Trigo de Deus

CAPÍTULO 5

VIDAS ÁRIDAS



Aquela era uma árida região, quanto áridos eram os corações que a habitavam.

O cativeiro prolongado, por mais de uma vez, no Egito e na Babilônia, tornara aquele povo pastoril insensível ao sofrimento, insensibilidade essa que passou, de geração a geração, tornando as pessoas indiferentes às aflições do próximo.

A presença suave-doce de Jesus não lhes produzia alteração emocional, tão marcadas se encontravam as vidas, que se desacostumaram ao amor. Não raro, pelo contrário, Sua conduta provocava a ira dos fariseus empedernidos e do povo insensato.

Desfilavam em toda parte as dores que maceravam os seres e a que todos se encontravam acostumados, sem que a solidariedade e a compaixão distendessem mãos generosas em seu socorro.

A tradição somava às aflições uma terrível pena, asseverando que os enfermos e estropiados se encontravam sob a indiferença de Deus, porque viviam em pecado. Quando os não expulsavam das suas cidades — aos portadores de males mais graves — concediam-lhes a atitude de desprezo.

Uma vez, na Páscoa, os mais ricos abriam suas propriedades aos mais pobres e permitiam-se ajudá-los com esmolas, suavizando a consciência de culpa. Logo, no outro dia, retornavam à frieza e à desconsideração para com eles.

A saúde era, então, um estado especial mui raro, e, por isso, o período médio de vida corporal, como ocorria noutros países, era baixo.

Jesus, porém, amava esse povo. Queria resgatá-lo da própria presunção.

Viera para que todos os povos tivessem vida e a aproveitassem com elevação.

Oásis de monoteísmo no imenso deserto politeísta, Israel não sintonizava com o perdão, reverenciando Moisés, seu legislador máximo, e a Lei de Talião.


* * *

Sabendo que os fariseus pretendiam matá-10, na cidade onde curava enfermos, vencidos pela inveja e a sordidez que os dominavam, Ele transferiu-se de lugar.

Não que temesse a morte, pois que para o testemunho viera. Somente que não era aquela a Sua hora. Fazia-se-Lhe necessário divulgar as bases do Reino de Deus e preparar a Era Nova.

Assim, chegando àquela cidade, na árida região, fora antecedido pelas notícias desencontradas a Seu respeito.

As referências conflitantes geraram um clima de expectativa relativamente hostil e desagradável contra Ele.

Ao ser identificado, trouxeram-Lhe um homem estigmatizado pela miséria orgânica: era cego e mudo.

Quando a enfermidade começou a dominá-lo, o jovem experimentou infinito desconforto moral. Tinha a sensação de que uma força dominadora passou a constringi-lo e esmagá-lo lentamente.

Sonhava que percorria longos e escuros caminhos sob a perseguição inclemente de um ser que o odiava, deixando-o aturdido e agoniado. Despertava sempre banhado por álgidos suores, vencido por abatimento crescente. Receava dormir, a partir de então, sofrendo, antes, os pesadelos que o aguardavam.

A perturbação espiritual de que se fizera objeto, aniquilara-o emocionalmente.

Lentamente sentiu-se subjugado, perdeu a visão, sentindo que a voz emudecera, entorpecida na garganta túrgida... Não mais pôde falar.

Vencido, deixou-se arrastar pela desdita e, vez que outra, descontrolava-se sob alucinação lamentável.

Ficou identificado como sendo endemoninhado.

Lograva raciocinar, nos interregnos das crises, anelando pelo retorno da saúde. Deixava-se, então, dominar pelas lágrimas da saudade dos prados verdes com anêmonas e balsaminas em flor, e dos pássaros coloridos que flutuavam nos rios dos ventos...

Acalentava o desejo de retornar às paisagens de equilíbrio, mas, já não tinha esperanças...


Ele passava, atônito, no momento em que os fariseus e o povo cercaram o Visitante. (Nota) Sem entender o que acontecia, sentiu-se empurrado violentamente, e, sem compreender o que ocorria, experimentou um frêmito quando alguém o tocou suavemente e transmitiu-lhe uma energia tão poderosa que o arrancou das sombras espessas e trouxe-lhe a claridade aos olhos. Escamas pesadas pareceram cair das vistas e ele viu o olhar luminoso que o envolvia, como raios divinos que se exteriorizavam de um rosto, belo e tranqu

̈ilo.

Não saíra da surpresa, que o levara quase ao estupor, quando sentiu novamente a mão poderosa tocar-lhe a boca.

Percebeu que um estrondo profundo iria arrebentar-lhe os tímpanos, e então passou a falar. Destravou-se-lhe a língua.

Desejou gritar, agradecer o acontecimento, expressar alegria. Estava, porém, emocionado, em êxtase de felicidade que nenhuma palavra podia traduzir.


* * *

Jesus continuou curando, e foram muitos os que se recuperaram.

A alegria bordava de felicidade aqueles sofredores desacostumados ao festival de ternura.


Desconcertados, os inimigos da Verdade logo encontraram um outro meio de O atacar, e exclamaram:

— Ele expele os demônios por Belzebu, chefe dos demônios.

Era o máximo da estupidez e da ousadia: conceber que o mal pode fazer o bem e que a treva inunda o mundo de luz.


O Mestre perpassou o olhar pela multidão e, compadecido do logro em que se encontrava esta sob a astúcia farisaica, ripostou:

— Se Satanás expele a Satanás, está dividido contra si mesmo; como então subsistirá o seu reino? Se eu expulso os demônios por Belzebu, por quem os expelem vossos filhos?

O Verbo libertador advertiu os insensatos e desonestos condutores religiosos do povo, e explicou que a blasfêmia contra o Espírito Santo, essa pléiade de Enviados de Deus para amenizar as dores do mundo, não tem perdão, exigindo dos infratores a reparação inadiável.

Conhecia-lhes a desonestidade, a forma hábil de enganar, em que se tornaram exímios os religiosos-políticos bajuladores dos poderosos e escravizadores do povo.

Perscrutando-lhes os escaninhos da alma infeliz, sabia que o pior inimigo do homem é a sua inferioridade, e que esta somente desaparece a esforço de trabalho, ao contributo das lágrimas e da solidão.


* * *

Aquela era uma árida região e áridos eram também os corações que a habitavam.

Sarças e espinheiros medravam nas pedras e nos sentimentos. Assim mesmo, Ele semeou a esperança e acenou aos sofredores as possibilidades da ventura mediante a experiência do amor.


(Nota) Mateus 22:37 (Nota da Autora espiritual.)