam cegos, que blasfemavam.

Todos desejavam solução urgente para os desenganos e exulcerações, sem manterem dignidade ante a dor nem tolerância uns em relação aos outros.

Engalfinhavam-se em discussões insensatas por motivos nenhuns, demonstrando o atraso moral em que estagiavam, não raro terminando em pugilato vergonhoso.

A presença de Jesus magnetizava-os, acalmando-os, já que ficavam na expectativa de serem atendidos.

Com incomum compaixão, Ele socorria mediante a ação luarizadora e a palavra de esclarecimento, logrando assim asserenar a maré agitada dos corações.

Mal terminava de atender um grupo e outro chegava, repetindo as mesmas paisagens morais.

A notícia dos Seus feitos, como um perfume que se espraiara no ar, chegava às regiões mais distantes, e os infelizes acorriam, exaustos, ansiosos, na Sua busca.

Ele nunca deixava de os atender, envolto no halo da ternura, da piedade e do amor que O caracterizava.

A noite, desse modo, ainda se apresentava morna, quando os ventos brandos começaram a amenizá-la.

O Senhor, após o repasto singelo, buscou a praia, e, sentando-se, deixou-se mergulhar em profundas reflexões.

Acercando-se com discreto respeito, João, o discípulo amado, assentou-se ao Seu lado e, contemplando-Lhe o perfil recortado no claro-escuro da noite estrelada, embriagou-se de emoção...

Percebendo-lhe a presença querida, o Divino Amigo sorriu, esperando que o jovem exteriorizasse os pensamentos.

Jesus sempre aguardava.

Conhecendo o ser humano desde o seu princípio, nunca se apressava.

Deixava-se inquirir.


Sentindo-se carinhosamente recebido, o filho de Salomé e Zebedeu externou, medindo as palavras:

— Quanta misericórdia do Pai Celeste para conosco! As multidões se renovam e o amor é sempre o mesmo! Semelhante à fonte gentil, quanto mais se lhe retira o líquido, mais parece produzi-lo.


E com ênfase, interrogou:

— De onde procedem tantos males, que aturdem os seres humanos, Senhor? São tão diferenciadas as dores! No entanto, todos aqueles que as sofrem se apresentam desesperados, em rebeldia, vencidos! Por que, Mestre?


Compreendendo o interesse do jovem em penetrar na causalidade dos sofrimentos, o Benfeitor olhou a noite em volta, e elucidou:
— Recordas-te da pergunta que me dirigiram sobre o cego de nascença, os nossos companheiros? Indagaram-me se fora ele ou seus pais quem havia pecado, para que ele nascesse cego. "Quando lhes redargu

̈i que nem um nem os outros, desejei elucidar que, voluntário, o invidente se candidatara a servir de instrumento na dor, para que as obras de meu Pai por mim se realizassem. Ê, face a essa conduta, curei-o... "

— Mas, Mestre — interrompeu-o, o moço interessado — se ele era cego de nascença, teria pecado antes? Quando isso teria acontecido?

— João — esclareceu o Mestre — o Espírito tem a sua origem no silêncio dos tempos passados, e avança através de experiências corporais sucessivas. O nascimento na carne é continuação da vida, assim como a morte é prosseguimento em outro nível de vibração. Em cada etapa se adquire conhecimento ou sentimento, avançando sempre, a esforço do amor ou da aflição. "Quando erra e se compromete, retorna à mesma situação para aprender e reparar. O sofrimento é o educandário que o disciplina e corrige, impulsionando-o para a frente, sem solução de continuidade, até quando, depurado, adianta-se sem chaga e deixa que brilhe a luz do bem que em todos jaz. "

— E por que sofrem os bons, enquanto os maus parecem progredir? — insistiu.


O Pastor Afável entendeu o questionamento e, sem enfado, explicou:

— Aqueles que hoje vemos como bons são as mesmas pessoas que antes exerceram a maldade, quando poderíam ser nobres; que optaram pelo crime e agora recomeçam o caminho, alquebrados pelo sofrimento; que compreendem a necessidade de elevar-se, embora a contributo das aflições... eles serão consolados. Enquanto isto sucede, o Pai Amantíssimo proporciona, aos outros, oportunidades de ação dignificante, que preferem utilizar prejudicialmente, gerando os efeitos tormentosos que advirão no futuro... "O tempo é um suceder infinito de horas, e como não há pressa na evolução, todos se elevarão mediante a escolha pessoal. Eu tenho ensinado o amor, por ser o único processo de viver sem sofrer, sem promover futuras aflições para si mesmo. Todavia, os homens, preferindo ignorar a verdade, desejam a saúde para desperdiçá-la; a alegria para atirá-la fora; a paz para convertê-la em conflito. Na sua insensatez, não se detêm a meditar na realidade transitória da vida física pensando na outra Realidade, a do ser eterno... "

— Como, porém, mudar essa situação? - indagou, com sincera emoção.


O Amigo levantou-se e, fitando o mar, agora calmo, salpicado de barcos no lençol das águas, em faina de pesca, concluiu:

— A única solução para o encontro da felicidade é não fazer a outrem o que não gostaria que este lhe fizesse... E a alternativa é vir a mim todos os que se encontram cansados e aflitos, tomando sobre os ombros o meu fardo, recebendo o meu jugo, pois só assim eu os consolarei... (Nota
1) Não necessitava dizer mais nada.

As ânsias da natureza silenciaram na paisagem da noite em festival de estrelas.

Distendendo a mão, na 28:30. (Nota da Autora espiritual)