Aquela era uma árida região, quanto áridos eram os corações que a habitavam.
O cativeiro prolongado, por mais de uma vez, no Egito e na Babilônia, tornara aquele povo pastoril insensível ao sofrimento, insensibilidade essa que passou, de geração a geração, tornando as pessoas indiferentes às aflições do próximo.
A presença suave-doce de Jesus não lhes produzia alteração emocional, tão marcadas se encontravam as vidas, que se desacostumaram ao amor. Não raro, pelo contrário, Sua conduta provocava a ira dos fariseus empedernidos e do povo insensato.
Desfilavam em toda parte as dores que maceravam os seres e a que todos se encontravam acostumados, sem que a solidariedade e a compaixão distendessem mãos generosas em seu socorro.
A tradição somava às aflições uma terrível pena, asseverando que os enfermos e estropiados se encontravam sob a indiferença de Deus, porque viviam em pecado. Quando os não expulsavam das suas cidades — aos portadores de males mais graves — concediam-lhes a atitude de desprezo.
Uma vez, na Páscoa, os mais ricos abriam suas propriedades aos mais pobres e permitiam-se ajudá-los com esmolas, suavizando a consciência de culpa. Logo, no outro dia, retornavam à frieza e à desconsideração para com eles.
A saúde era, então, um estado especial mui raro, e, por isso, o período médio de vida corporal, como ocorria noutros países, era baixo.
Jesus, porém, amava esse povo. Queria resgatá-lo da própria presunção.
Viera para que todos os povos tivessem vida e a aproveitassem com elevação.
Oásis de monoteísmo no imenso deserto politeísta, Israel não sintonizava com o perdão, reverenciando Moisés, seu legislador máximo, e a Lei de Talião.
Sabendo que os fariseus pretendiam matá-10, na cidade onde curava enfermos, vencidos pela inveja e a sordidez que os dominavam, Ele transferiu-se de lugar.
Não que temesse a morte, pois que para o testemunho viera. Somente que não era aquela a Sua hora. Fazia-se-Lhe necessário divulgar as bases do Reino de Deus e preparar a Era Nova.
Assim, chegando àquela cidade, na árida região, fora antecedido pelas notícias desencontradas a Seu respeito.
As referências conflitantes geraram um clima de expectativa relativamente hostil e desagradável contra Ele.
Ao ser identificado, trouxeram-Lhe um homem estigmatizado pela miséria orgânica: era cego e mudo.
Quando a enfermidade começou a dominá-lo, o jovem experimentou infinito desconforto moral. Tinha a sensação de que uma força dominadora passou a constringi-lo e esmagá-lo lentamente.
Sonhava que percorria longos e escuros caminhos sob a perseguição inclemente de um ser que o odiava, deixando-o aturdido e agoniado. Despertava sempre banhado por álgidos suores, vencido por abatimento crescente. Receava dormir, a partir de então, sofrendo, antes, os pesadelos que o aguardavam.
A perturbação espiritual de que se fizera objeto, aniquilara-o emocionalmente.
Lentamente sentiu-se subjugado, perdeu a visão, sentindo que a voz emudecera, entorpecida na garganta túrgida... Não mais pôde falar.
Vencido, deixou-se arrastar pela desdita e, vez que outra, descontrolava-se sob alucinação lamentável.
Ficou identificado como sendo endemoninhado.
Lograva raciocinar, nos interregnos das crises, anelando pelo retorno da saúde. Deixava-se, então, dominar pelas lágrimas da saudade dos prados verdes com anêmonas e balsaminas em flor, e dos pássaros coloridos que flutuavam nos rios dos ventos...
Acalentava o desejo de retornar às paisagens de equilíbrio, mas, já não tinha esperanças...
̈ilo.
Não saíra da surpresa, que o levara quase ao estupor, quando sentiu novamente a mão poderosa tocar-lhe a boca.
Percebeu que um estrondo profundo iria arrebentar-lhe os tímpanos, e então passou a falar. Destravou-se-lhe a língua.
Desejou gritar, agradecer o acontecimento, expressar alegria. Estava, porém, emocionado, em êxtase de felicidade que nenhuma palavra podia traduzir.
Jesus continuou curando, e foram muitos os que se recuperaram.
A alegria bordava de felicidade aqueles sofredores desacostumados ao festival de ternura.
— Ele expele os demônios por Belzebu, chefe dos demônios.
Era o máximo da estupidez e da ousadia: conceber que o mal pode fazer o bem e que a treva inunda o mundo de luz.
— Se Satanás expele a Satanás, está dividido contra si mesmo; como então subsistirá o seu reino? Se eu expulso os demônios por Belzebu, por quem os expelem vossos filhos?
O Verbo libertador advertiu os insensatos e desonestos condutores religiosos do povo, e explicou que a blasfêmia contra o Espírito Santo, essa pléiade de Enviados de Deus para amenizar as dores do mundo, não tem perdão, exigindo dos infratores a reparação inadiável.
Conhecia-lhes a desonestidade, a forma hábil de enganar, em que se tornaram exímios os religiosos-políticos bajuladores dos poderosos e escravizadores do povo.
Perscrutando-lhes os escaninhos da alma infeliz, sabia que o pior inimigo do homem é a sua inferioridade, e que esta somente desaparece a esforço de trabalho, ao contributo das lágrimas e da solidão.
Aquela era uma árida região e áridos eram também os corações que a habitavam.
Sarças e espinheiros medravam nas pedras e nos sentimentos. Assim mesmo, Ele semeou a esperança e acenou aos sofredores as possibilidades da ventura mediante a experiência do amor.